Síndrome da Disfunção Cognitiva Senil

Por Raquel do Amaral Nunes Souto

A população de animais idosos vem crescendo significativamente, com isso doenças comumente associadas a idade aumentam em concomitante (VIKARTOVSKA. et al, 2021).  Em cães e gatos idosos ocorre uma síndrome semelhante a doença de Alzheimer em humanos, conhecida como Síndrome da Disfunção Cognitiva (SDC).  A manifestação clínica ocorre decorrente de alteração nos padrões de comportamento e na rotina diária, secundária a neuro-degeneração, oriunda de atrofia cortical e depósito de proteína beta- amiloide (FAST. et al, 2013).

A síndrome da disfunção cognitiva é mais relatada em cães do que em gatos, há semelhança entre encéfalos de pacientes humanos com Alzheimer e animais com SDC, caracterizados por acúmulo de proteína Beta amiloide dentro e em volta dos neurônios e acúmulo intraneuronal de proteína tau, sendo a segunda mais presente em humanos quando relacionado a animais. O nível de acúmulo dessas proteínas será proporcional aos sinais cognitivos do paciente (DEWEY; Da COSTA, 2017). E ainda, uma baixa nos neurotransmissores encefálicos com o presente distúrbio degenerativo foi citada tanto em animais, quanto em humanos (DEWEY; Da COSTA, 2017).

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É rotineiro proprietários de animais idosos atribuírem mudanças de comportamento à idade, sem se atentarem a possibilidade de estarem diante de um início de quadro degenerativo, levando a SDC, uma vez que a patologia em questão é expressa em alterações comportamentais, inicialmente brandas. Sinais clínicos incluem desatenção, hipoatividade, andar compulsivo, andar em círculos, demência, distúrbio urinário e fecal, distúrbios do sono, vocalização excessiva, principalmente noturna, dificuldade em desviar de cantos, paredes (figuras 1 e 2) e obstáculos, além de agressividade (VIKARTOVSKA. et al, 2021). Em gatos é comum o comportamento hiper-responsivo, além de miado excessivo e comportamento arredio (GUNN-MOORE, 2011).

Figuras 1 e 2: Dois pacientes senis apresentando headpressing. – FONTE: Médica Veterinária Raquel Souto

O acrônimo DISHAAL é uma importante ferramenta, quanto a investigação de pacientes com suspeita de SDC. Caracterizado por: D – desorientação, I- interação diminuída, S- sono e vigília alterados, H- higiene alterada, A- atividade aumentada, A- ansiedade, L – nível (“level”) de aprendizado e memória (DEWEY; Da COSTA, 2017). Tal como em humanos, existem os animais com envelhecimento bem sucedido, onde as alterações de comportamento não terão valor clínico significativo, envelhecimento com medianas alterações comportamentais e envelhecimento com distúrbio cognitivo avançadovQuando em estágio mais avançado, as alterações de comportamento mais evidentes chamam a atenção de tutores a um possível distúrbio no envelhecimento, com isso, muito animais apenas são levados para acompanhamento quando já em estágio avançado na degeneração.

Devido a alterações de comportamento principalmente relacionadas a ansiedade e a um comportamento compulsivo dos pacientes, instala-se um quadro estressante não só aos animais, mas também a seus donos (FAST. et al, 2013). Há uma variabilidade individual nas manifestações clínicas e na desordem cognitiva (SCHUTT; TOFT; BERENDT. 2015).

Animais idosos (figura 3) com alterações cognitivas leves podem ou não progredir para uma síndrome da disfunção cognitiva. E ainda, não necessariamente haverá diferença em expectativa de vida para cães que desenvolvem ou não a síndrome (SCHUTT; TOFT; BERENDT. 2015).

Figura 3: Ilustração de um paciente idoso, hipoativo e sem interação no consultório. FONTE: Médica Veterinária Raquel Souto

Diganóstico se baseia em uma anamnese e questionários ao tutor quanto a alterações comportamentais e principalmente tempo de avanço dos sinais (SCHUTT; TOFT; BERENDT. 2015). Além da evolução clínica, exames de imagem e biomarcadores auxiliam na conclusão diagnostica. Muitos profissionais fecham diagnóstico se baseando apenas em relatos de tutores, o que pode gerar relatórios incorretos e incapacidade de estadiar a doença com precisão (STYLIANAKI. et al, 2020). Principalmente sabendo que há um número de animais diagnosticados precipitadamente como SDC, apenas por serem idosos, mas sem tempo de evolução compatível com um quadro degenerativo, como é o da doença em questão. É de extrema importância que se entenda a progressão da doença, para que não se perca diagnósticos diferenciais por atribuir toda alteração comportamental a idade.

É importante que o clínico descarte outras causas comuns em animais idosos com potencial de comprometimento cognitivo, como doenças metabólicas ou estruturais, como as neoplasias encefálicas, que também configuram importante causa de alteração cognitiva em idoso. Em exames de imagem, seja tomografia computadorizada ou ressonância magnética, além de descartarmos alguns diagnósticos diferenciais, conseguimos ver a atrofia encefálica (figura 4) comum na SDC, embora não sejam patognomônicas da doença (FERNÁNDEZ; BERNARDINI, 2010).

