NEOPLASIAS CUTÂNEAS EM CÃES E GATOS​

Por Dayane Caicó Araujo

NEOPLASIAS CUTÂNEAS EM CÃES E GATOS​

Estudos, protocolos, exames e fatores importantes na prevenção e tratamento desse câncer

Figura 1: Áreas de ceratose actníca em abdômen ventral de cão da raça Pit Bull exposto cronicamente ao sol - Foto arquivo pessoal

Nos últimos anos, estudos realizados no Brasil identificaram um considerável aumento na expectativa de vida de cães e gatos. Atribuiu-se a isso a constante preocupação com a saúde dos pets, hoje considerados membros da família, no tocante a nutrição, prevenção de doenças infecciosas por meio da vacinação, além da evidente melhoria e aperfeiçoamento dos meios diagnósticos veterinários e a terapêutica cada vez mais específica. Com o crescente aumento da longevidade dos animais de companhia aumenta também a preocupação com a maior incidência de doenças crônicas, principalmente as neoplasias.

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Estudos a respeito da epidemiologia e prevalência dos diferentes tipos neoplásicos no nosso território são escassos. A literatura reporta incidência de tumores cutâneos variando entre 25,5% a 43% em cães e gatos. É importante ressaltar que a gênese das neoplasias é multifatorial e a incidência desses tumores vai depender da espécie, raça e sexo dos animais. Além disso, o status reprodutivo do paciente é sempre levado em consideração, uma vez que diversas neoplasias possuem influência hormonal comprovada, e esse dado varia também conforme a situação socioeconômica da região avaliada.

No que diz respeito à etiologia das neoplasias cutâneas, o conhecimento de alguns fatores pode auxiliar na prevenção. Os fatores físicos, como a exposição à radiação solar, estão relacionados ao aumento da incidência de lesões pré-neoplásicas (ceratoses actínicas) (figura 1) que podem predispor a carcinomas epidermóides (carcinoma espinocelular ou carcinoma de células escamosas) e hemangiossarcomas cutâneos. O gene supressor de tumor p53 é um dos principais alvos do dano celular causado pela radiação solar, e está, inclusive, relacionado à incidência de carcinomas em felinos.

Outros fatores que podem ser citados são os virais e o próprio estado imunológico do paciente.

Em Figura 2 A, destacado, nódulo subcutâneo em região pré-escapular em cão da raça Schnauzer diagnosticado por citologia como mastocitoma cutâneo bem diferenciado. Em Figura 2 B, infiltração intradérmica de azul patente para localização de linfonodo sentinela da mesma lesão de A – Foto arquivo pessoal

 

  1.  Figura 2-A – Foto do Arquivo pessoal   –  Figura 2-B – Foto do Arquivo pessoal

Quanto à apresentação clínica pode variar bastante conforme o tipo neoplásico. Os tumores cutâneos, de uma forma geral, são facilmente percebidos pelos tutores, que podem imediatamente procurar auxílio médico-veterinário. Os mesmos podem se apresentar como nódulos cutâneos ou subcutâneos, de consistência firme ou macia (a exemplo dos mastocitomas, neoplasia cutânea mais frequente em cães – figuras 2 A e B), por vezes ulcerado com formação de crostas (comum nos carcinomas de exposição solar). Carcinomas epidermóides frequentemente acometem animais de pelagem branca e em regiões com pouca cobertura pilosa. 

Algumas formações de comportamento benigno, muito frequente em cães, podem se apresentar macroscopicamente com aparência verrucosa, como os adenomas sebáceos e papilomas (figura 3).

Figura 3: Adenoma sebáceo em cão – Foto: M.V. Msc. Natália Lôres
Figura 3 – Foto do Arquivo pessoal
 

Diagnóstico

Devido à grande diversidade de apresentações macroscópicas exames diagnósticos mais específicos podem ser necessários. Entre eles, a citologia aspirativa por agulha fina pode ser uma ótima ferramenta quando utilizada com critério. A citologia pode diferenciar processos neoplásicos de inflamatórios em alguns casos e tem excelente papel para diagnóstico em neoplasias de células redondas (devido suas características únicas e boa esfoliação celular). Importante ressaltar que em alguns casos de inflamações intensas (a exemplo da inflamação piogranulomatosa observada na esporotricose) pode ocorrer atipia de células epiteliais. Nesses casos, e em casos de neoplasias mesenquimais que apresentam pouca ou nenhuma esfoliação celular (como os sarcomas) a biópsia incisional ou excisional para exame histopatológico pode ser necessária para o diagnostico final. A vantagem do exame histopatológico é avaliar toda a estrutura do tecido, e pode inclusive servir para o estadiamento final do paciente (como a avaliação de margens pós cirúrgica e avalição de acometimento de linfonodo sentinela).

