Mastocitemia em um cão – relato de caso

Por Carolina Frerix Minuzzi¹; Rafaele Cristine Pinheiro¹; Pablo Roniel Santi²; Sandra Vogel Seixas³

Mastocitemia em um cão – relato de caso

MAST CELL TUMOR IN A DOG – CASE REPORT

Resumo: Mastocitoma é uma neoplasia cutânea de células redondas com etiopatogenia ainda desconhecida, podendo acometer qualquer raça, idade ou sexo. Entretanto, possui predisposição genética por raças específicas, como as descendentes de Bulldogs. Os sinais clínicos são causados pela liberação de substâncias bioativas na degranulação dos mastócitos quando há manipulação local. O diagnóstico na rotina clínica é feito através da citopatologia pelo método de punção por agulha fina (PAAF). Contudo, o diagnóstico definitivo para se determinar o tratamento eficaz e prognóstico é realizado pela histopatologia. No presente relato é discutido o caso de um canino, pinscher, 13 anos, com presença de um nódulo em membro pélvico direito medindo 2x1x1 cm com início há 3 anos e crescimento lento, que evoluiu para um novo nódulo em mesmo local de 7x6x3 cm com crescimento rápido no último mês, obtendo diagnóstico de mastocitoma de alto grau pela citopatologia, sendo instituído tratamento quimioterápico. Após a manipulação do tumor, foram observados mastócitos na leitura de esfregaço sanguíneo utilizando corante do tipo Romanowsky. O paciente não apresentava alteração em bioquímica sérica renal e hepática e em radiografia torácica, apenas em exame ultrassonográfico abdominal. O paciente evoluiu a óbito dias após o diagnóstico e tratamento quimioterápico do mastocitoma.

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Palavras-chave: Citopatologia; Diff Quick; Esfregaço sanguíneo

Abstract: Mast cell tumors are cutaneous rounded cells neoplasia, of unknown etiopathogenesis that can happen in any breed, age or gender, but the bulldogsare the most predisposed breed. The clinical signs are caused by the liberation of bioactive substances in mast cell degranulation when the tumor is manipulated. The diagnosis is made by fine needle aspiration cytology (FNAC), but the histopatological exam gives the definitive diagnosis. Is this case report a 13 year old pinscher with a 2x1x1 cm tumorlocated in right pelvic member, with 3 year evolution, that got bigger in the last month, that led to a new tumor growth, measured 7x6x3 cm. The diagnosis was high grade mast cell tumor, the treatment was made with chemotherapy. After the manipulation of the tumor, it was possible to find mast cells in blood smear, using the Romanowsky coloration. The paciente did not had any renal or hepatic alterations in abdominal X-ray, just in abdominal ultrasound. The pacient died days after the diagnosis and  chemotherapy treatment of the mast cell tumor.

Keywords: Cytopathology; Diff Quick; Blood smear

INTRODUÇÃO

O mastocitoma é um tumor de células redondas (mastócitos) e é considerado uma das principais neoplasias cutâneas em cães, apresentando de 10% a 20% da rotina oncológica, sendo observado, principalmente, em região de tronco e membros.4; 27;33 Geralmente, encontra-se como um único tumor na pele ou no subcutâneo apresentando um comportamento benigno. Entretanto, no comportamento maligno, observa-se múltiplas nodulações e presença de metástase.22; 33

Os mastócitos são células produzidas na medula óssea e são diferenciados como tal devido a presença do fator de crescimento (fator de células-tronco).33 São arredondados e possuem um núcleo redondo centralizado com diversos grânulos metacromáticos pequenos e bem distintos em seu citoplasma, dificultando, em sua maioria, a visualização do núcleo.2

Apesar da sua etiopatogenia ser desconhecida, pode acometer qualquer raça e sexo, porém algumas raças possuem maior predisposição, como descendentes de Bulldog (Boxer, Boston Terrier, Bulldog Inglês e Pug), Labrador, Golden Retrievers, Cocker Spaniel, Schnauzer, Staffordshire Terriers, Beagles, Rhodesian Ridgebacks, Weimaraner e Shar‐Pei. Podem acometer cães de qualquer idade, entretanto, é observado principalmente em cães de meia idade entre 8 e 9 anos.33

