AVALIAÇÃO DO COMPROMETIMENTO DA QUALIDADE DE VIDA DO CÃO E DE SEU TUTOR EM CASOS DE DERMATOPATIA ALÉRGICA

Por Maurício Zago Flocke, Jonas do Espírito Santo Novaes e Marcella Feijó Garrido

AVALIAÇÃO DO COMPROMETIMENTO DA QUALIDADE DE VIDA DO CÃO E DE SEU TUTOR EM CASOS DE DERMATOPATIA ALÉRGICA

EVALUATION OF THE COMMITMENT OF THE QUALITY OF LIFE OF THE DOG AND ITS TUTOR IN CASES OF ALLERGIC DERMATOPATHY

1-RESUMO

O presente estudo teve como objetivo coletar dados dos cães atendidos com manifestação de prurido e diagnosticados com algum tipo de dermatopatia alérgica, no Hospital Veterinário da Universidade Anhembi Morumbi (HOVET-UAM).

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Foram coletados dados de 30 animais no período de fevereiro a junho de 2019, com o objetivo de avaliar o comprometimento da qualidade de vida dos animais portadores de algum tipo de dermatopatia alérgica, assim como por consequência avaliar a qualidade de vida do tutor, perante questionários aplicados durante o tratamento.

2- ABSTRACT

The present study aimed to collect data from dogs with pruritus and diagnosed with some type of allergic skin disease, at the Veterinary Hospital of Universidade Anhembi Morumbi (HOVET-UAM). The Data were collected from 30 animals from February to June 2019, with the aim of assessing the quality of life of animals with some type of allergic skin disease, to assess the tutor’s quality of life, using specialized questionnaires during treatment.

Palavras-chave: Qualidade de vida; dermatopatia; atopia; cães; alergia

Key-words: Quality of life; dermatopathy, atopy, dog, allergy

2-INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, dentre inúmeras enfermidades cutâneas que acometem os cães, as dermatopatias alérgicas afetam não somente a pele do animal, mas a qualidade de vida dele e de seu tutor. Definir Qualidade de Vida (QdV) é um conceito extremamente amplo e complexo, como tentar definir a felicidade, que é algo que todos sabemos o que é, mas é difícil de definir simples e sucintamente ¹. Entretanto podemos dividir QdV em alguns conceitos como conforto, necessidades, liberdade, relações sociais, saúde e estresse. A avaliação da QdV de animais de companhia é de suma importância, pois a partir dela define-se o tratamento a ser realizado ou até mesmo a eutanásia, sendo parte central da prática veterinária, além de que a QdV de pequenos animais é usualmente mensurada através de terceiros, sendo estes os tutores ² ou através de observações diretas¹.

Os casos dermatológicos representam uma alta casuística na clínica veterinária, de 30 a 75% ³ e entre esses casos estão presentes as dermatopatias alérgicas, sendo a mais recorrente, a dermatite atópica, que é uma doença que envolve multifatores, como desregulação imune, sensibilização alérgica, defeito de barreira cutânea, colonização microbiana e fatores ambientais 4. As dermatopatias alérgicas têm como sinais clínicos: prurido localizado ou generalizado (leve, moderado ou intenso), lambedura, mordiscamento, alteração de comportamento como irritabilidade, agitação, automutilação, dificuldade para conciliar o sono, entre outros sintomas, levando o tutor a incomodo e acarretando numa diminuição da QdV do mesmo.

3-OBJETIVOS

Os objetivos do presente estudo incluem a análise da percepção do tratamento de cães com dermatopatias alérgicas pelo tutor e a avaliação de qualidade de vida pré-tratamento e pós-tratamento, tanto do cão quanto do tutor.

4-MATERIAIS E MÉTODOS

Foram inclusos 30 cães, que foram atendidos no serviço de Clínica de Pequenos Animais do Hospital Veterinário da Universidade Anhembi Morumbi do período de fevereiro a julho de 2019, com queixas de prurido, principalmente, e após a consulta os tutores dos cães foram submetidos a questionários adaptados de Favrot 5. O primeiro (Q1) no dia da primeira consulta (t0), composto por 28 questões dividas em cinco partes que contemplam dados do paciente, grau de relacionamento cão-tutor, avaliação da qualidade de vida do tutor, avaliação da qualidade de vida do cão perante a visão de seu tutor e por último uma graduação de 0-10 do prurido atualmente. O segundo questionário (Q2), após 30 dias de tratamento (t1), conta com 23 questões dividas também em 5 partes, sendo eles: dados do mesmo, avaliação da qualidade de vida do tutor, avaliação da qualidade de vida do animal perante a visão do tutor, eficácia do tratamento e graduação de 0-10 do prurido atual.

