Lúpus eritematoso discóide canino: relato de caso

Por André Luiz Sampaio Fernandes e Thaís Melo de Paula Seixas

INTRODUÇÃO

O lúpus eritematoso discoide (LED) é uma afecção autoimune que acomete a pele e membrana mucosa dos animais, com predileção pela região de plano nasal (DE SOUZA et al., 2018). Comparando-se o LED com o lúpus eritematoso sistêmico (LES), o LED é classificado como uma variante benigna (PALUMBO et al., 2010). Apesar das doenças de pele mediadas por anticorpos serem classificadas como de baixa ocorrência em caninos, é a segunda dermatopatia autoimune mais diagnosticada nesta espécie (FILHO et al., 2014).

{PAYWALL_INICIO}

A patogenia ainda não é bem definida, e fatores como genéticos, ambientais e farmacológicos podem estar envolvidos. Sabe-se que a radiação UVA e UVB alteram a expressão de antígenos na superfície dos queratinócitos, culminando em processos infiltrativos de linfócitos e geração de anticorpos do próprio organismo, que são reativos, desencadeando a deposição de imunocomplexos, citotoxicidade e ativação do sistema complemento, desta forma, sabe-se que a exposição solar agrava ainda mais a doença (LIMA-VERDE et al., 2020). Em cães, os plasmócitos são os mais encontrados na região dermoepidérmica, diferentemente dos humanos, nos quais os linfócitos T auxiliares são os mais predominantes (PATEL & FORSYTHE, 2010).

Os aspectos clínicos são caracterizados por lesões em região dorsal de plano nasal e face, leucodermia, áreas eritematosas e presença de lesões com crostas (BANOVIC, 2019). Lesões em regiões de patas, periocular e mucocutâneas também são relatadas menos comumente e as raças mais acometidas normalmente são as dolicocefálicas, entre elas Border Collie, Husky Siberiano, Pastor Alemão, Pastor de Shetland e Braco Alemão, animais de raças puras são também relatados com alta frequência (PATEL & FORSYTHE, 2010). O exame histopatológico das lesões é fundamental para o diagnóstico definitivo (PALUMBO et al., 2010).

Sabendo-se da baixa casuística de doenças dermatológicas imunomediadas diagnosticadas na clínica de pequenos animais, o objetivo do presente trabalho foi descrever um relato de caso de um paciente canino, fêmea, atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Franca, diagnosticado com LED, relatando os seus aspectos clínicos, laboratoriais, histopatológicos e terapêuticos observados.

RELATO DE CASO

Foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Franca pelo setor de Clínica Médica de Pequenos Animais, na data de 22 de junho de 2018, um paciente canino, SRD (sem raça definida), fêmea, pequeno porte, quatro anos e seis meses de idade, castrada, com queixa de eritema e prurido oftalmológico bilateral.

Ao histórico clínico, foi descrito pelo tutor eritema ocular bilateral recorrente com início há três anos, referindo que a apresentação clínica sempre ocorre com acometimento de pálpebras e plano nasal associado. Tutor já realizou tratamento sistêmico com corticoides e antibióticos, e tratamento tópico com pomadas e colírios, receitados por um Médico Veterinário, não sabendo relatar os princípios ativos e respectivas doses e frequência das medicações utilizadas, relatando melhora inicial parcial com o tratamento anteriormente proposto e recorrência das lesões posteriormente ao período terapêutico. No momento da consulta, o tutor afirmou não fazer uso de medicações há seis meses e referiu otite externa bilateral há alguns anos (não soube especificar a data).

