Dirofilariose em cães

Por Karen Denise da Silva Macambira Barbosa

INTRODUÇÃO

A dirofilariose é uma das doenças parasitárias mais comuns no atendimento clínico de cães, e em menor frequência em gatos, tendo distribuição mundial principalmente em regiões de clima tropical e temperado.  No Brasil, é considerada endêmica e estima-se que a prevalência nacional seja de 23,1%.

Seu agente etiológico, Dirofilaria immitis, é um nematódeo longo, de coloração esbranquiçada e marcado dimorfismo sexual. É um parasito de carnívoros domésticos, como cães e gatos, mas pode eventualmente infectar outros hospedeiros, como carnívoros selvagens e humanos. Estes parasitos habitam as artérias pulmonares e câmaras cardíacas do lado direito, ocasionando alterações cardiovasculares e pulmonares, podendo viver por anos.

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As alterações ambientais e climáticas, expansão desordenada das cidades que favorecem o aparecimento de ilhas de calor e microclimas favoráveis à proliferação dos vetores e a realocação de animais microfilarêmicos favorecem a disseminação da doença.  O médico veterinário neste ponto tem um papel extremamente importante de conscientização do tutor e instituição do tratamento profilático.

CICLO BIOLÓGICO E FISIOPATOGENIA

Para que ocorra a infecção, o parasito necessita de um hospedeiro intermediário, que incluem principalmente aqueles pertencentes aos gêneros Culex, Aedes ou Anopheles.  Ao fazer o repasto sanguíneo em um hospedeiro infectado, o vetor se contamina com as microfilárias circulantes.  As larvas de primeiro estádio (L1) ingeridas no repasto sanguíneo migram até os túbulos de Malpighi, onde ocorrem as mudas para larva de segundo e terceiro estádio, que constitui a forma infectante do parasito para o hospedeiro definitivo. As larvas infectantes (L3) rompem os túbulos de Malpighi e migram pela hemocele para os espaços cefálicos e probóscide do inseto vetor. Ao realizar um novo repasto sanguíneo, as larvas são eliminadas junto a saliva e ao fim do repasto penetram ativamente na pele do novo hospedeiro pelo orifício da picada, realizando a muda para L4 no tecido subcutâneo durante a migração em até 12 dias após a inoculação, atingem grandes vasos sanguíneos sendo então transportadas para o coração e pulmão. A última muda de L4 para L5 ocorre entre o dia 50 a 70 após a infecção. As formas L5 possuem expressiva habilidade de migração, onde alojam-se na vasculatura pulmonar e, à medida que a carga parasitária aumenta, os nematoides começam a se alojar no ventrículo direito. A partir daí, já com aproximadamente sete meses do início da infecção, ocorre infecção patente do animal acometido com a presença de microfilárias na corrente sanguínea, tornando então esse hospedeiro reservatório da doença.

ACHADOS CLÍNICOS

Os sinais clínicos em decorrência de todas estas alterações incluem intolerância ao exercício, tosse crônica, dispneia, ascite. Uma apresentação mais grave é a síndrome da veia cava, quando ocorre infecção maciça em um curto espaço de tempo. Isto resulta em choque cardiogênico, hemólise intravascular, coagulação intravascular disseminada (CID), falência renal e hepática, com grandes chances de óbito.

Ao exame físico podem ser detectados crepitações devido ao acúmulo de liquido intersticial pulmonar secundário ao processo inflamatório, sopro em foco pulmonar e tricuspídeo, teste de Piparote positivo em pacientes com ascite e reflexo de tosse positivo. Porém, na maioria dos casos, o exame físico não evidencia alterações, ou se apresenta com alterações discretas, sendo o aumento do ruído expiratório o achado mais comum.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da infecção pode ser realizado por meio de vários métodos laboratoriais diferentes, que incluem técnicas parasitológicas, imunológicas e moleculares. Os mais utilizados são a detecção de antígenos das proteínas secretadas por fêmeas adultas de Dirofilaria immitis pela técnica de ELISA ou imunocromatografia, o qual possuem sensibilidade e especificidade semelhantes; e a pesquisa de microfilárias circulantes pelo método de Knott modificado. Os exames de imagem como radiografia torácica e ecodopplercardiograma auxiliam, principalmente, na avaliação e mensuração das repercussões da doença, e em casos em que os parasitos sejam visualizados pela ecodopplercardiograma o mesmo pode funcionar como diagnóstico. As alterações radiográficas podem ser encontradas em até 85% dos pacientes, e evidenciam, principalmente, aumento de tronco pulmonar, cardiomegalia direita nos casos mais graves, alterações em parênquima pulmonar como infiltrado broncointersticial e padrão micronodular, além de aumento de diâmetro das artérias pulmonares caudais que em muitos casos aparecem mais comumente do que o aumento de tronco pulmonar (figura 1).

