Carcinoma de células escamosas cutâneo em felinos: uma doença subdiagnosticada

Por: Denner Santos dos Anjos

CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS CUTÂNEO EM FELINOS: UMA DOENÇA SUBDIAGNOSTICADA

Resumo: O carcinoma de células escamosas cutâneo compreende um dos principais tumores cutâneos em gatos induzidos pela exposição solar crônica. Devido ao seu comportamento insidioso, a maioria dos pacientes chegam para o atendimento em uma fase avançada da doença limitando as possibilidades terapêuticas. Contudo, a eletroquimioterapia (EQT) tem se destacado na medicina veterinária pela sua capacidade de induzir altas taxas de remissão e controle tumoral local. É uma nova modalidade contra o câncer frente aos tratamentos já empregados na medicina veterinária como a cirurgia oncológica, quimioterapia antineoplásica, criocirurgia, terapia fotodinâmica, imunoterapia e radioterapia. Tem-se destacado pela sua fácil administração, eficácia, baixa morbidade e limitados efeitos colaterais.

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Palavras-chave: Eletroquimioterapia, eletroporação, carcinoma de células escamosas, gatos

Abstract: Cutaneous squamous cell carcinoma comprises one of the main skin tumors in cats induced by chronic sun exposure. Due to their insidious behavior, most patients are referral for care at an advanced stage of the disease, limiting therapeutic possibilities. However, electrochemotherapy (ECT) has stood out in veterinary medicine for its ability to induce high rates of remission and local tumor control. It is a new modality against cancer compared to treatments already used in veterinary medicine such as cancer surgery, antineoplastic chemotherapy, cryosurgery, photodynamic therapy, immunotherapy, and radiotherapy. It has stood out for its easy administration, effectiveness, low morbidity, and limited side effects.

Keywords: Electrochemotherapy, electro-poration, squamous cell carcinoma, cats

Introdução

O carcinoma de células escamosas cutâneo (CCEc), também denominado de carcinoma espinocelular ou carcinoma epidermoide, compreende cerca de 10% dos tumores cutâneos nos pacientes felinos devido à exposição crônica da luz ultravioleta (UV) (MURPHY, 2013; HAUCK & OBLAK, 2020). Além disso, o CCEc também pode se desenvolver devido à infecção do papilomavírus observado em 84% dos gatos protegidos da luz UV e 40% dos gatos expostos a luz UV (MUNDAY et al., 2011). Visto que a pele atua como uma barreira física primária contra a exposição solar, a maioria das lesões ocorrem em áreas despigmentadas ou com rarefação pilosa como pavilhão auricular, pálpebras, plano nasal, lábio e região temporal (SPUGNINI et al., 2009; TOZON et al., 2014; SPUGNINI et al., 2015). Infelizmente, a maioria desses tumores apresentam progressão insidiosa caracterizada por lesões crostosas não cicatrizantes, culminando na progressão de úlceras com o tempo. Em virtude desse caráter insidioso e a falta do diagnóstico precoce dessas lesões, a maioria dos pacientes felinos chegam numa fase avançada da doença requerendo tratamentos mais agressivos como a combinação de cirurgia e radioterapia (SCHMIDT et al., 2005; MURPHY, 2013).

Dentre os principais tratamentos indicados para o CCEc, citam-se a cirurgia, criocirurgia, radioterapia, terapia fotodinâmica, tratamento médico com quimioterapia e eletroquimioterapia. A utilização da eletroquimioterapia (EQT), vem sendo amplamente difundida no âmbito da oncologia veterinária no Brasil, e tem-se utilizado cada vez mais. Nosso grupo de pesquisa em eletroquimioterapia vem estudando como os pacientes felinos podem se beneficiar dessa técnica, principalmente para aqueles em estágio avançado da doença, aumentando sua sobrevida.

