Avaliação ultrassonográfica Das glândulas ad anais

Por Solange Carné

Avaliação ultrassonográfica das glândulas ad anais

O grande desafio do médico veterinário especializado em ultrassonografia de pequenos animais é poder auxiliar da melhor forma possível na definição do diagnóstico, juntamente com o clínico responsável.  Através da ultrassonografia podemos avaliar a morfologia de órgãos e estruturas e sugerir possíveis diagnósticos relacionados. Porém, eu acho particularmente importante a possibilidade de enxergar um diagnóstico e por isso, gosto muito de correlacionar os sintomas do paciente com as alterações que percebo no exame de ultrassom, além é claro, de considerar o histórico e outros exames. Através dessa correlação posso sugerir uma possibilidade de diagnóstico mais precisa, auxiliando melhor o atendimento do paciente. Para mim cada exame de ultrassom é um desafio e dessa forma vou explorando muitas possibilidades e assim eu procurei incluir a análise das glândulas ad anais em alguns exames e principalmente nos casos de alterações clínicas relacionadas a sangramento pelo ânus, sangue vivo nas fezes, dificuldade de evacuar e aumento de volume local.

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A partir dos exames dessas glândulas pude perceber que existem alterações importantes relacionadas, principalmente processos inflamatórios, abscessos e muitos casos de neoplasia (esses dois últimos geralmente levam ao sintoma de dificuldade de evacuar). Observe que estas alterações podem ou não estar relacionadas ao aumento de volume local.

Figura 1: Dra. Solange Carné examinando a glândula ad anal de paciente, demonstrando a forma e localização para encostar o transdutor

Vamos apresentar aqui imagens ultrassonográficas de glândulas ad anais normais, com aspecto inflamatório, além de casos importantes de neoplasia.

ASPECTOS  ULTRASSONOGRÁFICOS DAS GLÂNDULAS AD ANAIS NORMAIS

As glândulas ad anais estão localizadas próximo ao ânus, mais precisamente entre o ânus e a base da cauda lateralmente(lado direito e lado esquerdo).

O aspecto ultrassonográfico normal da glândula é a visibilização de uma pequena imagem ovalada com conteúdo anecogênico no interior. Geralmente este conteúdo se apresenta anecogênico e homogêneo, porém pode apresentar uma discreta celularidade. Geralmente a parede é fina e regular. É importante analisar as imagens associadamente aos sintomas relacionados. Nos casos em que observamos alterações discretas como celularidade leve, podemos considerar dentro da normalidade, principalmente se o animal não apresenta sintomas.

Figuras 2, 3, 4 e 5: imagens de glândulas ad anais com volume normal sem alterações.
Figura 6 e 7: imagem ultrassonográfica das duas glândulas (direita e esquerda) com o reto no meio, sem alterações

ALTERAÇÕES INFLAMATÓRIAS:

INFLAMAÇÃO DA GLÂNDULA AD ANAL

Podemos ter alterações inflamatórias que comumente levam a quadro agudo de dor local. Animal pode apresentar sintomas relacionados a dor, como relutar em andar ou olhar para o ânus. Pode ser observada alteração no seu conteúdo, geralmente apresentando maior celularidade. Quando drenado podemos observar conteúdo purulento da glândula.

Através da ultrassonografia podemos observar o aumento de volume das glândulas associado a repleção por conteúdo anecogênico, rico em celularidade.

DICA IMPORTANTE:

devemos associar aos sintomas clínicos principalmente nos casos em que as alterações ultrassonográficas são discretas

Primeiro caso clínico (inflamatório):

No caso abaixo houve a drenagem espontânea da glândula ad anal direita antes do exame de ultrassonografia gestacional. Observamos um conteúdo purulento denso. Após a drenagem espontânea, realizamos a ultrassonografia das glândulas e podemos perceber a diferença no volume entre elas, demonstrando que houve a drenagem de apenas uma glândula. Na glândula esquerda observamos aumento de volume e conteúdo rico em celularidade. Imagens ultrassonográficas compatíveis com processo inflamatório da glândula ad anal.