Durante a anamnese foram obtidas as seguintes informações: prurido oftálmico bilateral e em plano nasal de grau moderado e lesões em região de plano nasal; ausência de lesões, descamação e alopecias em outras regiões epidérmicas; polidipsia, normorexia, normoquesia, urina com cor, odor e frequência normais, vacinação atualizada e vermifugação desatualizada, ausência de alterações referentes aos sistemas cardiorrespiratório, neurológico, reprodutivo e musculoesquelético. O animal não apresentava contactantes e acesso à rua. Ao exame físico observou-se temperatura de 39,3ºC, frequência cardíaca de 140 bpm (batimentos por minuto), frequência respiratória de 20 rpm (respirações por minuto), tempo de preenchimento capilar de dois segundos, pulso forte e regular, auscultação cardíaca e respiratória normofonéticas, linfonodos não reativos, mucosas normocoradas, hidratação adequada e palpação abdominal de difícil avaliação (animal agitado), mas sem alterações dignas de nota. Avaliação dermatológica demonstrou presença de lesão circular com leucodermia, crostas, eritema e ulceração associada à perda de arquitetura tecidual em região de plano nasal. Observaram-se blefarite e epífora bilateral com leucodermia e ulceração palpebral inferior em ambos os olhos e presença de carrapatos em região dorsal do corpo.

Foram solicitados exames laboratoriais como hemograma, ALT (alanina aminotransferase), FA (fosfatase alcalina), albumina, proteínas totais, creatinina e ureia para avaliação sistêmica. Teste de Schirmer e Fluoresceína foram realizados para avaliação da produção lacrimal e verificação de presença ou ausência de úlceras de córnea, respectivamente. Citologia de pálpebra foi realizada para avaliação da celularidade local.

Hemograma e exames bioquímicos não demonstraram nenhuma alteração digna de nota, apenas discreta trombocitose (543.000 u/L) e hematócrito em limite superior (53,4%). Os resultados do Teste de Schirmer foram de 19 mm no globo ocular direito e 16 mm no globo ocular esquerdo. Não foram observadas úlceras de córnea ao teste de Fluoresceína. O exame citológico demonstrou processo inflamatório agudo. Foi prescrito tratamento preventivo de ectoparasitas, lubrificante ocular em ambos os olhos (a cada 6 horas até novas recomendações), homeopatia (Apismellifica, até novas recomendações), compressa com chá de camomila no local das lesões e uso de colar elisabetano. O tutor foi orientado a retornar para realização de biópsia palpebral e de plano nasal no dia 25 de junho de 2018.

No dia 29 de junho foi realizado o procedimento de biópsia palpebral com auxílio dos setores de cirurgia, anestesiologia e oftalmologia de pequenos animais do Hospital Veterinário da Universidade de Franca. Posteriormente ao procedimento foi prescrita terapia tópica oftalmológica com colírio de dexametasona, neomicina e sulfato de polimixina B (Maxitrol) TID (a cada 8 horas) em ambos os olhos por sete dias e após este período foi recomendado iniciar colírio de ciclosporina 1% TID bilateralmente até novas recomendações.

O resultado do exame histopatológico da pálpebra direita evidenciou blefarite liquenóide linfoplasmocitária associada a traços de edema, pálpebra esquerda e espelho nasal apresentaram dermatite linfoplasmocitária liquenóide associada a apoptose de queratinócitos e degeneração basal. As alterações descritas são características imunomediadas morfologicamente compatíveis com lúpus eritematoso. Sabendo-se do resultado diagnóstico foram realizados urinálise e U-P/C (razão proteína/creatinina urinária) e solicitada dosagem de anticorpos antinuclear (ANA) no qual o tutor recusou a realização. A urina coletada por cistocentese, apresentava-se com densidade específica urinária de 1,052, traços de proteína, pH 8,0, hematúria de 5-10 CGA (campo de grande aumento), raras células epiteliais, discreta bacteriúria e U-P/C de 0,05.

No dia 20 de julho a tutora retornou e afirmou não ter realizado colírio a base de Ciclosporina e não relatou nenhuma alteração na condição clínica do animal, como demonstrado na Figura 1

