Malassesioze Ototegumentar: um desafio na prática clínica

Por Laura Carolina Barbosa

Malassesioze Ototegumentar: um desafio na prática clínica

A Malasseziose ou dermatite causada por Malassezia são os termos empregados para definir a doença causada pelas leveduras do gênero Malassezia sp na pele de cães e gatos. Essa dermatose pode se manifestar na forma tegumentar ou na forma otológica (otomicose).

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A forma tegumentar caracteriza-se por uma micose superficial que é comum em cães e raras em gatos, causada pela proliferação de Malassezia sp na pele dos animais; a forma otológica acontece devido a inflamação do meato acústico externo decorrentes do número excessivo dessas leveduras.

A primeira espécie isolada foi a Malassezia pachidermatis, e até o momento um total de 18 espécie foram descritas. Dentre as 18 espécies, 17 são consideradas lipofílicas e apenas a Malassezia pachidermatis é lipodependente. Todas as espécies possuem similaridades morfológicas, fisológicas e bioquímicas, dessa forma a identificação da espécie necessitam de métodos moleculares que propiciam informações precisas sobre comportamento epidemiológico e ecológico desse gênero.

A Malassezia sp. faz parte da microbiota fúngica cutânea e ótica de cães e gatos hígidos e pode ser isolada em várias espécies de animais, inclusive no ser humano. O tamanho da população varia entre os locais anatômicos e entre as diferentes raças. As populações de Malassezia comensais podem proliferar ou induzir uma resposta inflamatória sob a influência de vários fatores predisponentes do hospedeiro, como por exemplo, endocrinopatias, distúrbios de hipersensibilidade, doenças parasitárias, defeitos de cornificação e presença de dobras cutâneas. Algumas patologias geram o excesso de sebo ou cerúmen ou ruptura da barreira epidérmica o que favorecem a reprodução exacerbada dessa levedura.

As leveduras do gênero Malassezia são produtoras de várias enzimas. Tais como lípases, lipo-oxigenase, fosfolipase, fosfatase, protease, condroitin sulfatase e galactosidase, que participam diretamente do prurido e inflamação cutânea, observadas tanto nos quadros tegumentares e otológicos. Todas as espécies de Malassezia são capazes de produzir biofilme, que favorecem a adesão do microorganismo a superfícies da pele, e dificultam a ação de drogas antimicrobianas contra os microorganismos.

A apresentação clinica mais comum nos cães e gatos são: eritema, presença de escamas e prurido, favorecendo principalmente as regiões de intertrigo. Secundários a essas alterações temos hiperpigmentação, liquenificação, alopecia traumáticas, oleosidade aumentada, odor rançoso e otite externa. Alguns casos podem vir acompanhado de paroníquia.

Estudos demonstram que a malasseziose tegumentar e otológica primária é rara, sendo possível a identificação de causa de base ou fatores predisponentes na maioria dos casos.

O diagnóstico pode ser feito durante a resenha e anamnese, onde a partir do quadro sintomatológico e lesional, pode-se evidenciar fatos preexistentes que caracterizam a enfermidade de base. A confirmação etiológica é dada pelo isolamento e identificação do agente, por exame citológico direto, cultivo micológico, exame histopatológico de biopsia cutânea ou ainda por observação da resposta a terapia antifúngica.

Dentre os métodos diagnósticos o exame direto é o mais indicado, pois é rápido, de baixo custo e permite a quantificação do agente. As leveduras do gênero Malassezia apresentam o formato ovalado, sub-globuloso a elipsoidal (com aspecto dito “em pegada”, “amendoim”, “garrafa ou piriforme). Esse método pode ser obtido mediante a observação de 10 campos microscópicos na objetiva de imersão. Alguns autores consideram normal  a presença de até 2 leveduras por campo, enquanto que a pele ou meato acústicos doente teria de duas a dez ou mais leveduras por campo.

O método micológico é o método mais sensível, porem apenas nos dá uma noção qualitativa e tem baixa acurácia diagnostica. Esse método é indicado em casos onde existe uma forte evidência clínica da ocorrência da malasseziose, mas o exame citológico das lesões mostra-se negativo.

O exame Histopatológico é um método de baixo valor diagnóstico, pois os achados são bastante inespecíficos. É possível a identificação das leveduras na camada córnea em 70% dos casos e a coloração usada para esse método diagnóstico é a PAS. É importante salientar que a Malassezia pachydermatis é um comensal na pele e pode ser observada na queratina superficial de várias dermatopatias, porém o achado de leveduras nos folículos pilosos parece ser muito significativo no diagnóstico de malasseziose cutânea pela histologia.

Dentre os diagnósticos diferenciais temos:

– Dermatite atópica

– Dermatite alérgica a picada de ectoparasitas

– Hipersensibilidade alimentar

– Foliculite bacteriana

– Demodicidose

– Escabiose

– Acne Felina

– Acantose nigricante

– Dermatite seborreica     

O prognóstico das formas cutâneas e otológicas é favorável desde que se descubra a causa de base.