Os sinais clínicos decorrem devido a degranulação dos mastócitos. Estes produzem substâncias bioativas, como heparina, histamina, fator de necrose tumoral alfa pré-formado (TNF-α) e diversas proteases, atuando em tecidos como a pele e o trato gastrointestinal, na cicatrização de feridas, nas respostas imunes inatas e antiparasitárias, e na atenuação de venenos de insetos e aranhas.33

O diagnóstico de mastocitoma é comumente realizado com a análise citopatológica do material coletado através da punção aspirativa por agulha fina (PAAF), observando os grânulos metacromáticos nos mastócitos presentes quando utilizados corantes do tipo Romanowsky.10 A coloração mais utilizada na prática laboratorial, o Diff-Quik (panótico rápido), não é recomendado para a visualização dos grânulos dos mastócitos, pois, cerca de 15% dos mastócitos não se coram com esse tipo de corante, podendo ser difícil a identificação ou diferenciação de um mastocitoma quando comparados a outros tumores de células redondas.10

Entretanto, em um estudo realizado com 60 mastocitomas em cães, pode-se observar que a coloração das lâminas realizada com Diff-Quik levou a um resultado errôneo em apenas 5% dos casos quando comparadas as lâminas coradas com May-Grünwald Gimsa (MGG).28 Isso é explicado pois os mastócitos mal diferenciados (grau III) possuem menos liberação de heparina e outros glicosaminoglicanos, moléculas que interagem com os componentes dos corantes. Portanto, o corante Diff-Quik pode levar a dissolução dos grânulos devido a concentração, pH e meios solventes serem diferentes de outros corantes, como o MGG.8; 15

Apesar do uso do Diff-Quik necessitar de maiores cuidados quando se tem a suspeita de mastocitoma e não for possível observar a presença dos grânulos, principalmente quando em alto grau, é de grande valia o uso desse corante na rotina laboratorial.28 DeNicola10 sugere que, um tempo maior de fixação da lâmina no primeiro corante do Diff-Quik melhora a coloração dos grânulos. Contudo, Wellman e London33 discordam desse evento.

Além disso, Wellman e London33 relatam que mastocitomas pouco diferenciados são mais difíceis de serem identificados, pois possuem poucos grânulos metacromáticos no seu citoplasma e tamanhos e distribuição variáveis, que, segundo Kusewitt,14 torna-se um dos critérios de malignidade mais marcantes a ser avaliado, visto que, quanto menor a quantidade de grânulos, mais indiferenciada é essa neoplasia, pois as células não se diferenciaram o suficiente para produzir os grânulos.19

Entretanto, um estudo realizado por Scarpa, Sabattini e Bettinin,29 demonstrou que a avaliação da quantidade de grânulos em mastocitomas para a classificação do grau de malignidade deve ser reconsiderada, pois, no estudo, todos os mastocitomas classificados como de alto grau apresentaram de moderada a elevada quantidade de grânulos. Contudo, foi observado uma distribuição atípica desses grânulos, apresentando-se com arranjo em meia lua no pólo celular ou com pontilhado grosseiro, sendo possível visualizar grande parte do núcleo e parte do citoplasma num subconjunto de células.

Já o diagnóstico histopatológico do mastocitoma através da biópsia é de suma importância, pois a conduta terapêutica e a avaliação prognóstica estão relacionadas a graduação histológica.17 Nos dias atuais, há dois sistemas de classificação histológica utilizados, sendo uma proposta por Patnaik et al.26 que possui a classificação em três camadas: bem diferenciado (grau I), moderadamente diferenciado (grau II) e pouco diferenciado (grau III); e outra por Kiupel et al.13 que propôs a classificação em duas camadas, sendo em baixo e alto grau.

A classificação proposta por Patnaik et al.26 é feita de forma subjetiva (não quantitativa), avaliando a invasividade do tumor, a celularidade e a morfologia celular, levando, geralmente, grandes discordâncias entre patologistas, principalmente devido a maioria dos mastocitomas se enquadrarem no grau II, que possui um comportamento e prognóstico variável.13; 24; 25 Já Kiupel et al.13 propôs a avaliação de critérios citológicos de forma quantitativa, sendo aquele um diagnóstico de alto grau quando observado presença de pelo menos 7 figuras de mitose em 10 campos de alta potência, 3 células com multinucleação em 10 campos de alta potência, 3 células com núcleo bizarro em 10 campos de alta potência e a presença de cariomegalia.

