Dr. Gabriel Diamante fala sobre área de Neurologia Veterinária

Por Samia Malas

“Os estudantes que gostam muito de estudar e atender complexidades devem levar em consideração a neurologia, pois é uma área carente de bons profissionais e muito necessitada pelos pacientes”

Sócio fundador da Ortho Support Pet – Clínica especializada em ortopedia e neurologia veterinária, o Dr. Gabriel Diamante é doutor em Clínica Cirúrgica Veterinária, com ênfase em Ortopedia (Universidade de São Paulo – USP) e possui Mestrado em Ciência Animal com ênfase em Neurocirurgia na Universidade Estadual de Londrina – (UEL).

Em sua carreira, passou por 3 anos no Serviço de Ortopedia Veterinária da USP e fez residência em Clínica Cirúrgica pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Especialista em Ortopedia e Traumatologia pela Anclivepa-SP, o médico-veterinário compartilha um pouco sobre sua carreira e o que pensa sobre a área de Neurologia Veterinária no Brasil nos dias de hoje.

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Revista NOR: Que dificuldades encontrou no início da sua carreira?

Dr. Gabriel Diamante: A graduação na medicina veterinária é muito genérica e tem muito pouco tempo para as especialidades. Então a primeira dificuldade está nesse curto espaço de tempo da graduação em definir o caminho a ser seguido. Quando iniciamos a carreira, para dedicar à uma especialidade inicia-se a segunda fase de estudos que se torna uma segunda graduação, só que agora na área escolhida.

A residência médica no Brasil não tem especificidade em ortopedia ou neurologia, geralmente abrangem a grande área da cirurgia, englobando várias especialidades como oftalmologia, neurologia, cirurgia geral, oncologia entre outras; o que leva a necessidade de formação complementar por meio de especializações, cursos de extensão ou mestrado e doutorado com professores da área. Alternativamente a isso o aluno pode buscar formação no exterior, em resumo a maior dificuldade no início da carreira é a formação profissional para dar suporte à atuação.

Revista NOR: Para se tornar um veterinário especializado em Neurologia é preciso adquirir qual certificação? Quais passos a serem seguidos?

Dr. Gabriel: Não apenas na neurologia, como em qualquer especialidade, a formação complementar é fundamental e muitas vezes irá levar um tempo similar ao da graduação para adquirir formação adequada para atuação. Uma vez que ainda não existe o colégio brasileiro de neurologia veterinária, não se exige certificação para atuação. Existem duas grandes áreas na neurologia que é a neurologia clínica e a neurocirurgia, que abrange principalmente a coluna vertebral, sendo abordada tanto por neurologistas quanto por ortopedistas, similar ao que ocorre em medicina humana. Muitos profissionais com formação cirúrgica e ortopédica, como é o meu caso, atuam muito na coluna vertebral, o que não exclui a necessidade de formação e conhecimento em neurologia para diagnóstico correto dessas afecções. Se você se interessa em atuar na parte clínica da neurologia, residência na área de clínica médica dá excelente suporte na parte inicial e na sequência deve-se focar na neurologia, agora se você se interessa na parte cirúrgica da especialidade, deve-se prestar residência médica na área de cirurgia primeiro. A ortopedia é uma área irmã desse segmento e mesmo para os profissionais que não atuam em ortopedia mas gostam de cirurgia da coluna, a formação básica é importante, principalmente quando se fala na colocação de implantes na coluna. Além da residência, especializações, cursos de extensão, mestrado e doutorado são passos que podem ser seguidos. Idealmente deveríamos ter residência em cada área específica que formassem profissionais especializados, porém isso ainda não é realidade no Brasil.

Revista NOR: Quais os desafios da rotina de atendimento na Ortho Support Pet?

Dr. Gabriel: A Ortho support pet é a primeira clínica específica e especializada em ortopedia e neurologia no interior do estado de São Paulo. Então quando iniciamos começamos um mercado totalmente novo e não sabíamos como seria a aceitação do mercado para isso. A ideia foi criar uma equipe dedicada à especialidade, além de concentrar recursos tecnológicos em um local, para poder oferecer um serviço de ponta no nosso segmento. Assim como ocorre em medicina humana, os grandes centros de referência na área trabalham em equipe de especialistas para poder oferecer serviço de qualidade e muito além disso “RESULTADO”. Aprendi muito isso durante minha época de doutorado na USP, onde pude ver o que um trabalho de equipe era capaz de produzir de benefícios ao paciente, e desde então quis trazer à iniciativa privada esse conceito que para mim é uma quebra de paradigma na medicina veterinária, pois ainda temos como padrão o trabalho solitário de profissionais. Além das incertezas do mercado, outro grande desafio que enfrentamos como empresa foi o de convencer médicos-veterinários, acostumados a receber o especialista na sua clínica, a encaminhar esse caso específico para ser atendido pela equipe de especialistas. O que tornou isso mais fácil foi mostrar aos poucos os resultados clínicos que obtivemos fazendo dessa maneira. Hoje além dos profissionais parceiros, temos muitos clientes que procuram diretamente nosso serviço para tratar um problema ortopédico ou neurológico de seus pets.