O fator mais importante para o sucesso da terapia é a identificação e correlação de fatores primários responsáveis por perpetuar os quadros de malasseziose. Uma vez identificado esses fatores, interpõem-se a terapia medicamentosa, sistêmica, tópica ou a combinação de ambas.

O tratamento tópico na malasseziose é muito importante, pois visa combater a população fúngica, a oleosidade, descamação cutânea e também contribuição para manutenção do controle da Malasseziose. Os shampoos devem ser empregados uma a duas vezes por semana e deixados agir por 10 minutos sobre a pele antes do enxágüe, uma vez que a maioria dos princípios agem por contato.

Para tratamento tópico em cães o mais indicado são os banhos com shampoo contendo Miconazol 2% e Clorexidine 2%. Como tratamento alternativo temos a Clorexidina 3% que tem uma eficácia moderada para o tratamento da Malasseziose. Outras opções são shampoos contendo alcatrão, enxofre e ácido salicílico que tem propriedades queratolíticas, queratoplástica, anti-bacteriana e leve ação anti-fungica. O peróxido de benzoila possui ação anti-inflamatoria, queratolítica e antifúngica. O sulfeto de Selênio de 1-3,5% possui ação fungicida moderada, queratolítica e desengordurante.

A terapia sistêmica, por sua vez, consiste no emprego de derivados azólicos, tais como cetoconazol, itraconazol, fluoconazol,econazol, miconazol e clotrimazol

Para Tratamento via oral podemos usar o cetoconazol 5-10mg/kg a cada 24horas, preferencialmente após as refeições. O cetoconazol possui além da ação fungicida, propriedades anti-inflamatórias e efeito imunomodulador. Os gatos são mais sensíveis aos seus efeitos colaterais quando comparados aos cães. Os efeitos colaterais mais comuns são: hepatotoxicidade, emese, diarréia, anorexia e efeitos neurológicos.

O itraconazol é mais eficaz que o cetoconazol e possui menos efeitos colaterais, sendo considerado uma droga mais segura, tanto para cães quanto para gatos. Sua dose é de 5-10mg-kg a cada 24horas.

Como alternativa ao tratamento em cães temos o fluconazol usado na dose de 1,25 – 2,5mg-kg a cada 12horas; a terbinafina possui propriedades imunomoduladoras e anti-inflamatórias e é utilizada na dose de 30mg-kg, a cada 24horas.

A otite malassézica pode ser tratada topicamente, com clotrimazol, nistatina, miconazol e tiabendazol. A utilização da combinação antifúngica com glicocorticóides tópicos mostrou-se bastante superior, principalmente na redução do prurido, quantidade de cerúmen e do eritema, quando comparados ao uso isolado de antifúngicos tópicos.

Tratamento de casos crônicos e recidivantes de dermatite por Malassezia em cães e gatos é comum e pode ser frustrante, tanto para o tutor como para o médico veterinário, além do fator financeiro poder limitar o tratamento proposto. Dessa forma é de extrema importância a identificação da causa de base primária para o controle dessa dermatopatia tão comum na prática clínica.

Referências bibliográficas:

BENSIGNOR, E. Treatment of Malassezia otitis in dogs: a comparative Trial. ESVD and ACVD. Veterinary dermatology, n.15 (Suppl 1), p. 45, 2004.

BOND, R.; MORIS, D.O; GUILLOT, J.;  BENSIGNOR, E.J.; ROBSON. D.; MASON, K.V.; KANO, R.; HILL; P.B. Biology, diagnosis and treatment of Malassezia dermatitis in dogs and cats. Veterinary DermatologY, v. 31, n.1,p. 27-e4.

MACHADO, L.S.M. Malassezia ssp. na pele de cães: frequência, densidade populacional, sinais clínicos, identificação molecular e atividade fosfolipidica. 1-87. (Programa Pós Graduação em Ciência Veterinária)- Universidade federal do Rio Grande do Sul, Porto alegre, 2010.

MAZZEI, C.R.N. Malasseziose Ototegumentar. In: LARSSON, C.E; LUCAS, R. Tratado de Medicina Interna: dermatologia veterinária. 2.ed . São Caetano do Sul: Interbooks, 2020. cap.15, p. 277-290.

Laura Carolina Barbosa

Formada pela UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná), em 2010, atua desde então, na área de clinica médica de pequenos animais. Possui mestrado na UNESP, campus Botucatu (2013-2015) na área de afecções clinicas de pequenos animais com ênfase em dermatologia. Desde 2015 atende como dermatóloga volante. Telefone para contato (Whats): (19) 99794-0283 – Atendimento em campinas e região.

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