Doença Inflamatória Intestinal x linfoma – Uma visão ultrassonográfica

Por: Matheus Daudt

Doença Inflamatória Intestinal x linfoma – Uma visão ultrassonográfica

A avaliação ultrassonográfica do trato gastrointestinal (TGI) é amplamente utilizada na medicina veterinária fornecendo informações importantes sobre a arquitetura das camadas intestinais e em relação à motilidade intestinal, sendo possível identificar processos obstrutivos, corpos estranhos e alterações infiltrativas. Com a evolução dos equipamentos os transdutores de alta resolução melhoraram a aquisição das imagens, produzindo imagens de alta qualidade aumentando, assim, a sensibilidade diagnóstica.

O exame ultrassonográfico em felinos ainda é considerado um desafio por muitos ultrassonografistas, principalmente na avaliação do trato gastrointestinal, onde há uma limitação para diferenciar algumas causas etiológicas para a mesma imagem ultrassonográfica do intestino delgado nessa espécie.

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Doença inflamatória intestinal:

A doença inflamatória intestinal (DII) felina é caracterizada como uma enteropatia crônica decorrente da resposta excessiva a uma estimulação antigênica. Sua causa ainda é desconhecida, mas acredita-se que interações complexas entre fatores ambientais (desequilíbrio da microbiota intestinal e componentes alimentares) e resposta imunológica estão envolvidos na etiopatogenia. Sua classificação se dá de acordo com o tipo de célula inflamatória infiltrada na parede do TGI, sendo as mais comuns, a enterite linfocíticaplasmocitária, a enterite linfocítica e a colite linfocíticaplasmocítica. (JERGENS; 2012)

Linfoma alimentar:

O linfoma é uma neoplasia, caracterizada pela proliferação de linfócitos malignos em órgãos linfóides ou qualquer outro órgão, sendo o linfoma alimentar a forma de maior ocorrência em gatos domésticos, acometendo os órgãos do trato gastrointestinal (TGI). O linfoma alimentar pode ser classificado em três graus histológicos: Baixo grau (linfocítico), intermediário e de alto grau (linfoblástico ou de grandes células). Mais de 90% dos linfomas alimentares de baixo grau são de imunofenótipos de células T, enquanto os de alto grau são de origem variável, de células B ou T (BARRS, BEATTY; 2012).

Ultrassonografia do trato gastrointestinal normal de gatos:

Cinco camadas ultrassonográficas podem ser identificadas compondo a parede do TGI, do lúmen até a interface serosa podemos identificar uma camada hiperecogênica correspondente à interface luminal, a mucosa hipoecogênica, a submucosa hiperecogênica, a camada muscular hipoecogênica e a serosa hiperecogênica (Figura 1) (PENNINCK, D’ANJOU; 2015).

Estudos prévios foram feitos para determinar a espessura normal da parede de cada segmento intestinal e, também, a espessura de cada uma de suas cinco camadas (Tabelas 1 e 2).

Figura 1. Imagens ultrassonográficas do trato gastrointestinal normal de um gato evidenciando as cinco camadas de acordo com as seguintes regiões: (A) Imagem de Estômago; (B) intestino delgado (AI) com suas camadas identificadas pelas setas; (C) segmento de íleo e (D) representando corte transversal da junção ileocólica (JIC) com a representação da medida da parede entre as dobras (linha amarela tracejada). Fonte: arquivo pessoal
Tabela 1: Medidas das espessuras dos segmentos intestinais em milímetros. Adaptado de Newell; 1999; Goggin; 2000 e Di Donato; 2014. – Tabela 1: Medidas das espessuras dos segmentos intestinais em milímetros. Adaptado de Newell; 1999; Goggin; 2000 e Di Donato; 2014.
Tabela 2: Medidas das espessuras das camadas intestinais em milímetros nos diferentes segmentos intestinais. Adaptado de Di Donato; 2014.

Ultrassonografia na doença inflamatória intestinal (DII) x linfoma alimentar:

Durante o exame ultrassonográfico intestinal torna-se fundamental avaliar não apenas a medida total da espessura das alças, mas também de cada camada da parede intestinal, visto que, tanto em gatos com doença inflamatória intestinal quanto com linfoma alimentar de baixo grau há um aumento da espessura da camada muscular (Figura 2), sendo a razão da camada muscular para submucosa > 1 indicativa de um segmento intestinal anormal (DANIAUX et. al.; 2014; ZWINGENBERGER et. al.; 2010).

