Neoplasias encefálicas: revisão de literatura

Por Flora Pereira Oriques, Letícia Spillere Vieira, Rafaela Cardoso Barceló e Msc. Jairo Nunes Balsini

INTRODUÇÃO

Neoplasias encefálicas são as causas mais comuns de disfunções neurológicas em cães [1,2] chegando em uma incidência de 3% no total de indivíduos da espécie canina [2,3]. Os cães com idade avançada, a partir de 7 anos (média de 10 a 11 anos), são os que possuem maior probabilidade de desenvolver uma neoplasia [4,5], entretanto, há relatos da ocorrência de meningiomas em cães jovens, com aproximadamente 6 meses [6].

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Os tumores mais comuns em cães são intitulados “tumores primários do sistema nervoso central”. Dentro desta classificação tem-se os tumores mais recorrentes como os meningiomas, de origem mesodérmica, seguidos dos gliomas, que são tumores de origem neuroectodémica (astrocitomas e oligodendrogliomas) e, por fim, tumores encontrados com menor frequência como tumores do plexo coróide, sarcomas indiferenciados, meduloblastomas, neuroblastomas e ependimomas [7].

2 MENINGIOMA

Os meningiomas são as neoplasias mais observadas em cães, chegando a 40% do total de neoplasias encefálicas caninas, e possui maior frequência nas raças dolicocefálicas e de grande porte especialmente Golden Retriever, porém, há relatos mais antigos onde revelam que fêmeas da raça Boxer, demonstram uma predisposição à ocorrência do meningioma, entretanto, não há estudos recentes que comprovam essa informação [4,5]. O meningioma se origina a partir das células meningoteliais das membranas aracnóide ou pia-máter [8], e está localizado extra-axialmente, próximo a região superior do crânio [9] e, muitas vezes, abrange a região olfatória e frontal do animal [4].

Sua maioria se desenvolve como uma única massa solitária, porém casos de múltiplos tumores já foram relatados. Através de estudos pode ser dizer que os meningiomas tendem a ter massa firme, possuindo uma base ampla que os mantém anexados na camada intermediária das meninges, além de demonstrarem muitas vezes margens tumorais contrastantes e uniformes. Portanto, a sua localização e origem celular da crista neural, fazem do meningioma umas das poucas neoplasias susceptíveis a excisão cirúrgica. O meningioma canino apresenta, uma vasta gama de padrões histológicos que se correlacionam com padrões semelhantes observados no meningioma humano [10,11].

Na maioria dos casos os sinais clínicos são reflexos dos déficits neurológicos causados a partir da área onde o meningioma está localizado, uma vez que este comprime ou invade determinada área do cérebro. No entanto, os sinais clínicos também podem indicar déficits multifocais. Essa invasão ou compressão direta no tecido cerebral também pode levar a doenças secundárias como edemas, hemorragias e inflamações. Apesar de depender da localização da neoplasia no sistema nervoso central, os sinais clínicos mais comuns são: convulsões, síndrome vestibular, dor em região cervical, amaurose, anisocoria, alteração de apetite, regurgitação e andar em círculos [5].

Para o diagnóstico, a tomografia computadorizada ou ressonância magnética da região encefálica são consideradas os métodos padrões, antes de qualquer intervenção neurocirúrgica intracraniana ou procedimento para biopsia. O diagnóstico também dependerá de um hemograma completo e perfil bioquímico sérico [12].

Como os avanços no campo da neurooncologia veterinária estão cada vez mais evidentes, novas práticas de diagnóstico estão sendo aplicadas, como a realização da biopsia dos tumores. Esta técnica facilitará a caracterização histomorfológica e molecular dos tumores cerebrais caninos [13,14].

Figura 1 | Meningioma em cão. (A) Ressonância Magnética. (B) Amostra de necropsia. Fonte: Canine Primary Intracranial Cancer: A Clinicopathologic and Comparative Review of Glioma, Meningioma, and Choroid Plexus Tumors. [13].

Os benefícios obtidos através da ressecção cirúrgica de tumores cerebrais são variados, possuindo rápida redução ou eliminação da carga tumoral e redução da pressão intracraniana, além de ser possível a coleta de amostras para diagnóstico histopatológico definitivo do tumor. Ainda assim, existem variáveis que prejudicam as comparações de estudos que avaliam a eficácia do tratamento cirúrgico, que vão desde a experiência do cirurgião, disponibilidade, uso de protocolos e até tecnologias e técnicas utilizadas durante o procedimento cirúrgico [15,16]

O procedimento cirúrgico é seguido de terapia incisiva para manutenção de qualquer intercorrência no período pós operatório do animal. O aumento da PIC e pneumonia por aspiração podem ocorrer e serem limitantes para a vida do paciente. Muitas vezes, além da realização da cirurgia, o paciente terá que seguir com tratamento quimioterápico para uma qualidade de vida melhor e mais prolongada [17].