Figura 1: Fotografia dos aspectos das lesões dermatológicas e oftálmicas ocasionadas por Lúpus Eritematoso Discóide. A) Presença de lesões ulceradas e com crostas em região de pálpebras inferiores (direita e esquerda) e plano nasal. B) Pálpebra inferior direita apresentando ulceração, crostas, epífora e presença de ponto cirúrgico após procedimento de biópsia local. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.
Figura 1: Fotografia dos aspectos das lesões dermatológicas e oftálmicas ocasionadas por Lúpus Eritematoso Discóide. A) Presença de lesões ulceradas e com crostas em região de pálpebras inferiores (direita e esquerda) e plano nasal. B) Pálpebra inferior direita apresentando ulceração, crostas, epífora e presença de ponto cirúrgico após procedimento de biópsia local. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Foi prescrita terapia oral com prednisona 2,3 mg/kg BID (a cada 12 horas), omeprazol 0,7 mg/kg SID (a cada 24 horas), terapia tópica dermatológica com protetor solar FPS (fator de proteção solar) 30 quando ocorrer exposição solar e pomada tacrolimus 0,03% em região de plano nasal BID, terapia oftalmológica a base de limpeza ocular com solução fisiológica 0,9% e novamente colírio a base de ciclosporina 1% TID em ambos os olhos até novas recomendações. Foi mantida a terapia prescrita previamente ao diagnóstico.

No dia 02 de agosto de 2018, tutora relatou estar realizando todas as medicações prescritas, referiu normorexia, normodipsia, normoquesia, polidipsia, ausência de êmese e regurgitação e urina com cor, odor e frequência normais. Relatou que animal estava mais ativo e observou melhora nas lesões oftálmicas e dermatológicas, sugerindo uma faixa de 40% de melhora das lesões (aspecto e prurido). Ao exame físico o paciente apresentava leve desidratação com os demais parâmetros clínicos dentro da normalidade. À avaliação dermatológica observou-se redução das crostas, ulcerações e eritema e a avaliação oftalmológica demonstrou melhora no aspecto palpebral com redução da blefarite e epífora bilateralmente (Figura 2).

Figura 2: Fotografia dos aspectos das lesões dermatológicas e oftálmicas após doze dias de tratamento. A) Ausência de crostas em região de plano nasal com área circular de leucodermia. B) Pálpebra inferior direita apresentando ulceração leve e ausência de crostas e epífora. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.
Figura 2: Fotografia dos aspectos das lesões dermatológicas e oftálmicas após doze dias de tratamento. A) Ausência de crostas em região de plano nasal com área circular de leucodermia. B) Pálpebra inferior direita apresentando ulceração leve e ausência de crostas e epífora. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

. A terapia foi mantida e retorno em 15 dias foi indicado. Após vinte e um dias a paciente retornou para reavaliação com histórico de normorexia, normodipsia, normoquesia, polidipsia, ausência de êmese e regurgitação e urina com cor, odor e frequência normais. Tutora manteve tratamento como prescrito e relatou que houve melhora significativa nas lesões oftálmicas e dermatológicas. A avaliação física geral o paciente apresentava-se com todos os parâmetros clínicos normais e com ausência de alterações palpebrais e epífora, com ausência de crostas e ulceração em plano nasal, apresentando leve área circular despigmentada. Foram solicitados hemograma, ALT, FA, albumina, proteínas totais, creatinina e ureia, no qual a única alteração observada foi um leve aumento dos níveis de albumina (4,4 g/dL) sérica. Vitamina E 400mg BID foi acrescentada ao tratamento e as demais medicações foram mantidas. Ao retorno no dia 01 de setembro tutor relatou ausência de alterações sistêmicas e observou melhora das lesões dermatológicas, sugerindo estabilidade da doença, com pequena área circular de alopecia e despigmentação em região de plano nasal e ausência de alterações nos demais sistemas orgânicos, desta forma manteve-se a terapia e nenhum exame foi solicitado.

Iniciou-se então a redução da dose de prednisona no dia 01 de outubro, sendo prescrita prednisona na dose de 2 mg/kg BID, até novas recomendações, e as demais medicações foram mantidas. Por opção do proprietário não foram realizados exames nesta data. No retorno em 31 de outubro o paciente não apresentou recidiva clínica após a redução da dose da prednisona, possibilitando redução da dose deste corticoide para 1,29 mg/kg BID, até novas recomendações, e novamente o responsável pelo animal se recusou a realização de exames para acompanhamento hematológico. Vinte e dois dias após (22 de novembro) foi reduzida a dosagem de prednisona para 0,97 mg/kg BID, pois animal não apresentava sinais de recidivas e foram realizados exames hematológicos e bioquímicos (ALT, FA, albumina, proteínas totais, creatinina e ureia) no qual não apresentaram nenhuma alteração. Agendado retorno para avaliação epidérmica e continuidade da redução da dosagem dos fármacos após 15 dias, no entanto a tutora não retornou.

