O conceito hospice inserido na Medicina Veterinária

Por Mayara Parisi

O conceito hospice inserido na Medicina Veterinária

Conheça mais sobre essa filosofia do cuidado integral e multidisciplinar ao paciente com doença incurável

O cenário de um paciente portador de doença crônica é bastante desgastante, exigindo consultas rotineiras, exames periódicos e momentos de instabilidade do quadro clínico. A dor do sofrimento envolvida nesse processo pode ser maior do que a doença em si, tornando esse percurso ainda mais desgastante e aflitivo para todos os envolvidos.

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Vale destacar que isso não se reflete apenas no paciente em si, mas em toda a família envolvida nesse processo, que lida diariamente com as incertezas da evolução do quadro. Soma-se a esse fato, o sentimento de impotência diante daquela situação, de achar que não está conseguindo oferecer o bastante para o seu “filho”, como muitos pets são considerados atualmente no âmbito familiar.

A situação se torna ainda mais delicada quando há necessidade de uma internação hospitalar. Ou seja, quando os cuidados nosocomiais se tornam imprescindíveis para tirar o paciente de uma situação de risco. Além de toda insegurança e medo, surge naquela família um sentimento de ambiguidade e culpa: é compreensível que a situção clínica exija um suporte técnico e amparo tecnológico para trazer conforto e amenizar o sofrimento de quem lhe é tão especial. Porém, como aceitar a separação física do seu “filho” no momento que ele mais precisa?

Unidade de Terapia Intensiva da Intensive Care – Foto: Divulgação/ Intensive Care

Desta forma, o suporte da internação que deveria ser interpretado como um local seguro e a melhor opção de tratamento em uma situação crítica, muitas vezes é renegado, expondo o paciente aos riscos inerentes da evolução da doença. E é justamente dentro desse cenário que o conceito hospice é inserido.

Hospice não significa, necessariamente, um lugar físico. Se trata de uma filosofia do cuidado integral e multidisciplinar ao paciente com uma doença incurável, em qualquer fase que ela esteja. As necessidades do paciente e de seus familiares passam a ter espaço e serem escutadas no planejamento terapêutico da doença.

Unidade Semi Intensiva, com leitos abertos a fim de proporcionar o máximo de conforto ao paciente como parte do conceito hospice – Foto: Divulgação/ Intensive Care

História

O conceito hospice surgiu em 1967, na Inglaterra, através de Cicely Saunders, que teve sua formação profissional como enfermeira, assistente social e, por fim, como médica. Ela fundou, em Londres, o Saint Christopher’s Hospice, local destinado especialmente para receber pacientes terminais, em que se reuniam especialistas em controle da dor e sintomas. Assim, se deu início ao que se chama hoje de Movimento Hospice Moderno, ampliando o entendimento da palavra hospice. O St Christopher’s Hospice foi também pioneiro no campo dos Cuidados Paliativos dentro da medicina.

No conceito hospice é possível, inclusive, que o tutor fique hospedado junto ao seu animal em um quarto particular de internação – Foto: Divulgação/ Intensive Care

No Brasil

Por aqui, a primeira unidade hospice surgiu em 1944, com importante papel na assistência de pacientes oncológicos. Porém, somente em meados da década de 1990 que o movimento começou a ganhar força e visibilidade.

Hospice passou a representar então, um local que combinava a especificidade de um hospital e a hospitalidade de uma casa de repouso.

O principal preceito dessa filosofia trata-se de focar o tratamento não apenas na doença, mas principalmente no indivíduo. Entender que existe um ser com necessidade particulares, bem como uma família inserida nesse contexto, que igualmente deve ser respeitada e ouvida durante o processo do cuidar.

Espaço de convivência hospice remetendo ao ambiente domiciliar – Foto: Divulgação/ Intensive Care

 

Conceito hospice

Vale ressaltar que o conceito hospice não priva o paciente dos suportes tecnológicos necessários. O paciente é assistido na sua forma mais ampla, recebendo atendimento multiprofissional, bem como toda assistência tecnológica necessária. Busca-se, portanto, conciliar a eficácia técnica à postura ética e acolhedora por parte do médico-veterinário. No entanto, pondera-se o uso continuado e persistente de alta tecnologia, diante das situações em que o paciente necessita de intervenções compatíveis com o alívio do sofrimento.

É importante considerar que os hospice não devem ser considerados locais em que os pacientes são destinados para morrer. Mas sim, um ambiente em que ele vai receber todo o cuidado e suporte necessário, complementando os cuidados da família, a fim de garantir suas necessidades e a qualidade de vida. Esse olhar de forma mais empática fortalece a relação entre o médico veterinário e o tutor do paciente, favorecendo a aderência aos tratamentos, além de proporcionar maior conforto e segurança.

Internação de felinos com baias verticais e isolamento acústico – Foto: Divulgação/ Intensive Care

Caso brasileiro

Nesse contexto, foi inaugurado em São Paulo o centro veterinário Intensive Care, cuja missão envolve a prática da filosofia hospice no atendimento e internação veterinária. O atendimento humanizado proposto entende a família como uma extensão do paciente, acolhendo-a e proporcionando o máximo de conforto, de forma que a mesma se sinta tão bem cuidada quanto o paciente internado. Isso inclui flexibilidade e liberdade para os familiares, sem que haja restrição de horários de visita ou limitação do tempo e número de visitantes. É possível, inclusive, que o tutor fique hospedado junto ao seu animal em um quarto particular de internação.

As instituições hospitalares, historicamente atreladas a normas restritivas e ações voltadas unicamente para o âmbito técnico, felizmente estão sendo reestruturadas com a demanda crescente de um atendimento cada vez mais acolhedor e com foco humanizado dentro da veterinária.

Acolher compreende reconhecer a demanda do tutor, de modo a alinhar suas expectivas com as condutas propostas pelo veterinário, para que seja alcançado um tratamento efetivo e seguro ao paciente.

Por mais dolorido que seja o manejo do paciente com qualquer doença crônica, o esforço pela valorização da vida deve ser reforçado e respeitado até seu verdadeiro fim.

“Você é importante até o último momento da sua vida e faremos tudo o que pudermos não só para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para a viver até morrer…”

– Dame Cicely Saunders.

Mayara Parisi

Mayara Parisi

Possui graduação em Medicina Veterinária pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (2010) e pós-graduação em Oncologia Veterinária pela Universidade Anhembi Morumbi (2016). Em janeiro de 2016 assumiu a coordenação da primeira Unidade de Terapia Intensiva Oncológica Veterinária Intensive Care, se tornando proprietária da unidade. Em agosto de 2016 iniciou como oncologista clínica da OncoCane Veterinária, serviço dedicado ao tratamento oncológico em animais de companhia. É coordenadora da supra especialidade Medicina Oncológica Intensiva e participa do grupo PSICONVET. É membro da Associação Brasileira de Oncologia Veterinária (ABROVET) e tem experiência na área de medicina veterinária, com ênfase em Oncologia e Intensivismo Veterinário. Em 2020, o Intensive Care ampliou sua unidade, estendendo o suporte aos pacientes paliativos em geral, idealizando a prática do conceito hospice na medicina veterinária.

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