Displasia fiseal capital felina

Por Diego Gonzalez Vivas

Do diagnóstico à cirurgia

Resumo

A displasia fiseal capital felina, também chamada de osteopatia metafisária de colo femoral, é uma afecção ortopédica ainda não bem elucidada e ainda pouco relatada, que acomete predominantemente machos, jovens, com sobrepeso, podendo ser unilateral ou bilateral. Os principais sinais clínicos são a dor à palpação articular, atrofia muscular e a perda de amplitude de movimentos e crepitação da articulação coxofemoral. Na radiografia, observa-se áreas líticas progressivas na cabeça e colo femoral e imagens características denominadas “apple core”.  Os exames histopatológicos revelam presença de fibrose tecidual e condrócitos irregulares e desagrupados. Seu tratamento é necessariamente cirúrgico e seu prognóstico favorável, quando diagnosticado precocemente. O presente estudo tem o objetivo de descrever a ocorrência da referida doença nos felinos para melhor conhecimento e elucidação deste agravo.

{PAYWALL_INICIO}

Abstract

Feline capital physeal dysplasia, also called metaphyseal osteopathy of the femoral neck, is an orthopedic condition that has notyet been fully elucidated and still little reported, which predominantly affects young, overweight males, and can be unilateral or bilateral. The main clinical signs are pain on joint palpation, muscleatrophy and loss of range of motion and crepitation of the coxofemoral joint. On radiography, progressivelyti care as are observed in the femoral head and neck and characteristic images called “apple core”. Histopathological exams reveal the presence of tissue fibrosis and irregular and ungrouped chondrocytes. Its treatment is necessarily surgical and its prognosis favorable, when diagnosed early. The present study aims to describe the occurrence of said disease in felines for better knowledge and elucidation of this condition.

Palavras-chave: Osteopatia metafisária, “apple core”, condrócitos irregulares.

Keywords: Metaphyseal osteopathy, “apple core”, irregular chondrocytes

A displasia fiseal capital felina, também denominada de osteopatia metafisária de colo femoral; é uma afecção ortopédica mais comumente em felinos predominantemente machos, jovens, castrados e sem histórico de trauma, podendo ainda ser uni ou bilateral (QUEEN, 1998; MC NICHOLAS et al., 2002; LA FUENTE, 2011; VIVAS et al., 2021). A displasia fisária capital é relatada em felinos das raças Siamês, Maine Coon e ocasionalmente felinos de outras raças mistas (CRAIG, 2001; BORAK et al., 2017; VIVAS et al., 2021)

Sua etiopatogenia ainda não é bem elucidada. Segundo Newton e Craig (2006), ocorre uma anormalidade histológica na linha de crescimento proximal que leva a uma necrose da epífise proximal óssea, presença de fibrose tecidual e retardo na maturação dos condrócitos, deixando-os irregulares e desagrupados. Com isso a linha fisária proximal se mantém aberta, podendo promover fraturas espontâneas não traumáticas com presença de reabsorção óssea secundária na região de colo femoral.

Segundo Harasen (2009), esta afecção só atinge a região do colo femoral e não acomete a cabeça femoral. Segundo este autor, o não acometimento da cabeça femoral deve-se ao suposto suprimento sanguíneo à epifise proximal através do ligamento redondo da cabeça femoral.

Martins et al. (2011) descrevem que os sinais clínicos são dor acentuada na região articular coxofemoral, claudicação, falta de sustentação do peso no membro afetado, perdas de amplitude de movimentos e crepitações articulares, atrofia muscular, apatia e hiporexia. Oliveira et al. (2021) relatam um caso de osteopatia metafisária de colo femoral em um felino sem raça definida, jovem, sem histórico de trauma e também com os sinais clínicos de claudicação do membro afetado, apatia e dor à palpação. Vivas et al. (2021) descrevem em um estudo retrospectivo de 10 felinos atendidos com displasia fiseal capital num período de 7 anos. Houve uma maior prevalência de felinos machos, com idade média de 17 meses, peso médio de 5,03Kg e castrados. Em seis casos, a claudicação era unilateral e em quatro pacientes eram bilaterais.

Nesse mesmo estudo, os autores descrevem que os sinais clínicos mais presentes nestes pacientes foram intensa dor à palpação, crepitação e manipulação das articulações coxofemorais, além da atrofia muscular dos membros afetados.

Craig (2001), descreve que a obesidade associada a doenças metabólicas pode contribuir na ocorrência do deslizamento da epífise proximal. Possivelmente o sobrepeso predispõe uma maior sobrecarga articular sobre um membro que possui a linha de crescimento ainda aberta. O que pode assim favorecer esse deslizamento ósseo.