London e Thamm18 relatam ainda não ter um sistema de classificação citológica que pode ser utilizado com definição, entretanto, o uso adaptado dos critérios histopatológico proposto por de Kiupel et al.13 demostrou uma alta sensibilidade e especificidade. Ainda, para um adequado estadiamento da neoplasia, deve ser feita avaliação citológica dos linfonodos regionais, tanto de tamanho normal ou aumentado, assim como a ultrassonografia abdominal e radiografia torácica, mesmo que rara a presença de metástase pulmonar.16; 23

Além disso, mastocitomas bem diferenciados, ou seja, de grau I, normalmente apresentam-se nódulos solitários, pequenos e de crescimento lento que podem permanecer por meses. Já os indiferenciados, grau III, geralmente são ulcerados e com um rápido crescimento.33

Contudo, a Organização Mundial da Saúde (OMS)18 possui um sistema de estadiamento clínico com 5 estágios para mastocitomas. Todos os estágios mencionados, com exceção do IV, possuem subclassificação em “a” (sem sinal sistêmico) e “b” (com sinal sistêmico):

•Estágio 0: um tumor excisado incompletamente da derme, identificado histologicamente e sem envolvimento de linfonodos regionais;

•Estágio I: um tumor confinado à derme, sem envolvimento de linfonodos regionais;

•Estágio II: um tumor confinado à derme com envolvimento de linfonodos regionais;

•Estágio III: tumores dérmicos múltiplos ou infiltrado com ou sem envolvimento de linfonodos regionais;

•Estágio IV: qualquer tumor com metástase distante, incluindo envolvimento de sangue ou medula óssea.

O tratamento de um mastocitoma é definindo a partir do prognóstico do paciente, sendo avaliado o seu grau de malignidade através da análise histopatológica. Portanto, a excisão cirúrgica é o tratamento de eleição quando o tumor é localizado e não apresenta metástases. O uso de margem cirúrgica e de outras terapias adjuvantes, como quimioterapia e ou radioterapia, devem ser realizadas em mastocitomas de alta malignidade.18

A realização de exames complementares como hemograma, perfil bioquímico renal e hepático, avaliação citológica de linfonodos regionais, baço e/ou fígado, ultrassom abdominal, radiografia torácica e punção de medula óssea é indicada antes da realização do procedimento cirúrgico, principalmente para pacientes com um prognóstico desfavorável, a fim de avaliar possíveis metástases e definir um melhor planejamento cirúrgico. Além disso, a graduação histológica, presença de sinais clínicos, localização e tamanho do tumor, remoção cirúrgica e a sua taxa de crescimento são fatores determinantes para o prognóstico do paciente.10; 18

RELATO DE CASO

Foi atendido na clínica escola de medicina veterinária (CEMV) da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), um cão da raça Pinscher, macho, de 13 anos de idade, pesando 2,6 Kg, apresentando como queixa principal um nódulo em região de membro pélvico direito localizado na face lateral da coxa com início há 3 anos, medindo cerca de 2x1x1 cm. Contudo, foi relatado aumento excessivo de volume no último mês, medindo cerca de 7x6x3 cm, aderido a musculatura, de consistência macia, com presença de eritema, calor e sem ulceração, como demonstrado na figura 1.

Figura 1. A) Nódulo inicial com evolução de 3 anos (seta). B) Evolução do nódulo no último mês, acometendo grande porção do membro (seta). – Fonte: Próprio autor.

No dia da consulta (D0) foi realizado exame físico no paciente, onde observou-se linfonodos mandibulares reativos, periodontite grau III e os demais parâmetros dentro da normalidade. Segundo o tutor, o paciente apresentava normofagia, normodipsia, normoquezia e normúria, contudo, havia vômitos esporádicos. Foram coletados materiais para exames complementares, como análise citológica do nódulo pelo método de punção aspirativa por agulha fina (PAAF), hemograma e exames bioquímicos para avaliação renal e hepática (Albumina, ALT, Creatinina, FA e Ureia). Na interpretação do leucograma foi evidenciado apenas monocitose (tabela 1), com presença acentuada de monócitos ativados e sem alteração na bioquímica sérica renal e hepática.