Figura 8: glândula ad anal direita com pequena repleção por conteúdo anecogênico, após a drenagem espontânea da glândula.
Figura 9: glândula ad anal esquerda com grande repleção por conteúdo anecogênico rico em celularidade
Figuras 10 e 11: imagens ultrassonográficas de glândulas ad anais apresentando aumento de volume e celularidade no conteúdo, compatível com processo inflamatório.

FORMAÇÕES E MASSAS EM GLÂNDULAS AD ANAIS

A presença de massas ou formações em glândulas ad anais são relativamente comuns em cães. O que mais uma vez reforça a importância em examinar estas glândulas. Muitas vezes o animal apresenta o histórico de dificuldade de evacuar e pode estar ou não associado ao aumento de volume local. vamos demonstrar dois casos clínicos de neoplasia em glândula ad anal:

DICA SUPER IMPORTANTE PARA O ULTRASSONOGRAFISTA:

sempre examine a glândula ad anal em casos em que o histórico principal é a dificuldade de evacuar essencialmente nos casos em que não há alteração no exame abdominal ou quando há linfonodomegalia caudal a bexiga urinária.

Segundo caso clínico: compatível com adenocarcinoma

Este animal foi submetido ao exame de ultrassonografia da cavidade abdominal e pélvica com histórico de dificuldade de evacuar algumas vezes. Ao exame ultrassonográfico foram observadas algumas imagens ecogênicas, algumas discretamente heterogêneas, arredondadas,caudalmente à bexiga urinária compatível comlinfonodomegaliamoderada. Pelo aspecto arredondado dos linfonodos suspeitamos que poderia ser uma metástase linfática, sendo assim precisamos investigar uma neoplasia primária. Nesses casos a primeira análise deve ser feita em glândulas ad anais, em busca de neoplasias ou abscessos graves.

DICA IMPORTANTE: este animal não apresentava aumento de volume na região da glândula ad anal. Nenhuma alteração na região visualmente. Também não apresentava dor local

Ao exame ultrassonográfico na topografia da glândula, lateralmente ao ânus, observamos uma grande formação de contornos definidos e regulares, arredondada, ecogênica, heterogênea, com pontos hiperecogênicos formadores de sombra acústica posterior (mineralização). Imagens compatíveis com neoplasia de glândula ad anal.

Resultado do exame de citologia:

Foi realizada punção aspirativa por agulha fina guiada por ultrassonografia desta formação ad anal para citologia.

Descrição Citopatológica: amostra constituída por grupamentos de células epiteliais apresentando diferenciação hepatóide intermediária. Pleomorfismo e anisocariose são moderados. E a cromatina nuclear é hipercromatica.

Diagnóstico Citopatológico: neoplasia epitelial (sugere adenocarcinoma hepatóide, de glândulas perianais).

Como comentado anteriormente, não é comum o exame da glândula ad anal em todos os animais, porém quero salientar a necessidade nos casos em que observamos qualquer tipo de linfonodomegaliacaudo-dorsal a bexiga. Esta observação deverá acionar a suspeita de linfonodomegalia reativa ou metastática, o que faria você pensar em analisar/procurar a causa desta linfonodomegalia observada e dessa forma examinar possíveis locais, incluindo a glândula ad anal.

Figuras 12 e 13: imagens ultrassonográficas de neoplasia de glândula ad anal, demonstrando formação arredondada, ecogênica, heterogênea, com pontos de mineralização, visualizada na topografia da glândula.
Nesta visualização o transdutor está na região perianal, diretamente na topografia da glândula
Figura 14: visibilização da formação da glândula ad anal visibilizada pelo estudo da cavidade abdominal/pélvica (transdutor na região ventral e caudal do animal), demonstrando a profundidade que a formação atinge.
Figura 15: caudal a bexiga urinária e cranial à formação observada na figura 14 observamos algumas imagens arredondadas e ovaladas, ecogênicas compatíveis com linfonodomegalia metastática. Estes linfonodos estão alterados secundariamente à presença da formação na glândula

