Adenite sebácea Canina

Por Cibele Nahas Mazzei

Adenite sebácea Canina

A adenite sebácea é uma dermatopatia pouco comum de caráter inflamatório, primário e idiopática, relacionada com a glândula sebácea, e tendo sido descrita pela primeira vez em cães em 1986 por Scott e col.

Acredita-se que as raças Akita, Poodle Standard, Husky Siberiano, Samoieda e Vizla sejam mais predispostas, embora esta doença já tenha sido descrita em mais de 50 raças.

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Tal dermatopatia é supostamente uma enfermidade imunomediada, mas sua patogenia não é totalmente compreendida. É considerada uma genodermatose em Poodles e Akitas, determinada por uma herança genética autossômica recessiva.

Em alguns casos, ocorre devido a uma anormalidade na queratinização folicular com obstrução dos ductos sebáceos, resultando em inflamação e reação imunomediada sobre as glândulas sebáceas, ocasionando a destruição das mesmas.

Fisiologicamente, a função das glândulas sebáceas é produzir uma secreção sebácea oleosa formada, dentre outros, por colesterol e ácidos graxos, atuando assim como uma barreira física protetora e retendo umidade da pelagem, evitando assim ressecamentos. Tais glândulas estão distribuídas por toda a extensão da pele provida de pelos. Na Adenite Sebácea existe uma redução no número dessas glândulas e em 80% dos casos existe a ausência delas, levando a uma diminuição ou ausência da produção sebácea, resultando em alterações cutâneas como alopecia ou hipotricose, ressecamento da pele, descamação, crostas, cilindros foliculares, foliculite, discromia de pelame, e ocasionalmente, prurido.

Os sintomas clínicos e as lesões variam de acordo com cada indivíduo, sua raça, o comprimento da pelagem e o tempo da evolução da doença. Nos cães de pelagem curta, tais como Vizslas, surgem áreas de alopecia coalescentes e multifocais, que desprendem uma fina descamação furfurácea. Já nos cães de pelame longo, como o Akita e o Poodle, surgem escamas, cilindros foliculares e crostas generalizadas, firmemente aderidas ao pelo. Normalmente não há prurido, exceto se houver foliculite bacteriana ou Malasseziose secundários. As áreas mais acometidas são cabeça, pescoço e tronco. Nos Poodles de pelo claro, ocorre uma mudança na cor do pelo, tornando-se marrom ou acobreado.

O diagnóstico definitivo baseia-se em dados de anamnese, nas lesões cutâneas, nos sintomas, no tricograma (exame microscópico de pelame), e por fim, no exame histopatológico da biopsia cutânea.

Na anamnese devemos considerar as raças mais acometidas (Akita, Samoieda, Poodle e Vizsla), embora qualquer outra raça e, mesmo aqueles cães sem definição racial, também possam ser acometidos pela doença. Quanto a idade, a faixa etária de maior acometimento é de jovens e de meia idade. A ausência de resposta frente a inúmeras tentativas terapêuticas, outrora instituídas, também chama atenção durante a anamnese, uma vez que trata-se de uma dermatopatia pouco frequente, que costuma passar desapercebida pela maioria dos clínicos gerais, os quais instituem banhos com xampus anti-seborreicos e desengordurantes, o que agrava ainda mais as lesões.

No exame físico do animal revela-se nitidamente uma rarefação pilosa, acompanhadas por áreas de franca alopecia, com formação de crostas e escamas firmemente aderidas a raiz do pelo longo, formando tufos de pelame que se destacam facilmente e encontram-se aglomerados e unidos por tais escamas e crostas de aspecto melicéricos. O pelame remanescente encontra-se opaco, de má qualidade e seco. Pode haver pápulas e pústulas bem como lesões em colarinho, nos casos onde há foliculite concomitante.

O tricograma consiste no exame microscópico do pelo obtido por avulsão, com auxílio de uma pinça hemostática ou da própria mão. Observam-se, sob objetiva de 5 ou de 10x, cilindros foliculares, que consistem em resíduos de queratina firmemente aderidos à haste do pelo, no seu terço inferior, e que conferem a este um aspecto de “taboa”, planta comum em áreas alagadas do nosso continente.

