Anestesia para implantação de stent traqueal de nitinol em um cão da raça spitz alemão: relato de caso

Por M. V. Amanda Nascimento de Azevedo¹ e M.V. Msc. Franz Naoki Yoshitoshi²

RESUMO

O colapso traqueal em cães é um distúrbio respiratório causado pela diminuição do lumen da traqueia, que pode acometer algumas raças de cães de pequeno porte, onde apresentam desde uma tosse leve, até dispneias graves e síncopes. O tratamento vai depender do grau da doença, que varia do grau I ao IV, além da deformação congênita em “W”. A implantação de stent endotraqueal intraluminal é uma técnica minimamente invasiva em comparação aos implantes extra luminais. Durante a realização do procedimento, é imprescindível a realização de sedação e anestesia geral, no qual ela apresenta um nível moderado de dificuldade, devido a manipulação de uma área essencial a vida, o sistema respiratório. O objetivo deste trabalho é descrever a técnica anestésica utilizada neste paciente.

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Palavras-chave: colapso traqueal, laringotraqueobronco scopia estent traqueal.

ABSTRACT

Tracheal collapse in dogs is a respiratory disorder caused by the reduction of the tracheal lumen, which can affect some breeds of small dogs, where they present from a mild cough to severe dyspnea and syncope. The treatment
will depend on the degree of the disease, which varies from grade I to IV, in addition to the congenital deformation in “W”. Intraluminal endotracheal stent implantation is a minimally invasive technique compared to extra luminal implants. During the procedure, it is essential to perform sedation and general anes-
thesia, in which it presents a moderate level of difficulty, due to the manipulation of an essential area of ​​life, the respiratory system. The purpose of this paper is to describe the anesthetic technique used in this patient.

Keywords: tracheal collapse, laryngotracheobronchoscopy and tracheal stenting.

INTRODUÇÃO

O colapso traqueal (CT) é a obstrução do lúmen traqueal que pode ser congênito ou adquirido1. O CT possui caráter crônico e progressivo, caracterizado por degeneração das vias aéreas superiores, possui etiologia pouco esclarecida, podendo ser cartilagem hialina associada a um relaxamento da membrana traqueal dorsal ocasionando um estreitamento no diâmetro do lúmen traqueal. As manifestações clínicas do CT envolvem vômito, taquipneia, intolerância ao exercício, tosse conhecida como “grasnado de ganso”, dificuldade respiratória, cianose e síncope2,3. Raças como Yorkshire, Chihuahua, Pug, Poodle, independente do sexo, são mais pré-dispostas a desenvolver CT4.

Para a confirmação de CT alguns exames complementares são solicitados, sendo considerado a laringotraqueobroncoscopia5 padrão ouro para estadiamento e diagnóstico de CT. É o método de eleição para o diagnóstico de múltiplas patologias da via aérea inferior por proporcionar informações importantes com a visibilização direta da estrutura estática e dinâmica da traqueia e das distintas ramificações que compõem a via aérea baixa, permitindo a identificação do colapso traqueal tanto em momento estático quanto na movimentação dinâmica, além de observar alterações estáticas e dinâmicas na arvore brônquica6.

O tratamento cirúrgico é indicado para pacientes com colapso III a IV, visando restaurar o diâmetro da traqueia, através da colocação de implantes extra luminais ou intraluminais7. A colocação de stent intraluminal é um procedimento minimamente invasivo e restabelece a abertura do lúmen traqueal que está colapsado8.

Em casos de pacientes com alteração respiratória importante, como dispneia, o tratamento emergencial é essencial através da oferta de oxigênio para estabilização do paciente previamente a qualquer manipulação9.

