A importância do diagnóstico precoce de carcinoma Mamário em cadelas

Por Dra. Letícia Oliveira Reis

A importância do diagnóstico precoce de carcinoma mamário em cadelas

INTRODUÇÃO

O tumor mamário é uma enfermidade comum em cadelas. Esta doença acomete principalmente fêmeas não castradas, pois está intimamente ligada ao fator da influência hormonal (1, 6). Metade dos tumores tendem a ser malignos e desenvolvem metástase (2).

Com o aumento na expectativa de vida desses animais, a medicina veterinária vem cada vez mais aprimorando estudos e melhorando métodos diagnósticos, podendo oferecer um tratamento precoce, trazendo um melhor prognóstico e qualidade de vida para os animais de companhia dentro da oncologia veterinária (4).

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A neoplasia mamária não tem predileção racial, podendo afetar animais em várias etapas de sua vida, mais comumente em cadelas entre 7 a 13 anos (1, 6). As características clínicas, epidemiológicas e genéticas, se assemelham com a apresentação da doença nas mulheres, fazendo com que as cadelas sejam um modelo experimental comparativo a ser estudado (5).

A apresentação clínica é visível, sendo palpável no exame físico na hora do atendimento ambulatorial, com formações nodulares na região das mamas. Frequentemente o tutor procura o atendimento se queixando destes nódulos, onde muitas vezes já se encontram em grandes dimensões e o estágio da doença já está mais avançado (6). Devido ao avanço da doença, algumas apresentações clínicas são diferentes, podendo apresentar lesões irregulares e ulceradas (7).

Além do exame físico rigoroso, é indicado a realização de exames complementares, como a citologia, radiografia e ultrassonografia, que visa direcionar para um bom planejamento cirúrgico (4, 6, 7). Após a retirada cirúrgica, a análise da cadeia mamária por meio do exame histopatológico é de suma importância para a próxima etapa da conduta do oncologista onde se julgará ser necessário ou não o uso da quimioterapia (4).

Este trabalho teve como objetivo ressaltar a importância de um diagnóstico prematuro, utilizando-se de uma análise física rigorosa e principalmente dos exames complementares, como citologia, histopatológico e exames mais específicos como a imuno-histoquímica, para visar uma melhor qualidade de vida. Ressaltando os malefícios da castração tardia e o uso de contraceptivos nas cadelas.

INCIDÊNCIA E FATORES PREDISPONENTES

No Brasil onde a castração eletiva ainda é um fator não explorado, a incidência de neoplasias mamárias é ainda maior, sendo de 50-70% de todas as neoplasias em cadelas. Em países como Estados Unidos este número diminuí, pois a ovariectomia é comumente realizada em animais jovens (1, 6, 7).

A exposição hormonal excessiva é a principal causa de tumores, uma vez que o tecido mamário normal já depende da influência de progesterona, estrógeno e prolactina para sua manutenção (3). Fatores que ajudam a aumentar a incidência destes tumores não se limitam a problemas hormonais, tendo como interferência a obesidade e fatores ambientais (1, 6).

O aparecimento dos tumores tende a ser entre 5 a 11 anos de idade, mas não descartando a possibilidade de surgirem antes dos 5 anos e terem uma apresentação maligna (8). Os animais mais velhos são mais pré-dispostos(8).

Mesmo não tendo predileção racial, alguns trabalhos apresentam dados que animais como Poodle, Fox paulistinha e cadelas sem raça definida como as mais acometidas (8, 9). Cadelas sem raça definida tem essa predisposição por ser a população predominante.

O fator nutricional, também é levado em consideração, pois muitas vezes a alimentação destes animais tem baixo valor nutricional, com alguns consumindo alimentos com substâncias cancerígenas (9).

Estudos apontam que alimentação caseira contribui para o aparecimento de neoplasias mamárias, especialmente ingestão de carne bovinas e suínas que estão intimamente associadas ao desenvolvimento de câncer (10, 11). No entanto, vegetais, frutas, grãos, dietas ricas em fibras e alguns ácidos graxos são dados como protetores contra o desenvolvimento de alguns tipos de câncer (12).

Nas cadelas a progesterona exógena ativa o crescimento na glândula mamária com a proliferação lóbulo-alveolar e consequentemente a hiperplasia de componentes mioepiteliais e secretórios, estimulando a formação de nódulos benignos em fêmeas jovens (1, 8). Os fatores de risco no aparecimento das neoplasias mamárias nas fêmeas caninas são estudados nas diferentes populações, e a condição de não serem castradas incentiva a utilização de anticoncepcionais a base de progesterona tendo também que o número de gestações da cadela possa influenciar no aparecimento desses tumores, pois os estímulos nas glândulas mamárias continuam (13, 14).