Por fim, o diagnóstico definitivo estriba-se no exame histopatológico de biópsia cutânea, que pode ser realizada com auxílio de um saca-bocados (“punch de Key”), mediante anestesia local. Os achados histológicos são bastante variáveis, pois há diferentes graus de inflamação contra às glândulas sebáceas, resultando em sua destruição parcial ou total. A composição do infiltrado inflamatório é variável, incluindo histiócitos, neutrófilos, linfócitos, macrófagos e plasmócitos. Em alguns casos observa-se atrofia completa e ausência das glândulas sebáceas, e em outros ocorre um padrão granulomatoso ou piogranulomatoso, em vez do infiltrado polimorfonuclear característico, direcionado às glândulas. (LAM, ATH et al, 2010).

Figura 1 (A) e (B): redução das glândulas sebáceas; (C): inflamação folicular com células mononucleares.

O tratamento para adenite sebácea consiste, na verdade, em restaurar a barreira funcional da pele. Deve-se, contudo, deixar o proprietário ciente de que é uma afecção incurável, e que a terapia deverá ser feita ao longo da vida do animal.

O tratamento pode ser tópico ou tópico e sistêmico, sendo que na maioria dos casos o tratamento tópico é muito eficaz e não há necessidade de tratamento sistêmico, com exceção daqueles animais com piodermite, onde a administração de antibióticos mostra-se necessária.

Sugere-se, como tratamento sistêmico, o uso da Ciclosporina A, devido a seu efeito supressor sobre a interleucina 2 (IL-2), inibindo assim a produção de citotocinas pelas células T, bem como sua proliferação, agindo como uma droga imunomoduladora. A dose recomendada é de 5mg por kg de peso a cada 24 horas. Contudo, evidenciou-se através de vários estudos, que o tratamento com a ciclosporina, como agente único, não promove uma boa melhora clínica no animal com adenite sebácea. Em contrapartida, os animais tratados com ciclosporina em associação com o tratamento tópico, responderam satisfatoriamente.

Outro aliado para se obter uma melhora clínica na adenite sebácea são os Ácidos Graxos Essenciais (Ômega 3 e Ômega 6), importantes na manutenção da função da barreira epidérmica e também estão envolvidos na modulação do processo inflamatório cutâneo. 

Há protocolos tópicos diversos, como a aplicação do óleo puro diretamente sobre o pelame do animal, massageando bem e deixando por 2 horas, seguido pelo banho com xampu desengordurante ou anti-seborreico.

Alguns autores sugerem, ainda, que após o banho faça uso de spray com propilenoglicol ou spray umectante.

O prognóstico desta doença é bom, uma vez que o animais tratados respondem na grande maioria muito bem ao tratamento tópico isoladamente, ou em combinação com a terapia sistêmica. Contudo, trata-se de uma afecção incurável, havendo necessidade de tratamento ao longo de toda a vida do animal, podendo haver recidivas de infecções bacterianas secundárias e do prurido, caso a terapia seja interrompida ou feita de forma inadequada. É recomendado que os cães afetados sejam retirados da reprodução, uma vez que existe um potencial hereditário da doença.

Caso clínico n. 1: Wilma/ Akita/ fêmea, 5 anos.
Quadro inicial antes do tratamento: note áreas de rarefação pilosa, pelame seco e sem brilho
Mesmo animal (Wilma) após 6 meses de tratamento com ciclosporina oral e tópico com banhos de óleo
Caso clínico número 2: Zidane/ Akita/ macho/ 6 anos, na ocasião do diagnóstico da Adenite sebácea. Note escamas firmemente aderidas ao pelo, e hipotricose, pelagem seca e sem brilho.
Visualiza-se o pelame do mesmo animal, com cilindros foliculares aderidos no pelo, formando aglomerados de pelos
Tal alteração é um sinal característico da Adenite sebácea.
O mesmo animal, Zidane, 6 meses após terapia oral e tópica

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MSc. M.V. Cibele Nahas Mazzei

Graduada pela FMVZ USP em 1989 e mestre em dermatologia veterinária pela mesma instituição; Veterinária contratada pelo HOVET USP por 2 anos; Ex-professora da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Anhembi Morumbi e UNI ABC por 6 anos; Palestrante no curso de pós Graduação da Anclivepa, São Paulo; Sócia fundadora da SBDV (Sociedade Brasileira de dermatologia veterinária) desde 2001; Proprietária da clínica Dermatopet, em São Paulo-SP, especializada em dermatologia de Cães e Gatos desde 1996.

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