Figura 1. Exame radiográfico de um paciente canino positivo para dirofilariose. (A) Posicionamento ventro-dorsal, evidenciando aumento de tronco pulmonar, aumento átrio ventricular direito e infiltrado broncointersticial. (B) Posicionamento lateral direito, evidenciando padrão vascular. Fonte: setor de diagnóstico por imagem do Instituto de Especialidades em Medicina Veterinária (IEMEV-RJ).

O ecodopplercardiograma permite a avaliação morfológica e funcional do coração. Nos portadores de dirofilariose é extremamente importante para avaliação das repercussões em câmaras direitas, estimar a probabilidade de hipertensão pulmonar, além da possibilidade de avaliar a presença dos nematoides na artéria pulmonar, cavidade atrioventricular direita, e em veia cava caudal nos casos de infecções maciças. Os parasitos adultos são visualizados como estruturas hiperecóicas, em formato de sinal de igual, medindo até 1,3 mm de largura (figura 2).  Podem ainda serem visualizados aumentos das câmaras atrioventriculares direitas, regurgitação em tricúspide, distensibilidade reduzida do ramo direito da artéria pulmonar e pode-se estimar a probabilidade de hipertensão arterial pulmonar de acordo com a gravidade da doença e as alterações evidenciadas ao exame ecodopplercardiográfico.

Figura 2. Ecodopplercardiograma em um paciente canino positivo para dirofilariose evidenciando presença de parasito adulto em ramo direito da artéria pulmonar. Fonte: arquivo pessoal.

TRATAMENTO

O objetivo do tratamento da dirofilariose é melhorar as condições clínicas do animal e eliminar todos os estágios do parasito (microfilárias e os estágios larvais) com o mínimo de complicações possíveis. Em países que possuem a droga adulticida (cloridrato de melarsomina), são realizadas aplicações intramusculares com objetivo de eliminar as formas adultas do nematoide, em associação com doxiciclina e lactonas macrocíclicas. No Brasil é realizado um protocolo alternativo devido a indisponibilidade do fármaco adulticida em território nacional. O protocolo consiste em ciclos de doxiciclina a cada 6 meses, em associação com lactonas macrocíclicas administradas mensalmente ou semestralmente quando utilizadas apresentações parenterais, mostrando-se eficaz e bem tolerado. O animal é liberado do tratamento após obter dois testes consecutivos negativos para pesquisa de antígenos, com intervalo de 6 meses (ou seja, no mínimo um ano de tratamento). Em pacientes com síndrome da veia cava, ou que apresentem altas cargas parasitárias em câmaras direitas o tratamento cirúrgico é recomendado. 

PROFILAXIA

A quimioprofilaxia com as lactonas macrocíclicas administradas mensalmente (ivermectina, milbemicina, selamectina, moxidectina) ou anual (moxidectina injetável) são seguras e eficazes, sendo encontradas em várias apresentações comerciais. O tratamento profilático deve ser recomendado a partir de 8 semanas de idade do paciente, com exceção da moxidectina injetável (a partir de 6 meses de idade), continuamente e seguindo as recomendações do fabricante. Quando associada à repelentes, confere proteção de mais de 98%.  O atraso de uma única dose pode possibilitar a infecção em um hospedeiro susceptível. É imprescindível a realização dos testes diagnósticos antes de iniciar o tratamento profilático em pacientes com mais de 6 meses de idade. Algumas raças dolicocefálicas (Border collies, pastor de shetland, collies, dentre outros) possuem deficiência na síntese da glicoproteína P, tornando-as susceptíveis a alterações neurológicas com uso de lactonas macrocíclicas. Porém, as doses utilizadas para prevenção da dirofilariose são seguras mesmo nos pacientes que apresentam a mutação no gene MDR1.

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Karen Denise da Silva Macambira Barbosa

Graduação pela Universidade Estadual do Ceará, Residência em Cardiologia e Doenças Respiratórias de animais de companhia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Mestrado em Patologia e Ciências Clínicas pela UFRRJ com ênfase em Dirofilariose. Professora de pós-graduação em cursos de especialização.

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