“O veterinário intensivista tem que ter um autogerenciamento emocional”, aponta Prof. Dr. Kaleizu Rosa

Por Samia Malas

Entrevista exclusiva com o profissional, referência em Cardiologia e Medicina Intensiva

“A maior dificuldade que eu vejo, olhando para trás na minha carreira, foi a falta de um mentor”, aponta Kaleizu Rosa, médico-veterinário Cardiologista e intensivista - Foto: Divulgação
“A maior dificuldade que eu vejo, olhando para trás na minha carreira, foi a falta de um mentor”, aponta Kaleizu Rosa, médico-veterinário Cardiologista e intensivista - Foto: Divulgação

O Prof. Dr. Kaleizu Rosa, de Jacareí, SP, atende na parte de Cardiologia, Emergências cardíacas e Medicina intensiva há 24 anos. Hoje, atua no Vale do Paraíba, em São Paulo, em Santa Catarina, e, eventualmente, em outras áreas do Brasil. O médico-veterinário é referência em Cardiologia e Medicina Intensiva e compartilhou conosco sua trajetória e carreira. Confira entrevista.

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UTI, Cirurgia e Anestesia Veterinária em Foco: Conte um pouco sobre o início da sua carreira.

Prof. Dr. Kaleizu Rosa:  Comecei desde o primeiro ano de graduação a me dedicar a essas áreas, pois tinha um professor de anatomia na Universidade de Uberlândia, o Frederico Ozanan, que nas provas de anatomia ele aplicava um pouco da fisiologia junto da anatomia. E eu fui me apaixonando por Cardiologia e comecei a me dedicar a ela desde o início. Comecei estudando de forma autodidata pela falta de cursos de pós-graduação na época. Em 1995, assim que me formei, comecei a atender em Cardiologia e, na sequência, a aprender a fazer Ecocardiograma. Na época, tinha somente dois veterinários no Brasil que faziam esse exame e eles não ensinavam. Também tive que aprender sozinho. As coisas começaram a dar certo até que eu cometi um erro de diagnóstico – que eu sempre cito porque acho importante mencionar que pessoas que são referencia também erram – e esse erro me deixou muito pra baixo, numa mea culpa danada. Mas ele me impulsionou também, e por conta dele virei referência em diagnostico por Ecocardiograma. Depois de 7 anos de formado voltei para a área acadêmica. Fiz mestrado e doutorado no Instituto do Coração, da USP, e comecei a dar aulas. Juntei a parte clinica com a paixão pela docência que é o que move o meu coração.

UCA: Que dificuldades encontrou no início da sua carreira?

Kaleizu: A maior dificuldade que eu vejo, olhando para trás na minha carreira, foi a falta de um mentor. O papel do mentor é justamente encurtar o caminho do profissional. Ele mostra o caminho das pedras. E naquela época não se falava nisso. Então sinto muita falta de ter tido um mentor técnico e também um mentor que me ajudasse a gerenciar a minha carreira, montar um plano estratégico e tudo mais. Porque daí tudo fica na base da tentativa e erro, e acabamos errando muito mais.

UCA: Para se tornar um veterinário especializado em Cardiologia e também apto a trabalhar na área de Emergência e intensivismo é preciso adquirir qual certificação? Quais passos a seguir?

Kaleizu: Tanto em Cardiologia como em Terapia Intensiva, para se especializar é preciso se pensar em uma pós-graduação. Mas antes disso, eu acho fundamental fazer cursos de aprimoramento, para ir se familiarizando com os assuntos, os termos, para ganharam maturidade para escolher a pós-graduação, pois existem diversos cursos bons nas duas áreas, mas o diferencial é a parte prática. É fundamental o profissional escolher uma pós que tenha bastante prática, com bastante possibilidade de aplicar os conceitos aprendidos em sala de aula. Só teoria não te torna um profissional habilitado. Além disso, as outras certificações são importantes também como os ABCs, estar próximo da sociedade, isso também é fundamental.

UCA: Quais os desafios da rotina de atendimento na área em que atua?

Kaleizu: Os desafios envolvem desde olhar para dentro de si mesmo, porque são duas áreas onde o profissional tem que ter uma habilidade emocional bastante importante, ele tem que saber gerenciar as próprias emoções, pois o medo de errar um diagnóstico, o medo de fazer uma intervenção que envolve riscos e pode complicar o processo. Ele vai lidar com tutores que estão desesperados, pois as duas áreas envolvem animais que estão com risco eminente de óbito, então muitas vezes, o próprio tutor não consegue gerenciar sua própria emoção. Assim, o veterinário tem que ter um autogerenciamento emocional e é fundamental que ele busque por treinamento nessa área também, não só na área técnica. Outro desafio é eu é que os centros de referência podem não ter um maquinário de ponta, então é preciso lidar com diversas questões na hora do diagnóstico.

UCA: Quais serviços estão em alta na área de intensivismo e cardiologia?

Kaleizu: Na Emergência e Terapia Intensiva eu citaria o exame de imagem com eco à beira leito e exame de ultrassom de tórax para poder fechar o diagnóstico mais rápido. Na Cardiologia esses exames também fazem parte. O procedimento intervencionista cardiológico tem ganhado um espaço muito grande no Brasil, com profissionais de ponta, de referencia. Cirurgias cardíacas e toráxicas. E a monitoração que está ficando cada vez mais próxima da Medicina por conta da acessibilidade dos recursos tecnológicos.