Para a realização do seu diagnóstico, há a necessidade da realização da radiografia da região pélvica nas projeções ventro-dorsais e latero-laterais para avaliação das áreas líticas progressivas na cabeça e colo femoral, localização da fratura e seu grau de comprometimento (NEWTON e CRAIG, 2006; FRÉ et al., 2016, NAPPIER et al., 2019). Alguns autores descrevem que a osteopatia metafisária de colo femoral apresenta uma característica radiográfica denominada de “apple core” (Figura 1) (FORREST et al., 1999; MC NICHOLAS et al., 2002; RIGDE, 2006; SCHWARTZ, 2013).

Figura 1. Caso clínico de uma displasia fiseal capital bilateral em um felino. Observar a fratura em colos femorais (indicadas pelas setas), com presença de reabsorção óssea associada a presença de osteófitos no trocanter femoral. Fonte: Arquivo pessoal.

O tratamento clínico e cirúrgico consiste naexcisão artroplásticada cabeça e do colofemoral (HARASEN, 2004; VOSS et al., 2009). Estes autores descrevem que o tratamento cirúrgico tem por objetivo a eliminação da dor, eliminação da claudicação impedindo uma possível doença articular degenerativa. Outra técnica cirúrgica a ser utilizada é a prótese total de quadril, que demonstra resultados muitos satisfatórios principalmente em felinos de maior porte como o Maine Coon (RAHAL et al., 2016; BORAK et al, 2017). O prognóstico tende a ser bom, se a resolução cirúrgica for rápida, pois facilita a recuperação clínica destes animais (VOSS et al., 2009).

Após a remoção do colo e da cabeça femoral, se faz necessário a realização da histopatologia destas peças para fins do diagnóstico definitivo. Os achados histopatológicos são necrose óssea, esclerose e remodelação. Os condrócitos se apresentam em aglomerações irregulares distanciados por abundante matriz extracelular (Figura 2). (MC NICHOLAS et al., 2002; SCHWARTZ, 2013).

Figura 2. Fotomicroscopia de segmento fiseal em fêmur de gato. Observar condrócitos em agregações irregulares (˄) distanciados por abundante matriz extracelular (˃). Coloração com Hematoxilina-Eosina. Obj. 40x. Fonte: Arquivo pessoal

Segundo Harasen (2009), os possíveis diagnósticos diferenciais da displasia fiseal capital em felinos são a necrose asséptica da cabeça e colo femoral, fratura de Salter Harris tipo I, displasia coxofemoral, osteomielite e neoplasia. Newton e Craig (2006) descrevem que na fratura de Salter Harris tipo I, não há presença de lise óssea na radiografia e histologicamente os condrócitos são normais e agrupados, diferentes da osteopatia metafisária que os condrócidos ficam desordenados, irregulares e distanciados por grande presença de matriz extracelular.

A necrose avascular da cabeça do fêmur, mais observada em cães, pode ser comparada a displasia fiseal capital nos felinos. Entretanto, esta comparação não é adequada. Segundo Harasen (2009) e Graytonet al. (2014), o suprimento sanguíneo para a cabeça femoral nos felinos é mais robusta, incluindo a artéria do ligamento redondo; diferente do cão que esse suprimento é mais fraco. E por isso, que as lesões nos felinos se concentram na região do colo femoral.

Há poucos relatos de casos e estudos retrospectivos descritos em literatura, o que podem levar ao desconhecimento da doença por parte do médico-veterinário e do responsável pelo animal. Portanto, se faz necessário sempre a realização de cada vez mais publicações para um melhor entendimento desta afecção.

Com o diagnóstico clínico precoce somado ao conhecimento médico- veterinário, a osteopatia metafisária de colo femoral pode ser tratada cirurgicamente, minimizando efeitos colaterais osteoarticulares e musculares nos felinos, promovendo uma rápida recuperação clínica ao paciente.

O exame radiográfico é importante para observação e classificação das lesões ósseas, além de auxiliar na tomada de decisão para realização da cirurgia. E a avaliação histopatológica é fundamental para seu diagnóstico definitivo, pois somente por esse exame que são observadas as alterações específicas dos condrócitos.
Referências Bibliográficas:

BORAK, D.; WUNDERLIN, N.; BRUCKNER, M.; SCHWARS, G.; KLANG, A. Slipped capital femoral epiphysis in 17 Maine Coon cats. Journal of Feline Medicine and Surgery, v.19, n.1, pp13-20, 2017.

CRAIG, L. E. Physeal dysplasia with slipped capital femoral epiphysis in 13 cats. Veterinary Patology, v.38, n.1, pp.92-97, 2001.

FORREST, L. J.; O´BRIEN, R. T.; MANLEY, P. A. Feline capital physeal dysplasia syndrome. Veterinary Radiology & Ultrasound, v. 40, pp. 672, 1999.