Apresentação clínica e estadiamento

A maioria dos tutores observam as lesões iniciais pelo CCEc induzido pelo sol. Porém, como as lesões são frequentemente caracterizadas por crostas ou lesões avermelhadas que não cicatrizam, os tutores associam isso a arranhões. A grande maioria apresenta lesões em região de cabeça, envolvendo o plano nasal, pavilhão auricular, pálpebra ou região temporal. O estadiamento clínico para CCEc foi estabelecido de acordo com o TNM (tumor/linfonodo/metástase) segundo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), correspondendo a Tis: carcinoma in situ; T1: tumores menores que dois centímetros de diâmetro, superficiais ou exofíticos; T2: tumores entre dois a cinco centímetros de diâmetro ou com mínima invasão; T3: tumores acima de cinco centímetros ou com invasão em tecido subcutâneo; T4: tumores invadindo fáscia, músculo, ossos ou cartilagem; N0: ausência de metástase em linfonodos; N1: presença de metástase em linfonodos; M0 ausência de metástase à distância; M1 presença de metástase à distância (Tabela 1) (MURPHY, 2013).

Eletroquimioterapia

Esta terapia envolve a combinação de quimioterápicos antineoplásicos, que apresentam características lipofóbicas, ou seja, afinidade com a parte polar da membrana plasmática, com a aplicação de pulsos elétricos permeabilizantes (denominado de eletroporação) promovendo a formação de poros aquosos sobre a membrana celular, e consequentemente, levando ao aumento da concentração do fármaco intracelular na célula neoplásica. É uma técnica de fácil administração, alta eficácia, baixa morbidade e limitados efeitos colaterais, dentre eles edema transitório, anosmia (perda de olfato), ulceração e crostas (SPUGNINI et al., 2019; DOS ANJOS et al., 2019, DOS ANJOS et al., 2020).

Pode ser utilizada como modalidade de tratamento única ou adjuvante para o controle local de neoplasias sólidas como carcinomas, sarcomas de tecidos moles, mastocitomas ou melanomas (SPUGNINI e BALDI, 2019),

Aspectos técnicos da eletro-quimioterapia

Eletroporação é a criação de poros aquosos (também conhecido por nanoporos ou eletroporos) na superfície da membrana celular após a exposição de curtos pulsos elétricos de alta intensidade com amplitude e onda específica. Quando a membrana plasmática é exposta a um campo elétrico, ocorre a reorientação das cadeias hidrocarbônicas dos ácidos graxos da membrana (região apolar), e assim a região polar fica exposta. Esta permeabilização temporária que se cria na superfície da membrana celular permite que moléculas, íons (principalmente cálcio) e água transitem livremente entre os dois lados da membrana (meio extracelular e intracelular) (SPUGNINI e BALDI, 2019).

Após a exposição dos pulses elétricos, eventos intracelulares começam a ocorrer como a ativação de bombas transportadoras de íons, produção e consumo de adenosina trifosfato (ATP), ativação de proteases, liberação de espécies reativas de oxigênio (ROS), liberação de antígenos associados ao tumor (AAT), liberação de moléculas associadas ao dano celular (DAMPs), ativação de apoptose, necrose, necroptose, culminando na morte celular (SPUGNINI e BALDI, 2019; DOS ANJOS et al., 2019).

Além disso, ocorre o bloqueio vascular local, supressão do fluxo sanguíneo tumoral, vasoconstrição e hipóxia tumoral local. Essas alterações vasculares levam a permanência do fármaco no interior do tumor por tempo prolongado, proporcionando melhor ação do quimioterápico (SPUGNINI et al., 2019).

Resposta clínica e toxicidade

Dentre os principais efeitos adversos locais que observamos, há a formação de crostas, hiporexia, ulceração, edema nasal, edema palpebral, espirros e anosmia (perda de olfato). Esses efeitos observados após a realização da EQT dependerão da localização acometida. Em alguns casos, faz-se necessário a passagem de sonda esofágica, visto que alguns pacientes perdem o olfato e entram em um quadro de hiporexia.

Em nosso estudo, com relação a resposta clínica, a taxa de remissão completa foi cerca de 39,4% (26/66), remissão parcial de 56% (37/66) e 4,5% (3/66) em doença estável aos 28 dias após a primeira sessão de EQT. No final do estudo (seguimento de 22 meses), observamos 72% de remissão completa e 18,6% de doença progressiva (Figura 1). (DOS ANJOS et al., 2020).