Frente a suspeita ou confirmação de uma neoplasia cutânea é de suma importância a realização do estadiamento oncológico, que de forma geral, inclui exames de imagem (radiografia torácica, ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada e ressonância magnética) e exames laboratoriais completos que avaliam a saúde geral do paciente e podem detectar possíveis síndromes paraneoplásicas em casos de neoplasias malignas. O estadiamento varia conforme o tipo neoplásico e pode nos indicar a extensão da doença no paciente, o que vai influenciar diretamente na terapêutica de escolha e, consequentemente, no prognóstico.

Tratamento

Figura 4: Carcinoma epidermóide cutâneo antes e após tratamento com radioterapia paliativa – Foto arquivo pessoal

O tratamento é prioritariamente cirúrgico na maior parte dos casos, focando no controle local. Neoplasias epiteliais e mesenquimais, como os carcinomas e sarcomas, são preferencialmente invasivos localmente, e por vezes, com baixo potencial metastático. Nesse caso, a cirurgia deve incluir amplas margens de segurança e pode incluir técnicas reconstrutivas. A grande dificuldade no tratamento local está em tumores com localização complexa como cabeça e membros. Quando a margem não é alcançada ou não é possível, outras terapias locais estão disponíveis como a eltroquimioterapia, criocirurgia e a radioterapia (figura 4). Tratamentos adjuvantes com quimioterapia sistêmica vão depender do estadiamento da doença e do potencial metastático (dados observados no exame histopatológica como invasão em vasos linfáticos e/ou sanguíneo, alta proliferação celular, presença de necrose, acometimento de linfonodo sentinela).

Figura 4 – Foto do Arquivo pessoal

É importante salientar que nos pacientes oncológicos o tratamento de suporte vai sempre se fazer necessário, principalmente o controle da dor. É sabido que pelo menos 55 a 95% dos pacientes com câncer avançado apresentam sinais de dor e requerem tratamento analgésico. A dor leva a alterações deletérias a nível cardiovascular, imunológico, respiratório, em trato gastrointestinal e interfere diretamente na qualidade de vida do paciente. A abordagem analgésica deve incluir uma terapia multimodal, associando antinflamatórios não esteroidais, opioides e até acupuntura. Os antinflamatórios inibidores seletivos de COX-2 destacam-se no tratamento do câncer, já que diversas neoplasias possuem alta expressão dessa ciclooxigenase, intimamente relacionada com a angiogênese (evento primordial na progressão tumoral). O uso dos inibidores de COX-2 na oncologia vem representando papel importante não só na analgesia como na inibição do crescimento tumoral.

Prognóstico

O prognóstico vai variar conforme o tipo neoplásico, a extensão da doença (estadiamento) e a abordagem terapêutica. É sabido que as maiores chances de cura no paciente oncológico, de uma forma geral, estão na primeira abordagem cirúrgica, quando essa é indicada. Isto posto, é essencial o conhecimento do comportamento biológico de cada tipo neoplásico e as modalidades diagnósticas disponíveis para que o clínico identifique o quanto antes lesões potencialmente malignas e tenha sucesso na sua abordagem terapêutica objetivando sempre a qualidade de vida do paciente.

1-De Nardi, A. B., Rodaski, S., Sousa, R. S., Costa, T. A., Macedo, T. R., Rodigheri, S. M., … & Piekarz, C. H. (2002). Prevalência de neoplasias e modalidades de tratamentos em cães, atendidos no hospital veterinário da Universidade Federal do Paraná. Archives of Veterinary Science, 7(2).
2-Daleck, C. R., & De Nardi, A. B. (2016). Oncologia em cães e gatos . Grupo Gen-Editora Roca Ltda..
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Dayane Caiacó

Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2014). Residência em Medicina Veterinária na área de Oncologia de Animais de Companhia – Residência Multiprofissional em Área da Saúde – UFRRJ (2016). Mestrado em Medicina Veterinária (Patologia e Ciências Clínicas) – UFRRJ (2018). Preceptora do programa de Oncologia de Animais de Companhia – Residência Multiprofissional em Área da Saúde – UFRRJ (atual) e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias – UFRRJ (atual).

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