Tabela 1. Hemogramas do paciente realizados no laboratório de patologia clínica da CEMV – UTP na cidade de Curitiba – PR.

Já o resultado da citologia resultou em mastocitoma de alto grau devido a atipia observada. O laudo citopatológico demonstrou uma alta celularidade, representada por células arredondadas, individualizadas na maior parte do tempo, porém formando eventuais pequenos agregados, com moderado a acentuado pleomorfismo celular e nuclear. Possuíam um citoplasma moderadamente amplo a escasso, bem delimitado, azulado e com quantidade variável de grânulos arroxeados, por vezes distribuídos focalmente na célula; o núcleo é arredondado, excêntrico a periférico, amplo, de cromatina grosseiramente frouxa e contendo múltiplos nucléolos evidentes. Ainda, acompanhando essas células, há pequena quantidade de eosinófilos. O fundo das amostras é constituído por grande quantidade de eritrócitos e de material amorfo róseo.

No dia seguinte (D1) o tutor retornou a clínica relatando que o paciente estava apático com hiporexia e claudicando. Apresentava dor no membro onde se encontrava a neoplasia e tensão abdominal. Foi solicitado ultrassonografia abdominal e radiografia de tórax para realização de estadiamento tumoral, sendo observada no exame ultrassonográfico alteração hepática, compatível com possível diagnóstico de hepatite, colangite e/ou hepatopatia esteroidal, não descartando processo neoplásico ou metastático; alteração esplênica, com possíveis diagnósticos diferenciais para hiperplasia linfoide benigna, hematopoese extramedular e/ou processo inflamatório/infeccioso sistêmico; e alteração morfológica em rim esquerdo, além de uma peritonite difusa; e sem alterações no exame radiográfico. Como tratamento de suporte foi administrado tramadol 5 mg/Kg, dipirona 25 mg/Kg, prometazina 0,4 mg/Kg e dexametasona 0,1 mg/Kg no paciente.

Foi realizado retorno do paciente após cinco dias (D6) para avaliação do tumor que se encontrava mais flácido e com presença de seroma, e que, segundo o tutor, o animal estaria realizando lambedura da lesão durante esse período. Portanto, foi realizado curativo na lesão e solicitado o uso de colar elizabetano. Nessa consulta foi observado um novo nódulo no mesmo membro em região medial da face muscular, medindo cerca de 2x1x1 cm (figura 2). Dessa forma foi definido protocolo quimioterápico de 2 a 3 sessões com um intervalo de 7 dias entre cada sessão, utilizando vimblastina na dose de 2,3 mg/m², para após realizar amputamento do membro acometido, pois esse, provavelmente, possuía acometimento de linfonodo inguinal.

Figura 2. Nódulo em porção medial do membro pélvico direito (seta). Observa-se a presença de hematoma na região – Fonte: Próprio autor.

No dia D7 iniciou-se a primeira sessão de quimioterapia. O hemograma prévio a sessão demonstrou leucocitose por neutrofilia com desvio nuclear de neutrófilos a esquerda regenerativo e monocitose, sendo raros monócitos ativados, e presença de 12% de neutrófilos tóxicos (leve basofilia citoplasmática), além de discreta policromasia e moderada anisocitose e uma discreta hipoproteinemia.

Com intervalo de uma semana (D14), realizou-se a segunda sessão de quimioterapia. O tumor já apresentava uma consistência mais flácida e com menor quantidade de seroma, porém sem redução de tamanho. No hemograma foi observado anemia macrocítica normocrômica, uma moderada anisocitose e discreta policromasia, e com presença de 28 metarrubrócitos em 100 leucócitos. Não foi observado leucocitose, entretanto havia desvio nuclear de neutrófilos a esquerda regenerativo e ainda monocitose com moderada quantidade de monócitos ativados. Foi observada discreta presença de linfócitos reativos, 53% de neutrófilos tóxicos (leve basofilia citoplasmática) e raras células redondas com grânulos metacromáticos sugestivos de mastócitos.