Na data de 22 de janeiro de 2019, o animal retornou com queixa de lesão verrucosa em região de lábio superior, sugestiva de papiloma. Tutora referiu que o animal se apresentava clinicamente bem e estava fazendo uso de prednisona na dose de 0,6 mg/kg BID (animal havia ganhado 400 gramas de peso corporal), colírio a base de ciclosporina 1% e pomada tópica tacrolimus 0,03%, no qual ao exame físico não foi notada nenhuma anormalidade além do relatado. As lesões dermatológicas estavam se mantendo estáveis (lesão circular alopécica e leucoderma em região de plano nasal sem aspectos de inflamação ou ulceração) (Figura 3).

Figura 3: Fotografia dos aspectos das lesões dermatológicas e oftálmicas ocasionadas por Lúpus Eritematoso Discóide demonstrando lesão circular com presença de alopecia associada à leucodermia em região de plano nasal. Fonte: Arquivo pessoal, 2019.
Figura 3: Fotografia dos aspectos das lesões dermatológicas e oftálmicas ocasionadas por Lúpus Eritematoso Discóide demonstrando lesão circular com presença de alopecia associada à leucodermia em região de plano nasal. Fonte: Arquivo pessoal, 2019.

Foi realizado hemograma, evidenciando somente leve trombocitose (506.000 u/L) sem demais alterações, foi prescrito prednisona na mesma dosagem anteriormente recomendada, porém, a cada 48 horas (QOD), para ser mantida até a próxima avaliação. Foi orientado uso de omeprazol como prescrito anteriormente e manutenção do colírio e pomada tópica.

Após o período de mais ou menos sete meses sem comparecer aos retornos, o animal retornou para consulta no dia 09 de agosto de 2019. A tutora se queixou de epífora bilateral e presença de crostas em região de plano nasal. Referiu demais sistemas normais e que estava administrando prednisona na dose de 1,34 mg/kg SID por conta própria e pomada tacrolimus BID, bilateralmente, em região palpebral. Não foram observadas alterações em parâmetros clínicos, somente presença de crostas em plano nasal e leve ulceração associada à epífora em região de pálpebras inferiores. Foi mantida terapia e acrescentado colírio lubrificante ocular a cada 6 horas, agendado retorno para dez dias. Ao retorno foi observada leve piora no quadro oftalmológico com presença de epífora, ulceração pálpebral e blefaroespasmo bilateralmente. Foi realizado teste de fluoresceína no qual foi negativo para ambos os olhos. As lesões dermatológicas se mantiveram como anteriormente. Não havia alterações de parâmetros clínicos. Foi mantida terapia tópica oftalmológica e dermatológica e ajustado a dosagem de prednisona para 2 mg/kg BID. Orientado retorno em sete dias para realização de exames hematológicos e bioquímicos.

Os exames após sete dias demonstraram apenas linfopenia (498/ul) e aumento de bastonetes (664/ul), no qual foi associada ao aumento da dose de corticoide e optou-se por observação e acompanhamento seriado do hemograma.

No dia 06 de setembro de 2019 o animal retornou para reavaliação, no qual apresentou discreta melhora no quadro oftalmológico (ausência de blefaroespasmo e redução da ulceração palpebral bilateralmente) e manutenção do quadro dermatológico. Os parâmetros clínicos estavam dentro da normalidade. Foi sugerido repetição do hemograma no qual a tutora se recusou a realizar. Neste caso, manteve-se a mesma dosagem do corticoide por mais sete dias e sugerido redução da dosagem posteriormente para 1,35 mg/kg BID. Demais medicações foram mantidas. Após quatorze dias o quadro clínico do animal se manteve da mesma forma (lesões dermatológicas e oftalmológicas), porém a tutora retirou a pomada dermatológica por conta própria (Tacrolimus) e desta forma foi orientada a retornar com o fármaco e mantida a mesma terapia anterior. Foi orientada que em caso de não responsividade somente com corticoideterapia como modalidade imunossupressora, seria recomendado associação com imunossupressor citotóxico (ex: Azatioprina). A mesma não retornou para reavaliação do animal e também não respondeu mais as tentativas de contato para agendamento de retorno e reavaliação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A tabela I representa todos os aspectos clínicos e laboratoriais apresentados pelo paciente antes do diagnóstico e durante o tratamento, e também, as alterações histopatológicas encontradas no presente relato.