Já os achados ultrassonográficos de linfoma de alto grau incluem espessamento da parede do intestino, dando um aspecto de massa, com diminuição da ecogenicidade e perda da estratificação de camadas (Figura 3). (GROOTERS et al.; 1994; BARRS, BEATTY; 2012)

Figura 2. (A) segmento de alça intestinal evidenciando espessamento da parede, com maior evidência da camada muscular (seta amarela). (B) Junção ileocólica (JIC) evidenciando espessamento de camada muscular (seta amarela). Figura 2. (A) segmento de alça intestinal evidenciando espessamento da parede, com maior evidência da camada muscular (seta amarela). (B) Junção ileocólica (JIC) evidenciando espessamento de camada muscular (seta amarela). Figura 2. (A) segmento de alça intestinal evidenciando espessamento da parede, com maior evidência da camada muscular (seta amarela). (B) Junção ileocólica (JIC) evidenciando espessamento de camada muscular (seta amarela). Fonte: arquivo pessoal
Figura 3. A e B imagens ultrassonográficas de segmento de alça intestinal em região mesogástrica esquerda, evidenciando espessamento parietal com diminuição da ecogenicidade e perda da estratificação de camadas. Imagens gentilmente cedidas pela Drª. Denise do Vale Soares
Figura 4. (A) imagem ultrassonográfica de íleo em corte longitudinal na região de junção ileocólica, evidenciando espessamento da parede com evidência da camada muscular. (B) Junção ileocólica (JIC), em corte transversal. Nota-se reatividade mesentérica adjacente (seta amarela). (C) Linfonodo ileocecal, aumentado de tamanho, com margens abauladas e difusamente hipoecogênico (seta amarela). – Fonte: arquivo pessoal

Linfadenopatia tem sido relatada em gatos com linfoma e doença inflamatória intestinal, sendo visualizados linfonodos cólicos e jejunais aumentados de tamanho, arredondados e hipoecogênicos. (DANIAUX et. al.; 2014; ZWINGENBERGER et. al.; 2010; BAEZ et. al.; 1999)

Em gatos com sintomas clínicos de doença gastrointestinal (vômitos agudos ou diarreia) é comum evidenciar alterações em junção ileocólica, como o aumento dos linfonodos ileocecais, hiperecogenicidade mesentérica focal e discreto acúmulo de líquido adjacente (Figura 4), mesmo sem evidências de alterações ultrassonográficas no restante dos segmentos do TGI, reforçando a importância da avaliação dessa região (TAEYMANS; 2011). Além disso, alguns gatos com doença inflamatória intestinal apresentam inflamação concomitante envolvendo o fígado e o pâncreas (tríade felina) que também contribuem com os sinais clínicos (Figura 5). (WEISS et. al.; 1996).

Ressalta-se que um exame ultrassonográfico mostrando espessura normal da parede das alças intestinais e linfonodos mesentéricos normais não descarta o diagnóstico de linfoma alimentar de baixo grau (LINGARD et al.; 2009) sendo necessário para o diagnóstico definitivo, bem como para o diagnóstico diferencial entre linfoma alimentar e DII, a realização de exame histopatólogico e/ou imuno-histoquímico e reação em cadeia da polimerase (PCR), com coleta de amostra de todas as camadas da parede intestinal, atráves de biópsia cirúrgica, visto que a biópsia endoscópica é limitada para diferenciar linfoma alimentar da DII. (DANIAUX; 2013; EVANS et al.; 2006).

Figura 5. Imagens ultrassonográficas de figado (VB – vesícula biliar) evidenciando diminuição difusa da ecogênicidade do parênquima hepático, sugerindo hepatopatia difusa e de pancrêas (entre calipers) apresentando espessamento, medindo 0,79 cm de espessura, com contornos irregulares e difusamente hipoecogênico com ecotextura grosseira. Nota-se moderada hiperecogênicidade de tecido adjacente, sugerindo pancreatite aguda. Fonte: Imagens gentilmente cedidas pela Drª. Denise do Vale Soares.

Podemos destacar, então, que o linfoma de baixo grau e DII possuem imagens ultrassonográficas semelhantes, sendo a ultrassonografia um exame que auxilia na triagem dos pacientes com sintomas gastrointestinais e no acompanhamento desses animais durante o tratamento, além disso, é fundamental para a avalição das estruturas e dos órgãos adjacentes que muitas vezes podem estar acometidos como, por exemplo, os infonodos, mesentério, pâncreas e o fígado.

Referências:

BAEZ, J. L.; HENDRICK, M. J.; WALKER, L. M.; WASHABAU, R. J. (1999). Radiographic, ultrasonographic, andendoscopic findings in cats with inflammatory bowel disease of the stomach and small intestine: 33 cases (1990-1997). Journal of the American Veterinary Medical Association, v.215, n.3, p.349-354. 1999.