Os mastócitos no sangue periférico foram observados através do esfregaço sanguíneo para realização do hemograma. Primeiramente foi observado algumas células com morfologia sugestivas de mastócitos através da coloração com Diff-Quick.

Após, para melhor avaliação e confirmação, foi feito a coloração da lâmina com o corante MGG (figura 3).

Figura 3. A) Mastócito em coloração Diff-Quick. B) Mastócito em coloração de MGG (seta)

No dia D18, o tutor comunicou ao médico veterinário responsável que o paciente apresentou quadros de apatia, hipertermia, vômitos e esforço respiratório dois dias após a última sessão de quimioterapia, sendo, portanto, levado para internação. Durante o internamento o paciente manteve-se estável com melhora da hipertermia, apresentando leve crepitação em hemitórax esquerdo. No dia seguinte, o paciente apresentou hipotensão, hipotermia e hipoglicemia. A pressão foi reestabelecida após duas provas de carga, a glicemia após dois bólus de glicose e a temperatura mantida através de aquecedor em torno de 36°C. Entretanto, logo após, o paciente manifestou piora da dispneia com presença de nistagmo vertical e parada cardiorrespiratória, evoluindo ao óbito.

DISCUSSÃO

O paciente do relato não se enquadra nas principais raças mais acometidas pelo mastocitoma devido ao caráter genético e nas idades mais observadas, entretanto, qualquer raça, sexo ou idade pode ser acometida, bem como indicam os estudos de Wellman e London33 que observaram esta neoplasia em cães filhotes. A presença de mastocitoma em membros também foi observada em dois estudos como o local de maior incidência,6; 22 tendo esse um melhor prognostico do que quando observado em outros locais, como em região escrotal, prepucial, cavidade oral e mucosas.18

Inicialmente, o paciente apresentava nódulo único, pequeno e sem muita evolução por 3 anos, insinuando de início ser um mastocitoma de grau I. Entretanto, no último mês, apresentou um crescimento rápido, sendo muito maior que o de tamanho inicial, onde no exame citopatológico foi diagnosticado como grau III. Hanahan e Weinberg12 citam que a progressão de um tumor de baixo para alto grau pode ocorrer devido a seleção de clones resistentes quando na realização de quimioterapia, tendo regressão tumoral, primeiramente, mas resistência de células fenotípicas mais agressivas. Contudo, no paciente do relato não fora realizada qualquer tratamento quimioterápico ao longo desses 3 anos.

A manipulação do tumor, como durante o exame físico ou coleta de material, geralmente leva a degranulação dos mastócitos e liberação das substâncias bioativas, principalmente heparina e histamina, e consequentemente há formação dos sinais clínicos, como eritema, tumor, edema e pápulas no tecido circundante, sendo denominado de “sinal de Darier”’.33 A presença desses sinais fora observada no paciente após a manipulação do tumor na colheita de material para o exame citopatológico. A degranulação dos mastócitos fez liberação dessas substâncias onde o paciente passou a realizar lambedura do local, continuando, assim, a manipulação constante do tumor e degranulação dos mastócitos.

Sinais sistêmicos como vômito, hiporexia, eritema, edema e ulceração na pele, sinais observados no paciente do relato, com exceção da ulceração, são comumente associados a formas viscerais (metastáticos), tendo, portanto, um prognóstico reservado,18 assim como, o volume do tumor se apresentar maior do que três centímetros,21 alteração também vista neste relato. Mastocitomas que se tornam sistêmicos tendem a ter um comportamento de neoplasia hematopoiética, geralmente possuem histórico de mastocitoma pouco diferenciado (grau III), com presença de esplenomegalia, hepatomegalia, citopenias em hemograma e mastócitos circulantes.23 Com exceção da citopenia, onde o paciente apresentou, no último exame, neutrofilia, as demais alterações apresentadas foram observadas no relato, assim como os mastócitos em sague periférico.