Figura 1 Pacientes felinos diagnosticados com carcinoma de células escamosas cutâneo submetidos à eletroquimioterapia. Paciente 1 (A) com CCEc em região de focinho antes e 30 dias depois da EQT em remissão completa (B). Paciente 2 (C) com CCEc avançado em focinho antes e 60 dias em remissão complete após uma sessão (D). Paciente 3 com CCEc em focinho (E) antes e 30 dias em remissão complete (F).

Com relação ao estadiamento, é importante ressaltar que quanto mais avançado a doença (estadiamento T3 e T4) há uma redução da sobrevida quando comparamos aos pacientes em estágio inicial (T1 e T2). Por isso, ressaltamos a importância do diagnóstico precoce do CCEc, objetivando a melhor resposta ao tratamento (Figura 2).

Referências Bibliográficas

DOS ANJOS D.S., BUENO, C., MAGALHAES, L.F., MAGALHAES, G.M., MATTOS-JUNIOR, E., PINTO, M.M.R., DE NARDI, A.B., BRUNNER, C.H., LEIS-FILHO, A., CALAZANS, S.G., FONSECA-ALVES, C. Electrochemotherapy induces tumor regression and decreases the proliferative index in canine cutaneous squamous cell carcinoma. Scientific Reports, 15819, 2019.

DOS ANJOS, D.S., SIERRA, O.R., SPUGNINI, E., DE NARDI, A.B. Comparison of two different doses of bleomycin in electrochemotherapy protocols for feline cutaneous squamous cell carcinoma nonsegregated from ultraviolet light exposure. Scientific Reports, 10(1), 18362, 2020.

MURPHY, S. Cutaneous squamous cell carcinoma in the cat current understanding and treatment approaches. Journal Feline Medicine Surgery, 15: 401–407, 2013.

HAUCK, M. L. & OBLAK, M. L. Tumors of the skin and subcutaneous tissues. In Small Animal Clinical Oncology 6th edn (eds Vail, D. M. et al.) (Elsevier, St. Louis, Missouri, 2020).

MUNDAY, J.S., GIBSON, I., FRENCH, A, F. Papillomaviral DNA and increased p16CDKN2A protein are frequently present within feline cutaneous squamous cell carcinomas in ultraviolet-protected skin. Veterinary Dermatology, 22(4): 360-366, 2011.

Spugnini, E. P. et al. Electrochemotherapy for the treatment of squamous cell carcinoma in cats: A preliminary report. Veterinary Journal, 179, 117–120, 2009.

TOZON, N., PAVLIN, D., SERSA, G., DOLINSEK, T. & CEMAZAR, M. Electrochemotherapy with intravenous bleomycin injection: An observational study in superficial squamous cell carcinoma in cats. Journal Feline Medicine Surgery, 16, 291–299, 2014.

SPUGNINI, E. P., PIZZUTO, M., FILIPPONI, M. et al. Electroporation enhances bleomycin efficacy in cats with periocular carcinoma and advanced squamous cell carcinoma of the head. Journal Veterinary Internal Medicine, 29, 1368–1375, 2015.

SPUGNINI, E. P.; BALDI, A. Electrochemotherapy in Veterinary Oncology State-of-the-Art and Perspectives. Veterinary Clinics Small Animal Practice, 49:967-979, 2019.

SCHMIDT, K., BERTANI, C., MARTANO, M., MORELLO, E. & BURACCO, P. Reconstruction of the lower eyelid by third eyelid lateral advancement and local transposition cutaneous flap after ‘“En Bloc”’ resection of squamous cell carcinoma in 5 cats. Veterinary Surgery, 34: 78–82, 2005

Denner Santos dos Anjos

Graduação: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Residência Clínica Médica pela UFMS Mestre pela Universidade de Franca Doutorando pela UNESP-Jaboticabal Especializado em Oncologia Veterinária pelo Instituto Bioethicus Especializado em Eletroquimioterapia pela Biopulse, Nápoles, Itália Capacitação em Eletroquimioterapia pela Universidade de Liubliana, Eslovênia Docente do curso de pós-graduação do Instituto Bioethicus Docente do diplomado en oncología médica y quirúrgica - México Coautor do livro Boolavet

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