A ovariosalpingohisterectomia (OSH) realizada antes do primeiro ciclo estral reduz o risco de desenvolvimento do tumor mamário em 0,5%; este risco aumenta significativamente nas fêmeas castradas após o primeiro ciclo estral (8,0%) e o segundo (26%) (15).

DIAGNÓSTICO

Sabe-se que o diagnóstico de tumor de mama é baseado no exame físico do paciente através da palpação das mamas, onde já observa o aumento de volume, tanto nos tetos quanto próximo a eles. A macroscopia é variada, podendo se apresentar de vários tamanhos, ulcerado ou não, aderido a musculatura ou não. Estudos indicam que as mamas mais afetadas são as abdominais caudais e inguinais (FIGURA 1), tendo relação com formação tecidual e maior consumo para o crescimento por ação dos hormônios ovarianos (16).

Figura 1: Cadela, não castrada. Presença de nódulo em região de mama inguinal direita, medindo aproximadamente 4,0 x 5,0 cm (círculo). (Arquivo pessoal)

A citologia se trata de um exame não invasivo e de fácil execução, sendo necessário o uso de seringa, agulha e lâminas para microscópio. É considerado um exame de triagem válido para orientar e direcionar o médico veterinário do tipo celular que está proliferando (FIGURA 2A) e diferenciar de algum processo inflamatório ativo no local (FIGURA 2B). Esta técnica também é empregada para detecção de metástases em linfonodo que apresente diferenças entre tamanho e formato (17).

Figura 2: A) Fotomicrográfica, citologia mamária. Campo evidenciando proliferação de células epiteliais com características de malignidade ao centro (seta preta) e proliferação de células mioepiteliais em permeio de matriz extracelular eosinofílica, sugerindo um carcinoma mamário em tumor misto (400x). B) líquido purulento drenado de um aumento de volume em mama inguinal, sugerindo processo inflamatório. (Arquivo pessoal).

A retirada cirúrgica é a ferramenta de tratamento mais indicada no caso de neoplasias mamárias, podendo em alguns casos ser curativa. A técnica mais indicada é a mastectomia unilateral, que consiste na retirada de toda a cadeia mamária. O tecido linfático está interligado entre as mamas, podendo ser uma forma de prevenção já que podem existir células neoplásicas em outras mamas, sem formações de nódulos (17, 18,19, 20). Recomendado sempre retirar linfonodos axilares e inguinais (18).

A análise histopatológica é o padrão ouro para confirmar o diagnóstico, classificar e graduar (FIGURA 3) (7, 17). Este exame tem como função analisar a neoplasia como um todo, onde obtemos informações como: tipo histológico da neoplasia, grau de malignidade e diferenciações, índice mitótico, necrose, infiltração nos tecidos adjacentes, presença de embolia neoplásica em vasos sanguíneos/linfáticos e análise da margem cirúrgica (1, 3, 7, 17).

Figura 3: Fotomicrográfica. Cadela, corte histológico de carcinoma mamário em tumor misto. (100x H.E.) (Cortesia, Júlio Edward Hough Monteiro – Novolabvet, Ribeirão Preto/SP).

O uso da imuno-histoquímica é em âmbito diagnóstico quanto prognóstico, utilizando de marcadores celulares para melhor direcionamento no tratamento do animal.

O estadiamento dos tumores mamários tem como objetivo principal avaliar o tumor primário, se tem envolvimento de linfonodos regionais e a presença de metástases a distância, podendo determinar o prognóstico e o planejamento do tratamento. Pode ser realizado no primeiro atendimento e após os exames complementares (17). O estadiamento é realizado através do TNM estabelecido pela Organização mundial da saúde (OMS). Neste sistema, o T tem relação com o tamanho do tumor primário, N com o acometimento de linfonodos e M se tem presença de metástase a distância ou não (17).

CONCLUSÃO

O diagnóstico precoce utilizando-se de exames complementares anatomopatológicos é de suma importância para a qualidade de vida das cadelas, já que está diretamente relacionado ao prognóstico e ao tratamento adequado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 MEUTEN, D.J. Tumors in domestic animals. 4.ed. Iowa State: Univ. California, 2002.

2 MEDEIROS, VÍTOR BRASIL. Câncer da mama na cadela: mammary cancer in female dogs. Journal Of Surgical And Clinical Research, Natal, Rio Grande do Norte, v. 8, n. 12, p. 118-129, 25 set. 2017.

3 CASSALI, G.D.; FERREIRA, E.; CAMPOS, C.B. Patologia mamária canina: do diagnóstico ao tratamento. 1. ed. São Paulo: Editora MedVet, 2017.

4 ESTRALIOTO, BRUNA; CONTI, JULIANO. Câncer de mama em cadelas – atualidades do diagnóstico e prognóstico ao tratamento cirúrgico. Enciclopédia Biosfera, [S.L.], v. 16, n. 29, p. 444-463, 30 jun. 2019. Centro Cientifico Conhecer.