O grau de relacionamento cão-tutor (GRCT), abordado no Q1 será pontuado de -8 a +8, onde tutores com um grau >3 foram considerados com um vínculo próximo com seu animal. Já cada questão dos demais setores presentes em Q2, deverá ser respondida com o grau de concordância adequado de 0 a 5, ou seja, 0-1 foram consideradas como discordância total, notas de 2-3 foram consideradas como concordância parcial e as notas de 4-5 foram consideradas como concordância total, sendo então três tipos de respostas e a alternativa não se aplica foi usado por tutores que não souberam responder. Tais critérios foram adaptados da escala de Likert, com exceção de duas questões, uma abordando a eutanásia do animal, com opções de sim e não, e uma graduação do prurido do anima, avaliando de 0 a 10. Foram considerados critérios de exclusão as seguintes afecções detectadas através de raspado parasitológico cutâneo e citologia cutânea: Escabiose, piodermites, pitirosporose e demodicose.

4.1 FICHA DO PACIENTE

Entre os 30 animais atendidos no Hospital Veterinário Anhembi Morumbi e diagnosticados com algum tipo de dermatopatia, seja ela por picada de ectoparasitas, de causa alimentar ou atopia, as raças dos cães obtidas foram as seguintes:

Tabela 1 – Principais raças acometidas pelas dermatopatias alérgicas

Em relação à idade mais acometida pela doença está compreendida a faixa de 2 a 6 anos. Não houve diferenciação quanto ao sexo, sendo acometidos 15 machos e 15 fêmeas, de acordo com a literatura, onde outros trabalhos corroboram essa afirmação, com 52,7% sendo machos e 47,3% fêmeas6 e 57.91% sendo machos e 42.09% sendo fêmeas 7.

Gráfico 1- Faixa etária mais acometida dos animais

4.2- GRAU DE RELACIONAMENTO CÃO-TUTOR

Quanto ao grau de relacionamento cão-tutor (GRCT), foi obtido que 18 cães (60%) passam a maior parte do tempo ou ficam sempre em casa, 25 tutores permanecem mais que quatro horas junto de seus cães (83%), 24 (80%) são responsáveis por colocar a comida no comedouro do seu cão na maioria das vezes. 17 (56,7%) relataram que saem para passear com seus animais diariamente. Dos 30 tutores, 18 (60%) afirmam dormir com o cão na própria cama, enquanto esse mesmo número, 18 (60%) afirma viver em uma casa com mais de duas pessoas, contra apenas 2 pessoas (6,7%) vivendo sozinhas com o(s) animai(s). Quanto ao número de animais na casa houve uma melhor distribuição, com 12 pessoas (40%) tendo apenas um cão, 10 têm dois cães (33,3%), 6 (20%) possuem mais de dois animais entre cães e gatos, e apenas 2 tutores (6,7%) possuem um cão e um gato. Relativo ao grau de afeição ao seu cão, 15 (50%) consideraram o cão como um membro da família, 13 (43,3%) consideraram ele como um filho, e 2 pessoas (6,7%) consideraram o cão apenas como seu animal. Dentre os entrevistados, 15 (50%) tinham entre 30 e 60 anos, 14 (46,7%) possuíam menos de 30 anos e apenas 1m (3,3%) tinha mais de 60 anos. Dentre estes 30 tutores, 23 eram do sexo feminino (76,7%) e 7, do sexo masculino (26,7%). A partir destes dados, foi possível estabelecer que dos trinta tutores, 13 obtiveram um score >3, indicando um vínculo forte de GRCT 8. O score não apresentou diferença estatística relevante quando comparando diferença de idade, porém quando comparando os sexos, os tutores do sexo masculino obtiveram em maior quantidade um score >3, com quatro representantes (57,14%), enquanto nove mulheres (39,13%) obtiveram este score. Porém é importante salientar que há mais entrevistados do sexo feminino (23) que masculinos (7), portanto este dado deve ser interpretado com cautela. Já comparando as faixas de idade e sexo, homens com menos de trinta anos tiveram mais representantes com score >3 (75%), quando comparados com homens entre trinta e sessenta anos (25%), assim como as mulheres com menos de trinta (54,54%) contra as que estão entre 30 e 60 anos (27,27%).Os dados podem ser vistos na tabela 2.