Tabela I: Aspectos clínicos, laboratoriais e histopatológicos apresentados pelo paciente antes e durante o tratamento.
Tabela I: Aspectos clínicos, laboratoriais e histopatológicos apresentados pelo paciente antes e durante o tratamento.

A tabela II representa as medicações, dosagens e frequência dos fármacos utilizados no tratamento durante todo o acompanhamento do caso.

Tabela II: Medicamentos, dosagens e frequência empregadas durante o tratamento do paciente relatado. (-) representa uso empiricamente. FPS (fator de proteção solar).
Tabela II: Medicamentos, dosagens e frequência empregadas durante o tratamento do paciente relatado. (-) representa uso empiricamente. FPS (fator de proteção solar).

Segundo Patel e Forsythe (2010), raças dolicocefálicas e de raças puras são as mais acometidas por LED. No presente relato o paciente não apresentava raça definida e demonstrava conformação de crânio compatível com aspecto mesocefálico, o que não concilia com as informações da literatura.

O LED pode ser classificado em facial ou generalizado, no qual o último tem acometimento de áreas além da face como as regiões de tórax lateral e dorso, as lesões cutâneas do LED se iniciam como eritema e leucodermia, podendo progredir para lesões ulcerativas e perda da arquitetura da região de plano nasal associada à presença de crostas, em alguns casos acometendo também a pele periorbital e regiões mucocutâneas (OLIVRY et al., 2018). No presente caso clínico, a localização das lesões se limita a região de face (plano nasal e periorbital), sendo classificado como lúpus eritematoso discoide facial. Os sinais clínicos relatados por Olivry et al. (2018) são compatíveis com os do presente caso (Tabela 1). Acredita-se que a epífora e a blefarite apresentadas pelo animal descrito neste trabalho estejam associadas à presença de ulceração e inflamação da pele periorbital (WEINGART et al., 2019). A lesão verrucosa com aspecto de papilomatose observada durante o acompanhamento do paciente, no qual apresentou regressão espontânea, pode ter sido consequência de imunossupressão, predispondo a contaminação viral (FERNANDES et al., 2009).

O LED difere do LES por não apresentar sua manifestação clínica em regiões não relacionadas ao sistema dermatológico, sendo caracterizada como uma forma benigna do LES (ATAIDE et al., 2019). Achados laboratoriais do LES podem incluir trombocitopenia, anemia hemolítica auto-imune, leucopenia, proteinúria e um teste ANA positivo (SCOTT-MONCRIEFF, 2015), apesar de não ter sido realizado o teste de ANA, os demais achados laboratoriais não foram observados no presente caso clínico, corroborando a suspeita de LED devido a ausência de anormalidades extra dermatológicas.

Observou-se em um relato de caso de um paciente canino diagnosticado com LED descrito por Lima-Verde et al. (2020) que as únicas alterações hematológicas encontradas foram os aumentos dos níveis de ALT e FA, achados estes que não foram encontrados no presente trabalho. Alterações hematológicas e bioquímicas demonstradas na Tabela I podem ser justificadas por desidratação imperceptível ao exame físico (trombocitose, policitemia, aumento dos níveis de albumina plasmática e urina hiperstenúrica) e efeitos da terapia com corticosteroide (trombocitose, policitemia, discreto desvio à esquerda e linfopenia) (DIBARTOLA & WESTROOP, 2015).