Este paciente possivelmente pode ter desenvolvido choque hipotensivo ou anafilático, já que esse apresentava uma liberação constante das substâncias bioativas, podendo essa alteração ser observado através dos sinais clínicos sistêmicos que ele estava apresentando, como anorexia, vômito, eritema, sinais de Darier, hepatomegalia, esplenomegalia, mastocitemia e, por último, nistagmo vertical, hipoglicemia, hipotermia e hipotensão sistêmica.7; 20 Além disso, úlceras grastrointestinais, coagulopatia e atraso na cicatrização também podem ser observados em mastocitoma sistêmico.23; 34

A alteração hepática observada em exame ultrassonográfico pode desencadear alterações como o nistagmo vertical e a hipoglicemia, pois no fígado é onde ocorre a principal metabolização da amônia em ureia e o metabolismo de carboidratos para regulação da glicose plasmática, respectivamente. Isso acontece, pois a amônia é um componente tóxico ao organismo ultrapassando a barreia hematoencefálica e atingindo o sistema nervoso central. Já a hipoglicemia ocorre devido a impossibilidade adequada de armazenamento energético no fígado.9; 35

Segundo Nelson e Couto,23 as principais alterações em hemograma encontradas em cães com mastocitoma são eosinofilia, basofilia, neutrofilia, trombocitose, mastocitose ou anemia, podendo essas alterações estarem associadas, ou ainda, demonstrarem um hemograma normal. Já nos exames bioquímicos séricos, as alterações são incomuns, assim como observada no paciente, onde não foi encontrado alteração na bioquímica sérica. Em estudo realizado por Fangucci11 com 98 cães com mastocitoma, a maioria dos cães apresentaram valores dentro da normalidade em leucócitos totais, neutrófilos, eosinófilos, linfócitos e plaquetas, não avaliando os valores de monócitos. Entretanto, a maioria eram pacientes que apresentavam nódulos únicos, não ulcerados e sem metástase, sendo diferente do observado no presente relado, onde apresentava dois nódulos no mesmo membro e provável mastocitoma sistêmico.

Assim como na literatura de Nelson e Couto23 mencionada acima, o paciente demonstrou leucocitose por neutrofilia no segundo exame, onde a leucocitose por neutrofilia é comumente observada em pacientes oncológicos devido ao processo inflamatório causado no local, assim como a monocitose, podendo ser observada tanto em processos inflamatórios agudos quanto crônicos. Além disso, a liberação das substâncias bioativas, como histamina e heparina pela degranulação dos mastócitos, causa um processo inflamatório local, levando a essa alteração que pode ser observada no hemograma do paciente após manipulação do tumor.1 Quando há neutrofilia persistente pode-se ter presença de neutrófilos tóxicos, podendo indicar algo séptico, como, por exemplo, uma peritonite,23 que foi visualizada no exame ultrassonográfico do paciente.

A presença de anemia no paciente pode ser vista apenas no último hemograma. Em mastocitoma, principalmente quando sistêmico, pode-se observar anemia por doença crônica, sendo ela, portanto, uma anemia não regenerativa.23 Além disso, segundo Nelson e Couto,23 nesses casos, o animal possui um hematócrito entre 25 a 35%, corroborando com o do paciente, que apresentou 29%, classificada como uma anemia moderada. A alta liberação de histamina e, consequentemente, aumento do ácido clorídrico, pode causar úlceras gastrointestinais acarretando numa peritonite, que pode ser observada no exame ultrassonográfico do paciente relatado.3; 21; 30

Entretanto, no exame do paciente apresentava anemia macrocitica normocrômica com moderada anisocitose e discreta policromasia e com presença de 28 metarrubrócitos em 100 leucócitos, indicando regeneração eritrocitária da medula óssea, ou seja, anemia regenerativa, que pode ser explicada caso o paciente estivesse tendo uma hemorragia devido a presença de úlcera gastrointestinal mencionada acima.31 Contudo, não fora realizada contagem de reticulócitos para confirmação da anemia regenerativa e novo exame ultrassonográfico para confirmação da hemorragia.

O uso do corante Diff-Quick foi útil para visualização do mastócito no esfregaço sanguíneo, sendo a célula diagnosticada através desse método. Contudo, o uso do corante MGG foi utilizado para confirmação da célula, que, por ser metacromático, cora-se dependente do corante (figura 3).