Revista NOR: Que conselhos dá aos veterinários que estão buscando se especializar na área da Neurologia?

Dr. Gabriel: Procurem locais e profissionais sérios para sua formação. Hoje vivemos em nosso país um “populismo” do ensino, e corremos o risco de não ter formação adequada, uma vez que a pós-graduação se tornou algo muito rentável no Brasil. O caminho assertivo não é o mais fácil nem o mais simples, não se deixem enganar por frases como “ isso é simples” ou “ todo mundo faz assim e da certo”, entre outras. O caminho do conhecimento é igual para todos e passa por muita dedicação e muito estudo além de precisar acompanhar na prática bons profissionais por um período razoável. A formação teórica básica não irá dar condições para atuação em nenhuma especialidade de forma efetiva, devemos lembrar que nosso mercado está mudando muito e a exigência de nossos clientes aumentando a cada dia.

Revista NOR: Qual o maior desafio da especialidade em que atua?

Dr. Gabriel: A nossa especialidade ainda não tem regulamentação no Brasil, esse para mim é um dos principais desafios que devemos enfrentar. Um cliente leigo não consegue distinguir profissionais que se auto intitulam especializados e confiam a vida de seus cães ou gatos, importantes membros de sua família, à profissionais que muitas vezes podem não estar preparados para realização desses procedimentos e as consequências disso podem ser desastrosas, muitas vezes irreversíveis. Nossa clínica, infelizmente, de forma frequente atende casos de complicações de cirurgias ou tratamentos realizados por profissionais não capacitados, que vão desde infecções decorrentes de falta de assepsia em cirurgias realizadas em centros cirúrgicos impróprios até imperícias cirúrgicas graves que por vez resultam em sequelas permanentes nos paciente.

Revista NOR: Qual o avanço que presenciou na sua carreira que fez a diferença na rotina de atendimento?

Dr. Gabriel: Quando eu me formei em 2009 no Paraná pouco se falava em especialidades, pensar em atuar especificamente em uma área era praticamente impossível em um mercado generalista. Desde então venho presenciando anualmente a evolução da nossa profissão que hoje oferece serviços de altíssima qualidade em centros especializados pelo Brasil. Parte disso deve-se à exigência dos tutores e outra parte a grandes profissionais que foram atrás de busca e oferecer o conhecimento. Acredito muito que na próxima década a medicina veterinária irá se aproximar muito da medicina humana em nível técnico e tecnológico, os coordenadores dos cursos de medicina veterinária precisar se ater a isso e melhorar a grade de formação para dar mais condições de oportunidade para os alunos no futuro. Esse avanço do mercado mudou muito nossa rotina de atendimento, desde infraestrutura até postura e vestimenta no consultório. Para vocês terem uma noção, até nossos estagiários e internos utilizam roupa social e gravata para ter contato com os clientes.

Revista NOR: Poderia narrar algum caso complexo que tenha enfrentado no consultório ou em caráter de emergência?

Dr. Gabriel: Em neurocirurgia, uma das emergências mais comuns são as hérnias de disco, pois frequentemente causam perda de movimento nos membros pélvicos (paraparesia ou paraplegia) além de muita dor. Os tutores ficam desesperados e assustados, uma vez que isso ocorre de forma repentina sem que algum evento traumático tenha desencadeado obrigatoriamente. Me recordo de um paciente Buldogue Francês que chegou com paraplegia no consultório com sua tutora muito aflita, pois seu pet havia brincado muito final de semana em uma chácara e começou com dores nas costas que rapidamente evoluíram para o quadro apresentado. Solicitei uma tomografia, como era muito urgente não conseguiram em Campinas-SP e eles pegaram o carro e foram para São Paulo fazer o exame, onde foi possível identificar uma extrusão de disco na intumescência lombossacra. No dia seguinte foi possível realizar a cirurgia descompressiva para remoção da hérnia e o paciente voltou a andar. Quadros como esse são frequentes na rotina clínica do cirurgião de coluna, infelizmente não são todos que tem esse final feliz, mas se feito do jeito certo a porcentagem de recuperados é muito maior.

Revista NOR: Você recomendaria a área da Neurologia para jovens que estão se formando?

Dr. Gabriel:  Com certeza recomendaria, é uma especialidade incrível e muito gratificante para quem atua nela. Os que gostam muito de estudar e atender complexidades devem levar em consideração a neurologia, pois é uma área carente de bons profissionais e muito necessitada pelos pacientes.

Revista NOR: Gostaria de acrescentar algum comentário para encerrar a entrevista?

Dr. Gabriel: A todos que estão na graduação, dediquem-se a essa profissão maravilhosa que é a medicina veterinária, procurem ser profissionais de ponta e atuar com excelência na área que escolherem atuar. Não se iludam com ofertas de caminho curto e fácil. Nossa profissão é muito importante na sociedade e deve ser assim tratada iniciando por nós, pois o exemplo tem que sair primeiramente dos profissionais, portanto comportem-se como médicos veterinários e levem a sério o que fazem, só assim mudaremos nossa realidade elevando nossa profissão. 

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