Alguns resultados encontrados na urinálise podem ser considerados achados laboratoriais, no qual traços de proteína em uma urina hiperstenúrica e raras células epiteliais não são considerados significativos, sendo o método de coleta por cistocentese (empregado neste caso) podendo ter causado hematúria microscópica iatrogênica (ALVARENGA & CRIVELLENTI, 2021), assim, é necessário nestes casos uma nova coleta de urina por micção espontânea para comparação. A analise de urina do paciente apresentava bacteriúria e ausência de leucocitúria, podendo ser ocasionada por contaminação iatrogênica da amostra e também devendo ser correlacionados a sintomas de trato urinário inferior para diagnóstico diferencial de bacteriúria subclínica (BYRON, 2018). O pH alcalino urinário no presente caso está relacionado com o tipo de alimentação, retenção urinária, amostra velha de urina ou infecção de trato urinário inferior (KOGIKA, 2015; DIBARTOLA & WESTROPP, 2015). Seria interessante a realização de cultura urinária coletada por cistocentese para maior esclarecimento dos achados laboratoriais referentes à urinálise, no caso de sintomas clínicos (disúria, polaciúria, hematúria) (ALVARENGA & CRIVELLENTI, 2021), no entanto devido a ausência dos mesmos, este exame não foi necessário.

Os achados histopatológicos de dermatite linfoplasmocitária liquenóide, apoptose de queratinócitos e degeneração basal foram compatíveis com os relatados por Banovic et al. (2019), desta forma, o diagnóstico de LED foi estabelecido com a associação do histórico, exame físico, aspectos laboratoriais e histopatológicos do paciente.

O tratamento empregado neste presente relato foi de forma tópica e sistêmica. A corticoideterapia com prednisona foi utilizada como forma de imunossupressão sistêmica, com a dose variando durante o tratamento, associado a um inibidor de bomba de prótons (omeprazol) como intuito de proteção gástrica aos efeitos da prednisona, e a suplementação com vitamina E foi utilizada também para manutenção epidérmica. Terapia tópica instituída a base de ciclosporina (colírio oftalmológico) 1%, maxitrol, lubrificante ocular, tacrolimus (pomada) 0,03% e protetor solar FPS 30 foi utilizada conforme as avaliações clínicas do animal (Tabela II). A terapia empregada neste trabalho é compatível com a sugerida por Crivellenti (2015), Rondelli & Costa (2015). O uso de imunossupressores adicionais, como azatioprina e ciclosporina, são indicados em alguns casos de recidiva clínica e não responsivos a terapia somente com corticosteroides (BANOVIC et al., 2019), pelo fato de o paciente responder muito bem somente com a terapia empregada, apresentando uma melhora acentuada nas lesões dermatológicas, oftalmológicas e estado geral, optou-se pelo acompanhamento e retirada gradativa das drogas e não instituição da terapia  imunossupressora adicional inicialmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste relato de caso foi possível denotar que o LED está presente na rotina clínica de cães mesmo nas raças não predispostas, e também, a associação de histórico, achados clínicos, laboratoriais e histopatológicos foi essencial para o diagnóstico definitivo desta dermatopatia autoimune. O tratamento com terapia imunossupressora tópica, a base de tacrolimus e ciclosporina, e sistêmica composta por prednisona associada a outros fármacos para suporte clínico e dermatológico foi capaz de promover melhora acentuada dos sinais clínicos e qualidade de vida para o paciente, não demonstrando efeitos colaterais e recidivas clínicas importantes por aproximadamente um ano e três meses de tratamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DE SOUZA, M. O.; RODRIGUES, D. A.; DA ROCHA, M. L.; SILVA, L. V. P. RELATO DE CASO: Lúpus Eritematoso Discóide em cão. Revista Agroveterinária, Negócios e Tecnologias. v. 3, p.72-72, 2018.

PALUMBO, M. I. P.; MACHADO, L. H. D.; CONTI, J. P.; DE OLIVEIRA, F. C.; RODRIGUES, J. C. Incidência das dermatopatias autoimunes em cães e gatos e estudo retrospectivo de 40 casos de lúpus eritematoso discoide atendidos no serviço de dermatologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP – Botucatu. Semina: Ciências Agrárias. v. 31, n. 3, p. 739-744, 2010.

FILHO, S. G. F.; FERNANDES, F. L.; CHAMELETE, M. O.; CRUZEIRO, R. S. Lúpus eritematoso discoide canino: relato de caso. PUBVET. v. 8, n. 22, p. 1-13, 2014.