3 GLIOMA

Os gliomas em sistema nervoso central em cães podem ser descritos como tumores cerebrais primários comuns e constituem metade das neoplasias intracranianas [18]. Podem envolver astrócitos, oligodendrócitos, ependimócitos e micróglia, dessa forma acabam se incluindo no grupo dos astrocitomas, oligodendrogliomas, ependimomas, oligoastrocitoma e suas variações assim tendem a ocupar uma localização intraaxial e muitas vezes invadem o parênquima cerebral. Embora seu comportamento biológico seja mal compreendido, é aceito que são malignos por natureza, com uma tendência de subverter o tecido circundante [19]. São a segunda neoplasia intracraniana de maior prevalência observada em cães [9].

A maior frequência desta enfermidade ocorre em cães entre sete a oito anos de idade e em raças de grande porte como Boxers, Boston Terriers e Bulldogs [20, 21].

Figura 2 | Glioma em cão. (A) Ressonância Magnética. (B) Amostra de necropsia. Fonte: Canine Primary Intracranial Cancer: A Clinicopathologic and Comparative Review of Glioma, Meningioma, and Choroid Plexus Tumors. [13]

Assim como observado em qualquer lesão de encéfalo, os tumores intracranianos demonstram sinais clínicos referentes à localização da neoplasia. A própria elevação da pressão intracraniana pode ser resultado de uma obstrução dos ventrículos. Em termos gerais os sinais seriam: andar em círculos, compulsivos, progressão obstinada, déficits motores e /ou disfunções vestibulares, convulsões, alterações de comportamento, estrabismo e nistagmo [22]. Segundo Dewey e Costa (2017), são dois os exames recomendados para o diagnóstico: TC e RM, sendo a última a mais utilizada para a detecção mais efetiva. Já a avalição por LCR neste tipo de suspeita ainda é inconsistente, uma vez que os indicadores, tais como as células brancas e as proteínas, são variáveis e inespecíficas. Por outro lado, um estudo de grande escala em cães demonstrou que a metade dos tumores de 1º grau acomete mais do que uma região anatômica do encéfalo. Mesmo com o grande avanço no estudo da oncogênese, há poucas informações a respeito do tratamento definitivo de gliomas intracranianos em cães. O tratamento é dividido em categorias de suporte e definitiva. A terapia de suporte destina-se ao alívio dos efeitos secundários ao tumor, enquanto a terapia definitiva visa diminuir o volume tumoral ou eliminar o tumor, várias modalidades terapêuticas novas estão sendo avaliados, esses métodos visam principalmente tratar as neoplasias intra-axiais como gliomas [23].

A radioterapia é o tratamento não cirúrgico mais importante nos gliomas de alto grau. Os pesquisadores apontam que a radioterapia isoladamente pode resultar em sobrevida de 6 a 10 meses [24].

Técnicas modernas utilizando radioterapia de intensidade modulada, possibilitam que seja aberta uma escotilha focal exata do tumor, reduzindo assim em mínimo a quantidade de tecido cerebral normal incluída no campo da radioterapia [25]. No entanto a remoção cirúrgica pode não ser um tratamento definitivo devido à falta de margem e a característica impregnativa dos gliomas [24].

 

REFERÊNCIAS

1.LUGINBUHL H, FRANKHAUSER R, MCGRATH JT. Spontaneous neoplasms of the central nervous system in animals. Prog Neurol Surg 1968;9:85–164.

2.ZAKI FA. Spontaneous central nervous system tumors in the dog. Vet Clin N Am Small Anim Pract 1977;7:153–163.

3.VANDEVELDE M. Brain tumors in domestic animals: An overview. Proceedings, Conference on Brain Tumors in Man and Animals, Research Triangle Park, NC; 1984.

4.STURGES BK, DICKINSON PJ, BOLLEN AW, KOBLIK PD, KASS PH, KORTZ GD, et al. Magnetic resonance imaging and histological classification of intracranial meningiomas in 112 dogs. Journal of Veterinary Internal Medicine/American College of Veterinary Internal Medicine 2008; 22: 586–595.

5.SNYDER JM, SHOFER FS, VAN WINKLE TJ AND MASSICOTTE C. Canine intracranial primary neoplasia: 173 cases (1986–2003). Journal of Veterinary Internal Medicine 2006; 20: 669–675.

6.KELLER ET AND MADEWELL BR. Locations and types of neoplasms in immature dogs: 69 cases (1964–1989). Journal of the American Veterinary Medical Association 1992; 200: 1530–1532.

7. NAFE LA. The clinical presentation and diagnosis of intracranial neoplasia. Sem Vet Med Surg 1990;5:223–231.

8.PERRY A, BRAT DJ. Practical surgical neuropathology: a diagnostic approach. Amstredam: Elsevier Health Sciences; 2010.

9.MOTTA L, MANDARA MT, SKERRITT GC. Canine and feline intracranial meningiomas: an updated review. Vet J. 2012;192(2):153–65.

10. MCDONNELL JJ, KALBKO K, KEATING JH, SATO AF, FAISSLER D. Multiple meningiomas in three dogs. J Am Anim Hosp Assoc. (2007) 43:201–8.