BARRS, V.; BEATTY, J. Feline alimentary lymphoma 1. Classification, risk factors, clinical signs and non-invasive diagnostics.Journal of Feline Medicine and Surgery, v.14, p.182-190. 2012.

DANIAUX, L. A.; LAURENSON, M. P.; MARKS, S. L.; MOORE, P. F.; TAYLOR, S. L.; CHEN, R. X.; ZWINGENBERGER, A. L. Ultrasonographic thick eningof the muscular is propria in feline small intestinal smallcell T-celllymphoma and inflammatory bowel disease. Journal of feline medicine and surgery, v.16, n. 2, p.89-98. 2014.

DI DONATO, P.; PENNINCK, D.; PIETRA, M.; CIPONE, M.; DIANA, A. Ultrasonographic measure ment of the relative thickness of intestinal wall layers in clinically healthy cats.Journal of  Feline Medicine and Surgery, v.16, n.4, p.333-339. 2014.

EVANS, S. E.; BONCZYNSKI, J. J.; BROUSSARD, J. D.; HAN, E.; BAER, K. E. Comparison of endoscopic and full-thickness biopsyspecimens for diagnosis of inflammatory bowel disease and alimentary tract lymphoma in cats. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.229, n.9, p1447-1450. 2006

GOGGIN, J.; BILLER, D. S.; DEBEY, B. M.; PICKAR, J. G.; MASON, D. Ultrasonographic measurement of gastrointestinal wall thickness and the ultrasonographic appearance of the ileocolic region in healthy cats. Journal of the American Animal Hospital Association, v.36, n.3, p.224-228.2000.

GROOTERS, A. M.; BILLER,D. S.; WARD, H.; MIYABAYASHI, T.; COUTO, C. G. Ultrasonographic appearance of feline alimentary lymphoma. Veterinary Radiology&Ultrasound, v.35, n.6, p.468-472. 1994.

JERGENS, E.A. feline idiopathic inflammatory bowel disease: What we know and what remains to be unraveled. Journal of Feline Medicine and Surgery, v.14, p.445-458. 2012.

LINGARD, A.E.; BRISCOE, K.; BEATTY, J. A.; MOORE, A. S.; CROWLEY, A. M.; KROCKENBERGER, M.; CHURCHER, R. K.; CANFIELD, P. J.;BARRS, V. R. Low-grade alimentary lymphoma: clinico pathological findings and response to treatment in 17 cases. Journal of feline medicine and surgery, v.11, n.8, p.692-700. 2009.

NEWELL, S. M.; GRAHAM, J. P.; ROBERTS, G. D.; GINN, P. E.;  HARRISON, J. M.Sonography of the normal feline gastrointestinal tract. Veterinary  Radiology&Ultrasound,v.40, n.1, p.40-43.1999.

PENNINCK, D.; D’ANJOU, M. A. Gatrointestinal tract. In: PENNINCK, D.; D’ANJOU, M. A. (Eds.) Atlas of small animal ultrasonography. 2ª ed,p.259-308, John Wiley& Sons. Ames. 2015.

TAEYMANS, O.; HOLT, N.; PENNINCK, D. G.; WEBSTER, C. R. Ultrasonographic characterization of feline  ileocecocolicab normalities. Veterinary Radiology&Ultrasound, v.52, n.3, p.335-339. 2011.

WEISS, D. J.; GAGNE, J. M.; ARMSTRONG, P. J. Relation ship between inflammatory hepatic disease and inflammatory bowel disease, pancreatitis, andnephritis in cats. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.209, n.6, p.1114-1116. 1996.

ZWINGENBERGER, A. L.; MARKS, S. L.; BAKER, T. W.; MOORE, P. F. Ultrasonographic evaluation of the muscularis propria in cats with diffuse small intestinal lymphoma or inflammatory bowel disease. Journal of veterinary internal medicine, v.24, n.2, 289-292. 2010.

M.V. Matheus Daudt Matos

Professor auxiliar I da disciplina de Fundamentos em radiologia e ultrassonografia veterinária do curso de Medicina Veterinária da Universidade Estácio de Sá – Campus Vargem Pequena (UNESA-RJ); Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGMV – UFRRJ); Ministra aulas em cursos de capacitação e educação continuada no Centro de ensino em ultrassonografia veterinária (CENUS-Solvet); Médico veterinário ultrassonografista do H&Diagnóstico (Centro de diagnóstico por imagem e especialidades veterinárias localizado no Rio de Janeiro); Foi médico-veterinário do setor de ultrassonografia da Policlínica escola de Medicina Veterinária da Universidade Estácio de Sá – Campus Vargem Pequena, no períodode 2017 a 2021.

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