Pacientes idosos e a abordagem fisioterápica

Por Daniela Loureiro Henrique

O mundo está envelhecendo: segundo um estudo da WorldPopulationProspects, os idosos representavam 8% da população mundial em 1950. Em 2020, as pessoas acima dos 60 anos atingiram a marca de 13,5% das pessoas no planeta. Além da quantidade de idosos, envelhecer com qualidade significa aumento da expectativa de vida. Neste mesmo estudo foi demonstrado que, enquanto os octogenários correspondiam a 0,6% da população idosa em 1950, em 2020 eles representavam 1,9%, ou seja, um número três vezes maior.

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Na medicina veterinária, o envelhecimento dos pets também está acontecendo. Nas clínicas, o número de cães e gatos idosos atendidos aumenta exponencialmente ano apósano. Nos EUA, a população total é de 146 milhões de animais, e aqueles acima dos oito anos chegam a 20 milhões ou 13% da população. Segundo o IBGE, em 2016, a população total de gatos era de 22 milhões e de cães 52 milhões no Brasil, porém, infelizmente esse dado não contempla a divisão por faixa etária. Dessa forma, não se sabe quantos animais idosos existem no país. Contudo, se o percentual da realidade americana for extrapolado no Brasil (já que o país tem a segunda maior população de animais domésticos no mundo), é possível afirmar que a população de cães e gatos idosos atinja a expressiva marca de nove milhões de animais.

Assim como nos seres humanos, muitos fatores têm colaborado para uma maior e melhor expectativa de vida dos animais: preocupação com a qualidade dos alimentos oferecidos industrializados ou naturais, maior acesso a cuidados médicos incluindo medicina preventiva, exames mais modernos e profissionais cada vez mais capacitados. A prática de exercícios físicos também é um pilar de extrema importância na manutenção da saúde e independência dos idosos.

Há duas classificações dos idosos para humanos segundo Vaisberg (2008): por idade e por funcionalidade. Por idade, os idosos podem ser considerados jovens (entre 65 a 75 anos), médios (entre 75 e 85 anos)ou muito velhos (acima de 85 anos). Já na classificação por funcionalidade, eles podem ser jovens quando vivem de maneira independente com pouca ou nenhuma restrição a atividades físicas, médios são quando necessitam de assistência em suas atividades diárias ou muito velhos quando os idosos são totalmente dependentes e muitas vezes internados.

Infelizmente a geriatria em cães e gatos é uma área recente na medicina veterinária e algumas padronizações sequer existem. Estudos mais recentes consideram que os cuidados geriátricos para os cães devem começar a partir dos sete anos corroborando com um trabalho publicado na AKC Gazette Nova York, 48% dos cães já apresentam algum tipo de alteração comportamental relacionado à idade a partir dos oitos anos de idade. Cães pequenos (peso entre 0 e 9 kg) são considerados idosos a partir dos 11 anos, cães médios (peso entre 9,5 e 22,6 kg) a partir dos 10 anos, cães grandes (peso entre 22,7 e 41) a partir dos 8,8 anos e cães gigantes (acima dos 41 kg) a partir dos 7,4 anos. Já os gatos, segundo a Cornell Feline Health Center, os gatos são considerados velhinhos a partir dos 12 anos.

Mas o que é envelhecimento? Sob o aspecto fisiológico são “mudanças morfofuncionais ao longo da vida que ocorrem após a maturação sexual e que, progressivamente, comprometem a capacidade de resposta dos indivíduos ao estresse ambiental e à manutenção da homeostasia”. Algumas dessas mudanças são alterações na síntese do metabolismo proteico e seu depósito anormal, maior produção de radicais livres não-tamponados gerando lesão celular, diminuição na produção de alguns hormônios além do desequilíbrio da resposta imunológica e diminuição do  metabolismo dos animais. Além das mudanças microscópicas, o envelhecimento provoca alterações músculo-esqueléticas importantes como doença articular degenerativa e sarcopenia, aparecimento de comorbidades como diabetes melitus, hiperadrenocorticismo e alterações neurológicas incluindo a temida síndrome da disfunção cognitiva conhecida também como Alzheimer canino.

E o envelhecimento ocorre de maneira igual para todos os indivíduos? Óbvio que não. Segundo Cohen& Rocha,“ envelhecimento bem sucedido é aquele no qual o indivíduo preserva a capacidade de realizar suas funções e essa habilidade é influenciada especialmente pelo desempenho adequado dos sistemas músculo esquelético e cardiovascular e influenciada adversamente pela presença e severidade de doenças crônicas”. Vera & Oliveira definiram como eugeria o processo natural de envelhecimento; conjunto de alterações previsíveis determinadas por este processo e perda de reserva sem provocar insuficiência. Enquanto a patogeria caracteriza-se por alterações ou processos alheios ao envelhecimento fisiológico e determinados por doenças e maus hábitos de vida, como sedentarismo ou tabagismo. Resumindo, o envelhecimento (figuras 1 e 2) é influenciado por fatores internos (fisiológicos, celulares, doenças concomitantes) e fatores externos(comportamentais e traumas).