Figura 1 – laringotraqueoscopia de uma traqueia normal .
Fonte: Msc Franz Naoki Yoshitoshi (2022)

RELATO DE CASO

Em abril de 2022, foi realizado o atendimento na clínica Endoscopet (São Paulo-SP) de um cão, da raça Spitz Alemão, macho, 3 anos, pesando 4,3 kg, segundo os relatos da tutora,  ele apresentava tosse crônica não produtiva, ruídos respiratórios, dispneia e cianose de língua quando submetido a esforço físico. Quanto ao exame físico, foi optado por manipular o mínimo possível para não aumentar o estresse, paciente apresentou mucosas normocoradas, ausculta cardiopulmonar dificultosa com presença de estridor e ausência de sopros.  Aos exames complementares, apresentou exames hematológicos (hemograma completo, ureia, creatinina, FA, ALT, proteínas totais) normais, ecocardiograma e eletrocardiograma sem alterações. Na radiografia de tórax em projeção laterolateral (figura 2), foi relatado importante diminuição do lúmen traqueal em porção torácica, sugestivo de colapso traqueal.

Figura 2 – radiografia do paciente relatado. Fonte: Endoscopet (2022).

A finalidade do procedimento de laringotraqueobroncoscopia para a avaliação do grau de colapso traqueal, é permitir o estadiamento da afecção, onde neste caso foi constatado que o paciente possuía CT grau IV (figura 3). Após confirmação do CT que associado as manifestações clínicas apresentadas pelo paciente, foi indicado a implantação de stent traqueal de nitinol, que visa restabelecer a abertura do lúmen traqueal.

Figura 3 – laringotraqueoscopia da traqueia do paciente relatado. Fonte: Msc Franz Naoki Yoshitoshi (2022).

Então o paciente que apresentava jejum alimentar de 12 horas e hídrico de 4 horas, foi submetido ao seguinte protocolo anestésico: medicação pré-anestésica com tartarato de butorfanol (1%) 0,15 mg/kg IM juntamente com pré-oxigenação através de máscara facial com fluxo de oxigênio a 3L/min durante 5 minutos, indução anestésica com propofol (10%) 3mg/kg com midazolam (5mg/ml) 0,2 mg/kg IV e manutenção da anestesia com infusão contínua de propofol 0,6mg/kg/min/IV. Sendo assim, iniciamos o procedimento de laringotraquebroncoscopia, onde o paciente encontrava-se entre 1º e 2º plano anestésico do estágio III, segundo a classificação Guedel, foi posicionado em decúbito esternal para introdução do endoscópio, em seguida a implantação do stent traqueal (figura 4), possibilitando visibilização interna do aparelho respiratório (desde a cavidade oral até a entrada dos brônquios). No trans operatório foi aplicado dexametasona 0,15mg/kg IV e ao término do procedimento nebulização com adrenalina 0,1ml/kg em 5 ml de soro fisiológico durante 10 minutos. Durante o procedimento apresentou os parâmetros: FC 140 bpm, PAS 110 mmHg, saturação entre 92% e 96% e manteve-se estável não havendo intercorrências.

Figura 4 – laringotraqueoscopia da traqueia do paciente relatado após a implantação do stent. Fonte: Msc Franz Naoki Yoshitoshi (2022).
Figura 5 – radiografia do paciente relatado imediatamente após a implantação dostent. Fonte: Endoscopet (2022).

Após o término do procedimento, permaneceu internado por 24 horas para observação e suporte, apresentando melhora do padrão respiratório, mantendo a SpO2 95–97% em ar ambiente onde não apresentou  complicações e assim recebeu alta médica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tratamento do colapso traqueal é um grande desafio proporcionalmente ao seu grau. Anestesiar pacientes com distúrbios respiratórios possui um nível de dificuldade razoável, acentuando ainda mais em casos em que o acesso cirúrgico é uma via essencial para vida, como as vias respiratórias. Em pacientes com dispneia e com SpO2 < 93%, a suplementação de oxigênio é fundamental10.

A definição da dispneia é a dificuldade respiratória com base na avaliação da frequência respiratória, ritmo e características da respiração11. Uma das consequências da dispneia é a hipóxia, que quando prolongada pode resultar em falência de múltiplos órgãos e, portanto, deve ser tratada imediatamente12.