LIMA-VERDE, J. F.; FERREIRA, T. C.; NUNES-PINHEIRO, D. C. S. Lupus eritematoso discoide em cão: relato de caso. PUBVET. v. 14, n. 1, p. 1-6, 2020.

PATEL, A.; FORSYTHE, P. Dermatoses que afetam locais específicos. In: Patel, A.; Forsythe, P. Dermatologia em Pequenos Animais – Série Clínica Veterinária na Prática. 1. ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 303-308.

BANOVIC, F. Canine Cutaneous Lupus Erythematosus – Newly Discovered Variants. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. v. 49, n. 1, p. 37-45, 2019.

OLIVRY, T.; LINDER, K. E.; BANOVIC, F. Cutaneous lupus erythematosus in dogs: a comprehensive review. BMC Veterinary Research. v. 14, n. 132, p. 1-18, 2018.

WEINGART, C.; KOHN, B.; SIEKIERSKI, M.; MERLE, R.; LINEK, M. Blepharitis in dogs: a clinical evaluation in 102 dogs. Veterinary Dermatology. v. 30, n. 3, p. 1-8, 2019.

FERNANDES, M. C.; RIBEIRO, M. G.; FEDATO, F. P.; PAES, A. C.; MEGID, J. Papilomatose oral em cães: revisão de literatura e estudo de onze casos. Semina: Ciências Agrárias. v. 30. n. 1, p. 215-224, 2009.

ATAIDE, W. F.; DA SILVA, V. L. D.; FERRAZ, H. T.; AMARAL, A. V. C.; ROMANI, A. F. Lúpus eritematoso discoide em cães. Enciclopédia Biosfera. v. 16, n. 29, p. 995-1009, 2019.

SCOTT-MONCRIEFF, J. C. R. Doenças imunomediadas. In: NELSON, R.; COUTO, C. Medicina Interna de Pequenos Animais. 5 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. p. 1398-1438.

DIBARTOLA, S. P.; WESTROPP, J. L. Doenças do trato urinário. In: Nelson, R.; COUTO, C. Medicina Interna de Pequenos Animais. 5 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. p. 629-710.

ALVARENGA, A. W. O.; CRIVELLENTI, L. Z. Urinálise. In: CRIVELLENTI, L. Z.; GIOVANINNI, L. H. Tratado de Nefrologia e Urologia em Cães e Gatos, 1. ed. São Paulo: Medvet, 2021. p. 123-178.

BYRON, J. K. Urinary Tract Infection. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. v. 49, n. 2, p. 211-221, 2018.

KOGIKA, M. M. Doenças do trato urinário inferior. In: JERICÓ, M. M.; NETO, J. P. A.; KOGIKA, M. M. Tratado de Medicina Interna de Cães e Gatos. 1 ed. Rio de Janeiro: Roca, 2015.

CRIVELLENTI, S. B. Hematologia e imunologia. In: Crivellenti, L. Z.; Crivellenti, S. B. Casos de rotina em Medicina Veterinária de pequenos animais. 2 ed. São Paulo: MedVet, 2015, p. 355-385.

RONDELLI, M. C. H.; COSTA, M. T. Dermatologia. In: Crivellenti, L. Z.; Crivellenti, S. B. Casos de rotina em Medicina Veterinária de pequenos animais. 2 ed. São Paulo: MedVet, 2015, p. 91-138.

André Luiz Sampaio Fernandes

Graduação em Medicina Veterinária – UNIFRAN/SP Residência em Clínica Médica de Pequenos Animais – UNIFRAN/SP Mestre em Ciência Animal - ênfase em nefrologia e urologia – UNIFRAN/SP Atendimento especializado em Clínica Médica e Nefrologia e Urologia de Pequenos Animais.

Thaís Melo de Paula Seixas

Graduação em Medicina Veterinária - UNIFRAN/SP Residência em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais - UNIFRAN/SP Mestre em Cirurgia Veterinária - UNESP/Jaboticabal Docente do curso de graduação em Medicina Veterinária - UNIFRAN/SP Responsável pelo Setor de Dermatologia do Hospital Veterinário - UNIFRAN/SP

{PAYWALL_FIM}