5 SANTOS, SHEILA CRISTINA AMORIM. Padrão de incidência e análise espacial de tumor de mama em cadelas. 2020. 86 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia, Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal nos Trópicos, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2020.

6 MAGALHÃES, CLÁUDIA DA SILVA ET AL. Conhecimento de tutores de cães sobre tumor de mama em cadelas: knowledge of the dog´s owners about mammary tumor in bitches. Acta Veterinaria Brasilica, [s. l], v. 10, p. 186-189, 17 mar. 2016.

7 DE NARDI, A. B.; FERREIRA, T. M. R.; DA ASSUNÇÃO, K. A. In: Neoplasias mamárias. DALECK, C. R.; DE NARDI, A. B. Oncologia em cães e gatos 2. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2016. p. 726-756.

8 ALVES, SAMILIA MATIAS. Análise dos fatores predisponentes ao surgimento de tumor de mama em cadelas atendidas no huv/uema. 2016. 33 f. TCC (Graduação) – Curso de Medicina Veterinária, Clínicas Veterinárias, Universidade Estadual do Maranhão, São Luiz, 2016.

9 DALECK, C.R.; FRANCESCHINI, P.H.; ALESSI, A.C.; SANTANA, A.E.; MARTINS, M.I.M. Aspectos clínico e cirúrgico do tumor mamário canino. Ciência Rural, Santa Maria, v. 28, n. 1, p. 95-100, 1998.

10 SIRIVAIDYAPONG, S. Dogs with mammary gland tumors and the feeding dietary types. In: WORLD SMALL ANIMAL VETERINARY ASSOCIATION WORLD CONGRESS. Proceedings, Bangkok. 2003

11 SONNENSCHEIN, E.G.; GLICKMAN, L.T.; GOLDSCHMIDT, M.H.; McKEE, L.J.Body confomation, diet, and risck of breast cancer in pet dogs: A case-control study. American Journal of Epidemiology, v.133, p.694–703. 1991.

12 GREENWALD, P., CLIFORD, C.K., MILNER, J.A. Diet and cancer prevention. Eur. J. Cancer, v.37,p. 948-965, 2001.

13 SCHNEIDER, R. et al. Factors influencing canine mammary development and post-surgical survival. Journal of National Cancer Institute, [S.l.], v.43, n.6, p.1249-1261. 1969.

14 SORENMO, K. Canine mammary gland tumor. The Veterinary Clinics of Small Animal Practice. [S.l.], v. 33.,p.573-596. 2003

15 FONSECA, C.S.; DALECK, C.R. Neoplasias mamárias em cadelas: influência hormonal e efeitos da ovario-histerectomia como terapia adjuvante. Ciência Rural, v.30, n.4, p.731- 735, 2000.

16 SOUSA, JANIELLE CAROLINE DE. Neoplasia mamária em cadelas: aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos. 2021. 23 f. TCC (Graduação) – Curso de Medicina Veterinária, Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – Uniceplac, Gama, DF, 2021

17 CASSALI, G. D. Estudo morfológico, imuno-histoquímico e citométrico de tumores mamários da cadela – Aspectos comparativos com neoplasia da mama humana. 2000. 80f. Tese (Doutorado em Ciência Animal)

18 DALEK, CARLOS ALBERTO ET AL. Aspectos clínico e cirúrgicos do tumor mamário canino. Ciência Rural, Santa Maria, v. 28, p. 95-100, 1998.

19 GONÇALVES, REGIANE OLIVEIRA; SANTOS, ALBA LEONOR DE SOUZA LIMA DOS; CHAGAS, JÔNATHAN DAVID RIBAS; CRESPILHO, ANDRÉ MACIEL; ROIER, ERICA CRISTINA ROCHA; LEITE, SUZANA MARTINS GOMES; MORAES, RENATA FERNANDES FERREIRA DE. Neoplasias mamárias em cadelas: um estudo estatístico para auxiliar no tratamento. Pubvet, [S.L.], v. 14, n. 5, p. 1-7, maio 2020.

20 MONTEIRO, G. A., NOVAES, J. R., CARVALHO JÚNIOR, J. D., RIO, J. A., RIBEIRO, L. L. S., SILVA, L. P., & NEVES, N. (2011). O dilema da decisão de Mastectomia Bilateral como prevenção do Câncer de Mama: aspectos éticos e bioéticos. Bioethikos, 5(4), 443–450

Dra. Letícia Oliveira Reis

Graduação em Medicina Veterinária pela UNIFRAN; Residência em Patologia animal e Laboratório clínico pela UNIFRAN; Responsável pelo serviço de Patologia animal e Laboratório clínico da Unidade Integrada de Veterinária – UNIVET, Ribeirão Preto-SP.

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