Segundo Thakore e colaboradores (2021)13 em um estudo humano, o procedimento de implantação de stent traqueal guiado por broncoscopia é um procedimento emergencial que muitas vezes não temos tempo suficiente para estabilização antes da cirurgia e respectivas complexidades do caso como obstrução das vias aéreas, existe grande risco de colapso cardiovascular e de óbito. O butorfanol, é um opioide agonista-antagonista, pode antagonizar o receptor mi (μ) para prevenir o reflexo da tosse enquanto atua no receptor da fibra C para inibir a via aferente do reflexo da tosse14, além de promover uma sedação satisfatória com mínimos efeitos colaterais hemodinâmicos. O propofol é um agente hipnótico intravenoso com meia-vida curta e não fornece analgesia. Pode causar supressão dos reflexos das vias aéreas, apneia e instabilidade hemodinâmica devido à vasodilatação e inotropismo negativo. Apesar disso, ele confere um despertar da anestesia com efeitos colaterais mínimos. Portanto, pode ser uma boa alternativa anestésica para implante de stent traqueal guiada por broncoscopia15.

Na medicina veterinária o midazolam é usado principalmente por seus efeitos anticonvulsivantes, sedativos e hipnóticos e relaxantes musculares, causa alterações cardiovasculares mínimas em doses adequadas, mas pode causar uma depressão respiratória dose dependente16,17.

O principal intuito do stent traqueal é melhorar a qualidade de vida, em que esses pacientes muitas vezes não conseguem realizar atividades simples do cotidiano como fazer suas refeições normalmente, brincar, correr ou pular, pois, a dispneia interrompe todas suas atividades. Porém em contrapartida, devemos ressaltar que o implante é um corpo estranho para o organismo, onde podemos ter reações adversas como inflamação local, acúmulo de secreções, tosse, traqueite bacteriana, excesso de formação de tecido de granulação, necrose da traquéia por pressão, perfuração da parede traqueal, pneumomediastino ou pneumotórax18, fratura ou até mesmo migração do implante. Por isso será necessário sempre ponderar quando e em quais situações indicar o implante, visto que, haverá possibilidade de complicações. Quanto ao procedimento anestésico, na medicina veterinária ainda não há um estudo comparativo entre diferentes técnicas anestésicas visando qual seria a melhor possível no caso de implantação de stent traqueal. É importante sempre salientar a individualidade de cada paciente de acordo com suas necessidades especificas.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao paciente Chewbacca pela oportunidade de ter sido meu paciente tão especial e a sua tutora Gisele Lemos de Oliveira pela enorme gentileza de autorizar o relato de caso e uso das imagens.

Agradeço também a querida equipe Endoscopetpor todo apoio.

LISTA DE ABREVIATURAS

CT – colapso traqueal

FA – fosfatase alcalina

ALT – alanina aminotransferase

Mg – miligramas

Kg – quilograma

FC – frequência cardíaca

PAS – pressão arterial sistólica

mmHg – milímetros de mercúrio

Min – minuto

IV – intravenoso

SpO2 – saturação de oxigênio em sangue arterial

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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M. V. Amanda Nascimento de Azevedo

CRMV: 43474-SP. E-mail: [email protected]. Graduação em Medicina Veterinária - Universidade Cruzeiro do Sul; Residência (aprimoramento) em Anestesiologia de animais de pequeno e grande porte - Hospital Veterinário da Universidade Cruzeiro do Sul; Pós-graduação em Anestesiologia veterinária – Anclivepa SP.

M.V. Msc. Franz Naoki Yoshitoshi

25 anos de experiência em endoscopia com mais de 12.500 cases; Graduação em Medicina Veterinária pela UNESP – Araçatuba; Pós-graduação em Endoscopia pelo Yamaguchi University – Japão; Mestre em Cirurgia pelo Departamento de Cirurgia FMVZ-USP; Sócio fundador e vice-presidente na gestão 2021-2022 do Colégio Brasileiro de Endoscopia e Video-cirurgia Veterinária (CBEVV); Sócio fundador e Diretor da Associação Nacional de Medicos Veterinários (ANMV); Associado e representante Brasil da Sociedade Latino Americana de Endoscopia Veterinária (SLEV); Associado da Veterinary Endoscopy Society (VES); Associado do Colégio Brasileiro de Cirurgia Veterinária; Associado da Associação Brasileira de Gastroenterologia Animal (ABRAGA); Diretor e fundador da Endoscopet Medicina Veterinária (primeiro centro de referência de endoscopia e cirurgias complexas do Brasil); Professor convidado de cursos Latu sensu e Stricto Sensu.

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