11. KOESTNER A, BILZER T, FATZER R, SCHULMAN FY, SUMMERS BA, VAN WINKLE TJ. Histological Classification of Tumors of the Nervous System of Domestic Animals. Washington, DC: Armed Forces Institute of Pathology (1999).

12. ROSSMEISL JH, ANDRIANI RT, CECERE TE, et al. Frame-based stereotactic biopsy of canine brain masses: technique and clinical results in 26 cases. Front Vet Sci. 2015; 2:20.

13. MILLER AD, MILLER CR, ROSSMEISL JH, et al. Canine Primary Intracranial Cancer: A Clinicopathologic and Comparative Review of Glioma, Meningioma, and Choroid Plexus Tumors. Colorado, Frontiers in Oncology. (2019).

14. LEBLANC AK, MAZCKO C, BROWN DE KOEHLER JW, MILLER AD, MILLER CR, et al. Creation of an NCI comparative brain tumor consortium: informing the translation of new knowledge from canine to human brain tumor patients. Neuro Oncol. (2016) 18:1209–18.

15. ROSSMEISL J. Maximizing local access to therapeutic deliveries in glioblastoma. Part V: Clinically relevant model for testing new therapeutic approaches. In: DeVlesschouwer S, editor. Glioblastoma. Brisbane, AU: Codon Publications. (2017) 21:405–25.

16. ROSSMEISL JH JR, GARCIA PA, DANIEL GB, BOURLAND JD, DEBINSKI W, DERVISIS N, et al. Invited review–neuroimaging response assessment criteria for brain tumors in veterinary patients. Vet Radiol Ultrasound. (2014) 55:115–32.

17. NANDA A, BIR SC, MAITI TK, KONAR SK, MISSIOS S, GUTHIKONDA B. Relevance of Simpson grading system and recurrence-free survival after surgery for World Health Organization Grade I meningioma. J Neurosurg. (2017) 126:201–11.

18. COATES, J.R. & JOHNSON, G.C. 2010. Nervous system neoplasia, p. 186-194. In: Henry, C.J. & Higginbothan M.L. Cancer Management in Small Animal Practice. 1st ed. Sauders, Missouri.

19. CASTRO, M. D. E. (2018). Glioma em sistema nervoso central em cão: relato de caso, 1, 189–197.

20. MCENTEE MC, DEWEY CW. Tumors of the nervous system. In: Withrow SJ, Vail DM, Page RL, eds. Withrow and MacEwen’s Small Animal Clinical Oncology. 5th ed. Philadelphia, PA: Saunders; 2013: 583-596.

21. S. J. MOIRANO 1, C. W. DEWEY 2,3,4, K. Z. WRIGHT 5,6, P. W. COHEN. Survival times in dogs with presumptive intracranial gliomas treated with oral lomustine: A comparative retrospective study (2008-2017), Received: 8 November 2017 Revised: 28 March 2018 Accepted: 29 March 2018 DOI: 10.1111/vco.12401.

22. SONG B, VITE C.H., BRADLEY CW, CROSS JR. Postmortem Evaluation of 435 Cases of Intracranial Neoplasia in Dogs and Relationship of Neoplasm with Breed, Age, and Body Weight. J Vet Intern Med 2013; 27(5): 1143–1152.

23. DINIZ, S.A; Neoplasia intracraniana em cães: uma abordagem diagnostica, USP. São Paulo. Pg 27- 28, 2007.

24. DEWEY, C. W; COSTA, R. C.; Neurologia Canina e Felina: guia prático; tradução Fabiana BuassalyLeistner – São Paulo; Editora Guará. Pag.213-215-216-221-22-223. 2017.

25. BAGLEY R. S. Coma, stupor and behavioural change. In: BSAVA manual of canine and feline neurology. 3ª ed. Georgia, USA: BSAVA, 2004, p.113-132.

26. MERRIT, H. HOUSTON: Tratado de Neurologia / editora de Lewis P. Rowland; revisão técnica Jóse Luiz de Sá Cavalcanti; tradução Fernando Diniz Mundini – Rio de Janeiro; Guanabara Koogan. Pag 370. 11 edição, 2007.

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Flora Pereira Oriques

Graduação em andamento em Medicina Veterinária pela Universidade do Sul de Santa Catarina, vice-presidente da Liga Acadêmica de Estudos em Neurologia Veterinária (LANEV) e segunda secretária do Centro Acadêmico de Medicina Veterinária (CAMVET) na mesma instituição.

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Rafaela Cardoso Barceló

Graduanda em andamento em Medicina Veterinária pela Universidade do Sul de Santa Catarina, secretária da Liga Acadêmica de Estudos em Neurologia Veterinária (LANEV), membro da Liga Acadêmica de Cirurgia Veterinária (LACV) e Tesoureira do Centro Acadêmico de Medicina Veterinária (CAMVET) na mesma instituição.

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Letícia Spillere Vieira

Graduanda em andamento em Medicina Veterinária pela Universidade do Sul de Santa Catarina, membro da Liga Acadêmica de Estudos em Neurologia Veterinária (LANEV), membro da Liga Acadêmica de Cirurgia Veterinária (LACV) na mesma instituição.

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