Tabela 2- Tutores que obtiveram Score de GRCT, maior que 3. *Não houveram homens com mais de 60 anos na pesquisa

RESULTADOS

5.1 QUESTIONÁRIO SOBRE QUALIDADE DE VIDA

5.1.1 DURANTE PRIMEIRO ATENDIMENTO

Na tabela 3, podem ser conferidos os fatores que mais interferiram na qualidade de vida do tutor, e na tabela 4, os fatores que mais interferiram na qualidade de vida do cão, também segundo o tutor, ambos abordados durante a primeira consulta.

Tabela 3- Fatores que interferiram na qualidade de vida do tutor – t(0)
Tabela 4-Fatores que interferiram na qualidade de vida do cão, segundo o tutor – t(0)

5.1.2 QUESTIONÁRIO SOBRE QUALIDADE DE VIDA APÓS TRINTA DIAS

Esse setor apresenta os dados do último encontro com os tutores, dados estes, distribuídos na tabela 5, 6 e 7.

Tabela 5-Fatores que interferiram na qualidade de vida do tutor – t (1)
Tabela 6-Fatores que interferiram na qualidade de vida do cão, segundo o tutor – t (1)or
Tabela 7-Percepção do tratamento do cão, pelo tutor

5.2 AVALIAÇÃO DO PRURIDO AO LONGO DO TRATAMENTO

5.2.1 PRIMEIRO ATENDIMENTO

Durante o primeiro atendimento, 93,33% dos cães apresentavam um prurido acima de 5, sendo a média 7.9, numa escala de 0 a 10.

Gráfico 2-Graduação da nota do prurido pelo tutor, durante primeiro atendimento

5.2.2 APÓS 30 DIAS DE TRATAMENTO

Neste a distribuição ficou equilibrada nas notas abaixo de 7 (86,66%), abaixando a média para 4.9.

Gráfico 3-Graduação da nota do prurido pelo tutor, durante terceiro atendimento

5.3 EUTANÁSIA

Foi levantada a possibilidade de eutanásia, relacionada a diminuição dos cães com dermatopatias alérgicas, em todos os questionários e em todas as vezes foram obtidas respostas negativas, independentemente do grupo que estivesse respondendo à questão, de acordo com a literatura, onde <1% dos tutores responderam de forma afirmativa 8.

6. DISCUSSÃO

É importante ressaltar que a avaliação da qualidade de vida do animal foi feita perante a visão do seu tutor, levando em consideração que alguns tutores tem maior grau de relação cão-tutor, ou seja, passam maior tempo podendo observar seu animal, portanto, devido a essa limitação, os resultados podem ter sofrido influencias.

De acordo com nossos dados, 60% dos cães ficavam a maior parte do tempo dentro de casa, o que vai de acordo com o trabalho de Claude Favrot e colaboradores5 que constava 84,2% dos animais, em sua maioria do tempo, dentro de casa. Cerca de 70% dos tutores relataram estar tristes com a aparência do seu cão, muito semelhante ao estudo de Linek e Favrot8, onde apontaram 80%, porém este número diminui para 53,3% no último questionário, após 30 dias de acompanhamento do animal, relacionando talvez com um sucesso do tratamento.

A questão que abordava os tutores sobre como eles se sentiam sobre a aparência de seus cães, teve discrepância com a literatura, visto que mais da metade dos tutores, 26 pessoas (86,6%) negaram essa afirmação, já na literatura foi visto que quase metade, 43%, se sentiam incomodados com aparência do seu cão, o achando feio 9. O fator que mais diminuiu comparando o primeiro e o último questionário, foi em relação ao que justamente mais incomodou os tutores, o fato de o cão interromper o sono para se coçar, que foi apontado por 73,3% dos tutores e diminuiu para 33,3%.

Considerando a qualidade de vida do cão, os únicos fatores que tiveram uma melhora estatisticamente relevante foram a diminuição do interrupção do sono para se coçar, lamber e morder e a volta do comportamento normal do cão, se diferenciando dos estudos de Noli e colaboradores10 , que evidenciaram uma melhora em todos os quesitos, com exceção do incomodo causado pela administração das medicações.

7-CONCLUSÃO

De acordo com os dados obtidos pelas respostas dos tutores, apesar dos cães em sua maioria se manterem ativos, sem alterar comportamento, não estarem mais cansados e continuarem dormindo, eles acordam durante a noite para se coçar, algo que foi relatado durante as duas etapas do questionário. Isso pode ter sido relatado em grande parte, pois 60% dos tutores dormem com seus cães na cama também, fazendo com que o cão coçando durante a noite também atrapalhe seu sono.

Do ponto de vista do tutor, ao contrário do que foi imaginado antes, a discordância quanto as questões relacionadas à aparência do cão, cheiro ou evitar levar seu animal para sair perto de outros cães, se manteve alta, mostrando que do ponto de vista dos tutores analisados, o fator estético não foi tão importante.