Terceiro caso clínico: compatível com neoplasia

Neste caso o animal tinha histórico de grande dificuldade de evacuar, realizando o posicionamento para evacuar sem conseguir. Ao exame ultrassonográfico da cavidade abdominal/pélvica caudal a bexiga urinária foi observada uma grande formação de contornos definidos e discretamente irregulares, medindo aproximadamente 14,0 x 6,0 cm, ecogênica, discretamente heterogênea com pontos hiperecogênicos no parênquima.Após esta observação já podemos ter a certeza de que o animal não conseguia evacuar devido a esta grande formação, que causava compressão na porção final do cólon e reto. Mas ainda precisávamos entender a origem desta grande massa. Devido a probabilidade de linfonodomegalia (neoplásica ou metastática) devemos examinar a glândula ad anal.

Ao exame da glândula ad anal na região perianal, foi observada uma formação arredondada, ecogênica, discretamente heterogênea, com pontos hiperecogênicos, apresentando características ultrassonográficas semelhantes às da formação observada caudo-dorsal a bexiga urinária na cavidade pélvica, compatível com neoplasia em glândula ad anal.

Este animal foi submetido ao exame de tomografia computadorizada e o resultado foi:

Conclusões: exame de tomografia computadorizada apresentando formação expansiva em glândula ad anal direita, sugerindo neoplasia com linfondomegaliaconfluênte satélite sugerindo implantação metastática, com lise óssea em sacro e invasão vascular iliaca.

Ainda temos outra alteração em glândulas ad anais que é bastante comum na rotina da clínica de pequenos animais. O abscesso de glândula ad anal. Esta alteração apresenta alterações clínicas agudas, uma vez que abscessos costumam ter evolução rápida. Animal apresenta aumento de volume local e muita dor e muitas vezes o abscesso vai a furo, levando a ferida na topografia da glândula. Nestes casos não é comum a realização de exame de ultrassom. Porém, no caso de realização do exame de ultrassom no local iremos observar uma imagem heterogênea, com características de conteúdo anecogênico rico em celularidade entremeado, compatível com abscesso.

Figura 16 e 17: imagens ultrassonográficas de grande formação visibilizada caudalmente a bexiga urinária, compatível com linfonodomegalia severa metastática
Figura 18 (a e b): 18.a imagem do linfonodo metastático caudal a bexiga urinária, demonstrando a característica ultrassonográfica do parênquima ecogênico e com pontos hiperecogênicos difusos.
18.b topografia da glândula ad anal com formação arredondada ecogênica com pontos hiperecogênicos, apresentando características ultrassonográficas semelhantes a 18a

Com toda certeza, após este artigo, os médicos veterinários especializados em ultrassom de pequenos animais, irão abrir os olhos para o exame das glândulas ad anais e dessa forma terão mais possibilidades de diagnósticos ao examinar outros locais (incomuns)através da ultrassonografia.

Nos casos em que os animais apresentarem os sintomas descritos neste artigo, se faz fundamental a avaliação das glândulas ad anais. Dessa forma poderão confirmar ou descartar suas hipóteses durante o exame de ultrassom e não negligenciar de forma nenhuma o estudo das glândulas ad anais.

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Solange Carné

Médica-veterinária formada pela Universidade Plinio Leite em 1999, Mestrado em Patologia e Reprodução Animal na UFF em 2003. Desde o ano 2000 trabalhou em clínicas e centros de diagnósticos de referência, sempre com ultrassom. Em 2007 começou a realizar cursos em ultrassonografia em pequenos animais no Rio de Janeiro/Brasil e nunca mais parou. Atualmente, realiza diversos cursos de ultrassom para veterinários em todos os níveis de conhecimento nesta área, cursos básicos e avançados, atuando em algumas escolas no Brasil e cursos de pós-graduação nacionais e internacionais. É idealizadora e fundadora do CENUS SOLVET, uma das maiores escolas de ultrassom em pequenos animais do Brasil e também do MUNDO ULTRA VET, um site repleto de conteúdos em ultrassonografia. Também realiza mentorias para ultrassonografistas em seus exames de ultrassom.

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