Figura 4: Imagem de ressonância magnética do encéfalo de cão idoso, em corte transversal, na ponderação T2, evidenciando atrofia cortical e ventricolomegalia. FONTE: CRV IMAGEM

Na medicina os biomarcadores do líquido cefaloraquidianos estão entre os métodos de avaliação mais precisos, a inclusão desse campo de biomarcadores na medicina veterinária permitirá evoluções no manejo da SDC (STYLIANAKI. et al, 2020).

Existem diversas propostas terapêuticas afim de retardar a evolução da doença, uma vez que assim como na doença de alzheimer é sabido que não há cura. Dentre as terapias propostas podemos citar enriquecimento ambiental, alterações em dieta, medicamentos e suplementos (DEWEY; Da COSTA, 2017). A eficácia é variável em cada animal, podendo ainda ser variável em um mesmo paciente, uma vez que pode iniciar apresentando uma boa resposta e logo recidivar com todos os sinais clínicos. 

Algumas terapias restabelecem o fluxo sanguíneo cerebral, melhorando a função cognitiva, outros funcionam como agentes anti-oxidantes, como é o caso da vitamina E (VIKARTOVSKA. et al, 2021)e há a classe dos estimulantes noradrenérgicos que melhoram aprendizado e locomoção. Agentes gabaérgicos ou benzodiazepínicos podem auxiliar na diminuição da ansiedade, além das terapias complementares, como oleos essenciais, acupuntura, lavandas e uso da melatonina (DEWEY; Da COSTA, 2017).

Os triglicerídeos de cadeia média que serão convertidos em cetona pelo fígado, representando uma fonte alternativa de energia encefálica, estão presentes em algumas formulações de rações já disponiveis no mercado, além de rações também enriquecidas com vitaminas E e C, sendo então fatores adjuvantes no manejo de SDC (NESTLE, 2010).

O prognóstico da SDC é reservado a ruim, por ser um quadro degenerativo, onde além de não apresentar cura, estará sempre evoluindo. (SCHUTT; TOFT; BERENDT. 2015). A maioria dos pacientes é submetido a eutanásia com cerca de um a dois anos de evolução dos sintomas, devido ao intenso distúrbio comportamental (DEWEY; Da COSTA, 2017) ou acaba vindo a óbito devido a alterações clinicas não associadas. 

A SDC não altera expectativa de vida, embora comprometa a qualidade da mesma. Cães são mais acometidos que gatos (DEWEY; Da COSTA, 2017), mas não há comprovação sobre variedade entre sexos (FAST. et al, 2013). A prevalência varia de 14 a 35 % em cães de companhia acima de 8 anos e o risco aumenta exponencialmente de acordo com a idade (SCHUTT; TOFT; BERENDT. 2015).

REFERÊNCIAS: 

VIKARTOVSKA, Z. et al. Novel Diagnostic Tools for Identifying Cognitive Impairment in Dogs: Behavuior, Biomarkers, and Pathology, Frontiers in Veterinary Science, v 7, a 551895, p 1-13, jan, 2021.

FAST, R. et al. An observational study with long-term follow up of canine cognitive dysfunction: clinical characteristics, survival, and risk factors, Journal of Veterinary Internal Medicine, v 27, n 4, p. 822-9, may, 2013. 

DEWEY, C.W.; Da COSTA, R.C. Encefalopatias: Distúrbios do encéfalo. In: DEWEY, C.W.; Da COSTA, R.C (Eds), Neurologia Canina e Felina. São Paulo: EditoraGuará, 2017, cap 7.

GUNN-MOORE, A.D. Cognitive disfunction in cats: Clinical Assessment and Management, Topics in Companion Animals Medicine, v 26, n1, p 17 – 24, feb 2011. 

SCHUTT, T.; TOFT, N; BERENDT, M. Cognitive Function, Progression of Age related Behavioral Changes, Biomarkers, and Survival in DOGS More Than 8 Years Old, Journal of Veterinary Internal Medicine,v. 29,n 6, p. 1569-77, oct. 2015.

STYLIANAKI, I. et al. Amyloid-beta plasma and cerebrospinal fluid biomarkers in aged dogs with cognitive dysfunction syndrome, Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 34, n 4, p. 1532-1540, jun. 2020.

FERNÁNDEZ, V.L.; BERNARDINI, M.. Neoplasias e síndromes paraneoplásicas. In: FERNANDEZ, V.L. & BERNARDINI, M. (Eds), Neurologia em Cães e Gatos. São Paulo: Med vet, 2010, cap. 13.

NUTRIÇÃO Clínica Canina e felina: Guia prático de referência para uso diário no exercício da medicina veterinária. Primeira edição. São Paulo, SP: Nestlé, Purina, 2010.

maria ligia

Raquel do Amaral Nunes Souto

Graduada em Medicina Veterinária pela UFRRJ.
Extensão em neurologia de pequenos animais – Instituto Bioethicus Botucatu- SP.
Pós-graduada em Neurologia de Pequenos Animais – Anclivepa – SP.
Certificada pelo BrainCamp 2018 Veterinary Neuroscience Advaced Course, Bolonha – Itália.
Atualmente responsável pelo setor de Neurologia de sete clínicas veterinárias no Rio de Janeiro-RJ.

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