O fator relacionado ao limite de gastos, que teve uma taxa alta de concordância durante a primeira abordagem, com cerca de 40% número parecido com o encontrado em Linek e Favrot8, de 41%, este número diminui para 16,6%, podendo ser relacionado com tratamentos mais específicos de seus respectivos quadros alérgicos, minimizando custos com medicações que talvez não fossem necessárias em tratamento anteriores, a assim como o fato de cuidar da doença do animal ser um fardo aos donos, que caiu de 20, para 6,6%.

O fator mais evidente quanto à qualidade de vida do tutor foi o sentimento de tristeza ao ver seu cão doente, contando com 70% de concordância, podendo ser um dos principais motivos ao levar o animal ao veterinário, além do prurido de alta intensidade, com 83,3% dos cães com uma nota de prurido acima de 7, numa escala de 0 a 10, durante a primeira consulta.

Outro ponto quanto ao tratamento, é a procura por uma medicação que se mantenha com um bom custo-benefício, pois apenas 23,33% aprovaram este quesito. Porém o que principalmente precisa ser feito é elucidar ao tutor o fato de que as doenças alérgicas não têm cura, mas um controle pois diferentemente dos estudos realizados por Linek 8, em que 70% dos tutores concordavam que o cão precisaria de medicações ao longo da vida, apenas 30% dos tutores acreditou nisso após 30 dias de tratamento.

Também são necessários mais estudos para referências de valores de qualidade de vida dos cães, e decidir até que ponto a doença interfere nela, até para manter uma maior adesão dos tutores ao tratamento, afinal este é longo e não proporciona uma cura.

8-FONTES CONSULTADAS

1. MCMILLAN, F. Quality of life in animals. Journal of the American Veterinary Medical Associatio,. V. 216. N°12. p.1904-1910. 15 de jun. 2000

2. TAYLOR, K. D.; M.; MILLS, D.S.. Quality of life in animals-Useful concept or reinvented wheel. Animal Behaviour, Cognition and Welfare Group, Department of Biological Sciences, University of Lincoln, Riseholme Park, Lincoln, UK, Maio de 2007.

3. LUCAS, R. Semiologia da pele. FEITOSA, F. L. F. Semiologia Veterinária: a arte do diagnóstico. São Paulo: Roca. cap. 12, p. 581-612. 2008

4-NUTTALL, T., URI, M., HALLIWELL, R. Canine atopic dermatitis – what have we learned? Veterinary Record Vol. 172, p. 201-207. 22 de fev. 2013

5-FAVROT, C. et al., Development of a questionnaire to assess the impact of atopic dermatitis on health‐related quality of life of affected dogs and their owners. Veterinary Dermatology, 21: 64-70. 2010

6-GASPARETTO, ND. et al., Prevalência das doenças de pele não neoplásicas em cães no município de Cuiabá, Mato Grosso. Pesq. Vet. Bras., Rio de Janeiro, v. 33, n. 3, p. 359-362, Mar. 2013.

7-KHOSHNEGAH, J; MOVASSAGHI2, A.R.; RAD, M. Survey of dermatological conditions in a population of domestic dogs in Mashhad, northeast of Iran (2007-2011). Veterinary Research Forum, Mashhad, Iran, v. 4, n. 2, p. 99-103, 15 maio 2013. Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4313009/. Acesso em: 7 nov. 2019.

9- LISTA DE ABREVIAÇÕES

QdV – Qualidade de vida

GRCT – Grau de Relacionamento cão-tutor

Q1 – Questionário um

Q2 – Questionário dois

Maurício Zago Flocke

Médico Veterinário graduado pela UNISA 2005. Pós-graduação Latu Sensu em Clínica Médica de Pequenos Animais pela UNISA 2005 – 2007. Residência em clínica médica HOVET-UNISA 2007-2009. Foi médico contratado do setor de clínica médica do HOVET-UNISA 2009 – 2013. Foi subcoordenador geral do Hospital Veterinário Petcare (Unidade Ibirapuera) 2013 - 2016. Atualmente é médico veterinário contratado do setor de Clínica Médica do HOVET ANHEMBI MORUMBI. Faz parte da equipe de dermatologia do Hospital Veterinário Petcare e realiza atendimentos dermatológicos por diversas clínicas de São Paulo.

Jonas do Espírito Santo Novaes

Estudante do 10° semestre de Medicina Veterinária na Universidade Anhembi Morumbi.

Marcella Feijó Garrido Nóbrega

Estudante do 10° semestre de Medicina Veterinária na Universidade Anhembi Morumbi.

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