UCA: O que é preciso para ser um bom veterinário intensivista?

Kaleizu: Muito conhecimento técnico sobre as diretrizes, muita experiencia para poder lidar com as situações mais diversas que acontecem, mas, acima de tudo, um autogerenciamento emocional para as pessoas poderem lidar com situações de estresse que estão muito presentes nesta rotina. Isso também se aplica na Cardiologia. Então, é preciso ter a questão técnica e as soft skills, que são as habilidades de comportamento e relacionamento. Até porque o intensivista é um profissional que lida com diversos outros colegas especialistas então, não podemos esquecer que estamos falando de seres humanos, tem ego envolvido em todas as partes. Quem mais te habilidade para lidar com essas circunstâncias vai se destacar no mercado.

UCA: Que conselhos dá aos veterinários que estão buscando se especializar nessas áreas?

Kaleizu: Entender que é um jogo de longo prazo. Isso vale para a questão financeira, para ter sucesso, se tornar referencia e para entender que ele precisa olhar para dentro de si próprio a partir de agora. Não adianta ele se matar dando plantão um atrás do outro que isso não vai encurtar o caminho dele, ao contrário. Vai fazer com que ele entre em burn out, ou desistir, ou achar que não é nada do que ele esperada, justamente pela falta de planejamento. E como se consegue planejamento? Buscando não só as habilidades técnicas, mas também, as não técnicas que eu mencionei acima.  De autoconhecimento, de entender como ele mesmo lida com o estresse, como ele pode melhor isso, como ele pode buscar parcerias de sucesso, para ter relações com outros colegas que sejam bem sucedidos. A gente tem o péssimo costume de achar que o nosso background de vida nos dá suporte pra isso, e não dá. Isso tem que ser treinado também. 

UCA: Qual avanço presenciou na sua carreira que fez a diferença na rotina de atendimento? O que temos de mais novo nesse segmento?

Kaleizu: Toda a parte técnica avançou muito. Os recursos tecnológicos estão mais disponíveis, inclusive com acesso financeiro, pois conseguimos fazer financiamento e temos condições de ir melhorando, nem que seja gradualmente. Houve também uma estruturação das sociedades relativas a cada especializadas. Formamos e temos formado muitos profissionais especializados no Brasil. O modo como as pessoas vêm tratando dos pets melhorou muito, então o investimento com a saúde deles também aumentou. Eles também observam muito mais os animais, os trazem com maior frequência na clínica. Teve um avanço muito grande na questão nutricional também do paciente em terapia intensiva ou com insuficiência cardíaca congestiva, onde as demandas nutricionais são diferentes. Anestesias sem monitoramento ou com drogas que não são as mais adequadas, hoje é inaceitável isso, apesar de ainda existir, não tem sido a rotina, felizmente. 

E as sociedades se organizaram muito também, ajudando na formação de diversos colegas, tanto na área de medicina intensiva quanto de cardiologia. Inclusive na minha, pois fui presidente da IBVEECS por duas gestões. E isso atraiu um olhar comercial para a área, trazendo recursos tecnológicos para ajudar os diagnósticos, facilitar financiamos.

UCA: Gostaria de acrescentar algum comentário para nossos leitores?

Kaleizu: Estude muito fisiologia cardiovascular, porque ela é a base da hemodinâmica que, por sua vez, é a base de muitos sistemas. O paciente precisa da hemodinâmica para ter perfusão, para ter pressão, para poder se manter vivo, estável etc. Brinco que até quem é da área de Dermatologia tem que saber se hemodinâmica porque se você pega um cardiopata geriátrico com insuficiência cardíaca o primeiro lugar onde ele vai fazer vasoconstrição é na pele, e o Dermato prescreve uma medicação tópica que não tem efeito, porque não tem absorção. Então quem quer seguir essa área o diferencial é saber fisiologia. Por isso fiz o meu mestrado em fisiologia cardiovascular, que é o meu diferencial hoje. Sou conhecido pela dinâmica em ensinar hemodinâmica que envolve muita fórmula, gráficos, enfim, que normalmente estudantes da área de biológicas não gostam muito. Mas a partir do momento que a gente entende isso, temos muito mais base para entender o que está acontecendo e como abordar esse paciente. Procurar um mentor também é importante, pois encurta muitos caminhos. Por isso que eu já fui mentor de diversos veterinários, para que eles não cometessem os mesmos erros que eu cometi, que me levou a buscar a área acadêmica e se tornou um proposito na minha vida. Tudo que eu puder evitar que os colegas não passarem pelo mesmo erro que eu cometi. Até porque na época que comecei o grau de erro que era permitido cometer era maior, hoje, o grau é muito menor, pois o mercado está muito mais exigente.

André Luiz Sampaio Fernandes

Graduação em Medicina Veterinária – UNIFRAN/SP Residência em Clínica Médica de Pequenos Animais – UNIFRAN/SP Mestre em Ciência Animal - ênfase em nefrologia e urologia – UNIFRAN/SP Atendimento especializado em Clínica Médica e Nefrologia e Urologia de Pequenos Animais.

Thaís Melo de Paula Seixas

Graduação em Medicina Veterinária - UNIFRAN/SP Residência em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais - UNIFRAN/SP Mestre em Cirurgia Veterinária - UNESP/Jaboticabal Docente do curso de graduação em Medicina Veterinária - UNIFRAN/SP Responsável pelo Setor de Dermatologia do Hospital Veterinário - UNIFRAN/SP

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