FRÉ, J. C.; MARQUES, S. M. T.; ALIEVI, M. M. Fraturaemlinha de crescimento de cães e gatos: Revisão. Revista PUBVET, v.10, n.11, pp.826-834, 2016

GRAYTON, J.; ALLEN, P.; BILLER, D. Case report: proximal femoral physeal dysplasia in a cat and a review of the literature. Israel Journal of Veterinary Medicine, v.69, n.1, pp.40-47, 2014

HARASEN, G. Feline orthopedics. Canadian Veterinary Journal, v. 50, pp. 669-670, 2009.

LA FUENTE, P. Young, male neutered, obese, lame? Non-traumatic fractures of the femoral head and neck. Journal of Feline Medicine and Surgery, v. 13, n. 7, pp. 498-507, 2011.

MC NICHOLAS, W. T.; WILKENS, B. E.; BLEVINS, W. E.; SNYDER, P. W.; MC CABE, G. P.; APPLEWHITE, A. A.; LAVERTY, P. H.; BREUR, G. J. Spontaneous femoral capital physeal fractures in adult cats: 26 cases (1996-2001). Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 221, pp. 1731-1736, 2002.

MARTIN, J.; FILHO, J. C. S.; SIMÕES, V.; SCORSATO, P. S.; FRANCO, R. P. Osteopatiametafisária de colo femoral emfelinos: Relato de caso. UNIMAR Ciências, v. 20, n. 1-2, pp. 19-22, 2011.

NAPPIER, M.; ROBERTSON, B.; LE ROITH, T. Acute hindlimb lameness in a 6 month old cat. Journal of Feline Medicine and Surgery, v.21, n.5, pp. 449-451, 2019.

NEWTON, A. L.; CRAIG, L. E. Multicentric physeal dysplasia in two cats. Veterinary Pathology, v. 43, n. 3, pp. 388-390, 2006.

OLIVEIRA, C. S.; FILHO, D. F. L.; PANTOJA, A. R.; OLIVEIRA, S. S.; FERREIRA, D. S.; MORAES, A. F. F.; OLIVEIRA, L. B.; LAIGNIER, C. S. Osteopatiametafisária de colo femoral em um felino – relato de caso. Brazilian Journal of Development, v. 7, n.12, pp. 117348-1177357, 2021.

QUEEN, J.; BENNETT, D.; CARMICHAEL, S.; GIBSON, N.; LI, A.; PAYNE – JOHNSON, C. E.; KELLY, D. F. Femoral neck metaphyseal osteopathy in the cat. Veterinary Record, v. 142, pp. 159-162, 1998.

RAHAL, S. C.; MESQUITA, L. R.; KANO, W. T.; MAMPRIM, M. J.; CARVALHO, C. M.; FABRIS, V. E.; AGOSTINHO, F. S. Clinical outcome and gait analysis of a cat with bilateral slipped capital femoral epiphysis following bilateral ostectomy of the femoral head and neck. Veterinary Quarterly, v.36, n.2, pp.115-119, 2016.

RIGDE, P. A. What is your diagnosis? Journal of Small Animal Practice, v. 47, n. 5, pp. 291-293, 2006.

VIVAS, D. G.; OLIVEIRA, M. L. G.; PUIG, J. B.; MULLER, P, S.; MULLER, L. D. C.; TORRES, F. E. A.; LOPES, J. V. R. CARVALHO, V. A. N. OsteopatiaMetafisária de Colo Femoral em 10 felinos – EstudoRetrospectivo. ARS Veterinária, v. 37, n. 3, pp.187-191, 2021.

VOSS, K., LANGLEY-HOBBS, S. J.; MONTAVON, P. M. Hip Joint. In: VOSS, K., LANGLEY-HOBBS, S. J.; MONTAVON, P. M. (Ed.). Feline Orthopedics Surgery and Musculoskeletal Disease. London. Ed. Saunders Elsevier, Cap. 36, 2009, pp. 443-454.

SCHWARTZ, G. Spontaneous capital femoral physealfractures in a cat. Canadian VeterinaryJournal, v. 54, n. 7, pp. 698-700, 2013.

Diego Gonzalez Vivas

Professor Auxiliar III da Disciplina de Anestesiologia Veterinária e Técnicas Cirúrgicas e da Disciplina de Patologia Cirúrgica de Cães e Gatos. Universidade Estácio de Sá, UNESA, Rio de Janeiro, RJ; Doutorando em Medicina Veterinária (Patologia e Ciências Clínicas). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, Seropédica, Brasil Mestrado em Medicina Veterinária (Patologia e Ciências Clínicas). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, Seropédica; Especialização em Ortopedia Veterinária. Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais - SP, ANCLIVEPA-SP, São Paulo, Brasil; Especialização - Residência médica. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, Seropédica, Brasil Título: Clinica e Cirurgia Veterinária de Pequenos Animais; Graduação em Medicina Veterinária. Universidade Estácio de Sá, UNESA, Rio de Janeiro, Brasil.

{PAYWALL_FIM}