Segundo a OMS, dentre os 5 níveis de estadiamento do mastocitoma, o paciente do relato se classifica como estágio IV, devido a presença de mastócitos no esfregaço sanguíneo. Meinkoth, Cowell e Tyler,19 relatam que a avalição do esfregaço sanguíneo ou da capa leucocitária, assim como a avaliação da medula óssea e aspirado de linfonodos aumentados, podem ser uteis para detecção de mastocitoma sistêmico. Entretanto, alguns autores citam que mastócitos em sangue periférico e medula óssea podem ser observadas em outras doenças, como em doenças inflamatórias agudas, anemias regenerativas, traumas e demais neoplasias, sendo a avaliação citológica do baço ou fígado muito mais indicado para o estadiamento.18

Não foi informado qual classificação e método de coloração o laboratório utilizou para diagnosticar o mastocitoma de alto grau do paciente. Mas as alterações apresentadas corroboram com a literatura pela presença de uma vasta celularidade apresentando moderado a acentuado pleomorfismo celular e nuclear com uma quantidade variável de grânulos metacromáticos, sendo, às vezes, distribuídos focalmente na célula, cromatina grosseiramente frouxa e contendo múltiplos nucléolos evidentes.19; 33 Contudo, foi observado apenas pequena quantidade de eosinófilos na lâmina, contradizendo com a literatura onde a presença da quantidade de eosinófilos pode ser marcante.18

Como tratamento, foi instituído quimioterapia pré cirúrgica através da administração de vimblastina para realização de citorredução devido ao provável acometimento de linfonodo inguinal e posterior amputamento do membro do paciente. Assim como mencionado por Blackwood et al.5 e London; Thamm; Vail,17 a quimioterapia pode ser realizada nesses casos, para citorredução. Contudo, Blackwood et al.5 relata que o quimioterápico de eleição consiste na administração de vimblastina e prednisona. O membro amputado seria encaminhado para realização de histopatologia através da biopsia para confirmação do mastocitoma de alto grau, porém o paciente evoluiu ao óbito.

CONCLUSÃO

A presença de mastócitos em esfregaço sanguíneo junto com os sinais clínicos do paciente pode indicar um prognóstico reservado, além de ser útil para o estadiamento sistêmico de mastocitoma. Além disso, o uso do corante Diff-Quick foi eficaz para identificação do mastócito no esfregaço sanguíneo, utilizando a coloração de MGG como forma de confirmação.

O diagnóstico citológico e a sua graduação, sendo ela de alto grau no paciente do relato, teve grande valia nesse caso. Pois, mesmo que na atualidade não há critérios de classificação citológica do mastocitoma, os critérios histopatológicos utilizados nesse caso para sugestão de alto grau foram compatíveis com a evolução do quadro clínico do paciente.

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Carolina Frerix Minuzzi

Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) (2019/2). Aprimoranda em Patologia Clínica Veterinária na Clínica Escola de Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do Paraná (CEMV-UTP) (2020-2022).

Rafaele Cristine Pinheiro

Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) (2020/2). Atualmente, aprimoranda em Patologia Clínica Veterinária na Clínica Escola de Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do Paraná (CEMV-UTP) (2021-2023).

Pablo Roniel Santi

Graduação em Medicina Veterinária pelo Centro Universitário Campo Real (UniCampoReal) - Guarapuava/PR (2019/2). Atualmente, aprimorando em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais na Clínica Escola de Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do Paraná (CEMV – UTP (2021-2023). Pós-Graduando em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais pela Faculdade Qualittas - Curitiba/PR (2020/2022).

Sandra Vogel Seixas

Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Tuiuti do Paraná - (UTP) (2012) . Residência em Patologia Clínica Veterinária pela PUC-PR (2013) e pela Universidade Federal do Paraná (2014-2016). Pós-graduação em Acupuntura Energética Veterinária e Terapias Orientais (2016-2018). Patologista Clínica Veterinária no Laboratório Clínico Veterinário Labsan (2016-2019). Atualmente, professora do curso de Medicina Veterinária na disciplina de Patologia Clínica Veterinária na UTP e mestranda na Universidade Federal do Paraná (2019-2021).

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