Figuras 1 e 2: Bulldog Inglês fêmea (à esquerda, a paciente com 1 ano de idade; à direita, com 10 anos). Fonte: Daniela Loureiro Henrique

Como dito anteriormente, os cuidados geriátricos com cães e gatos devem ser iniciados a partir dos 7 anos; a partir dessa idade, check-ups devem ser anuais para que doenças endócrinas, cardíacas entre outras possam ser diagnosticadas o mais rápido possível, facilitando o controle das mesmas. Outro aspecto importante é a avaliação neuromuscular e ortopédica. Porém, os tutores só começam a se preocupar quando a independência desses animais está ficando prejudicada. Dificuldade para caminhar, claudicação e fraqueza muscular são alguns dos sintomas que levam os tutores a procurarem o médico veterinário. As doenças articulares degenerativas (DAD) são as principais alterações ortopédicas representando 38,9% dos pacientes com dor crônica segundo um estudo de 2018. Por se tratar de uma condição crônica e progressiva provocando dor e deformidade articular, a evolução da DAD pode atrapalhar a independência de cães e gatos e, em casos mais graves, esses animais podem ser submetidos à eutanásia. O mesmo pode ocorrer em pacientes com lesões neurológicas.

A enfermidade neurológica mais comum em cães é a Doença do Disco Intervertebral (DDIV); resumidamente, trata-se de uma compressão medular e/ou de raiz nervosa provocada pela extrusão do disco intervertebral (Hansen tipo I) ou protusão (Hansen tipo II), sendo a segunda com maior casuística em cães e gatos idosos. Além de dor, os animais podem apresentar déficits motores e proprioceptivos, além de paraparesia ou paraplegia dependendo da localização da lesão. Outra síndrome em franca ascensão em animais idosos é a Disfunção Cognitiva; também conhecida como Alzheimer canino, a Disfunção Cognitiva é um processo de degeneração cerebral, progressivo e irreversível causado pelo envelhecimento do animal. Ela acomete entre 20 a 30% dos cães com idades entre sete e nove anos, e aumenta para 66% em animais acima de 14 anos. Dentre os sinais mais comuns estão confusão, alteração do sono, apatia, irritabilidade, andar compulsivo e vocalização sem motivo.

Tanto para doenças ortopédicas quanto doenças neurológicas, além do tratamento convencional como cirurgias (indicadas em alguns casos) e medicamentos, especialidades como acupuntura, ozonioterapia e fisioterapia contribuem para a resolução do problema mas também são fundamentais como parte de um protocolo conservativo visando a melhora clínica do paciente. Os pacientes idosos respondem bem à reabilitação, conforme figura 3, especialmente quando há um importante controle de dor em decorrência aos efeitos analgésicos e circulatórios de algumas técnicas e aparelhos bem como incremento na mobilidade através da realização de exercícios terapêuticos monitorados. A rotina de cinesioterapia pode auxiliar também no retardo da Síndrome da Disfunção Cognitiva já que esses exercícios ativam o sistema límbico no encéfalo (estrutura importante responsável pela cognição)

Figura 3: Paciente com 9 anos na cinesioterapia – Fonte: Daniela Loureiro Henrique

Para a fisioterapia veterinária, o objetivo principal é melhorar a qualidade de vida desses pacientes tão especiais e mantê-los o mais independente possível. Antes de iniciar um protocolo fisioterápico, deve-se levar em consideração os aspectos clínicos (quais lesões ortopédicas, musculares ou neurológicas presentes), presença de comorbidades que possam dificultar a evolução e/ou com potencial limitante (como alguns graus de cardiopatias, por exemplo) e por último, mas não menos importante, quais são as expectativas do tutor. Nas sessões de fisioterapia, muitos recursos podem ser utilizados como massoterapia, eletroterapia, campo magnético, laserterapia, cinesioterapia e hidroterapia (quadro 1).

A progressão de algumas enfermidades bem como o próprio envelhecimento podem prejudicar os efeitos da fisioterapia a longo prazo, contudo, é inegável que a reabilitação apresente resultados surpreendentes na recuperação de animais idosos.

Bibliografia

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Daniela Loureiro Henrique

Médica veterinária formada em 2002 (UMESP).
Doutoranda em Fisiologia e Metabolismo Animal (UFLA).
Mestre em Medicina Veterinária e Bem-estar Animal (UNISA).
Especializações em Fisiologia do Exercício (UNIP) e em Ortopedia e Fisioterapia Veterinária (UNIP).
Autora do livro: Fisioterapia em Pequenos Animais
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1178-8986

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