A AROMATERAPIA NA CLÍNICA DE FELINOS: UMA ALTERNATIVA PROMISSORA NA REDUÇÃO DO ESTRESSE

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Por Flávio Henrique Rodrigues Stante e Silvio de Almeida Júnior

A Aromaterapia na Clínica de Felinos: uma alternativa promissora na redução do estresse

A população de animais de companhia aumenta ano a ano e com isso seu cenário vem mudando. A população de gatos já ultrapassa o número de cães em diversos países, consequentemente, o número de pacientes felinos atendidos em clínicas veterinárias, especializadas ou não, também aumenta gradualmente. Entretanto, alguns tutores buscam menos o auxílio do médico veterinário do que deveriam e esse fator está intimamente ligado com a espécie em questão e sua natureza (RIEMER et al., 2021). Durante a prática da clínica médica de felinos, são frequentes os relatos, tanto de tutores como de médicos veterinários, acerca da ansiedade e estresse que a consulta traz aos pacientes, muitas vezes se iniciando no ambiente domiciliar durante tentativas forçadas de introdução do gato na caixa de transporte e sons de alta intensidade durante o caminho, sendo continuado ao chegar à clínica onde há cheiros desconhecidos de outros animais, além do manejo feito por pessoas estranhas. Ocorre então, consequentemente, a apresentação de comportamentos desencadeados pelo elevado nível de cortisol e sensação de ameaça como rosnado, sibilo, projeção caudal das orelhas e midríase, podendo progredir para posturas agressivas ou apresentar o comportamento denominado freezing. Essa resposta dependerá do nível de estresse do felino, podendo trazer riscos para a equipe veterinária. Todos esses aspectos geram, principalmente em equipes não qualificadas para o atendimento de gatos, a necessidade de abordagens negativas com relação à contenção do paciente, o que leva a um aumento do medo em próximas consultas, resultando novamente em apresentação dos comportamentos supracitados, culminando em um efeito de bola-de-neve. Além de toda a situação ocorrida, gera resistência ao tutor em levar o animal ao médico veterinário (PRATSCH et al., 2018).

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A avaliação clínica também sofre influência direta de fatores relacionados à ansiedade e ao estresse. Frequência respiratória e cardíaca, pressão arterial e temperatura podem ser alterados, além de alterações hematológicas como hiperglicemia, linfocitose, neutrofilia e hipocalemia. Sendo assim, essas alterações podem levar o veterinário a uma abordagem diagnóstica e terapêutica incorreta para aquele animal (GRIFFIN  et al., 2020).

O olfato é determinado como sendo um dos sentidos mais importantes em diversas espécies de mamíferos. Através dele,  diversas informações biológicas e ambientais são obtidas, podendo gerar repostas tanto psicológicas, como principalmente comportamentais nos animais, tendo grandioso valor para sobrevivência e manutenção de determinada espécie (KURIAN et al., 2021).

Óleos essenciais são moléculas que existem naturalmente, sendo parte da composição de diversos materiais orgânicos vegetais, como flores, sementes, galhos e raízes, que promovem os aromas característicos, além de oferecer proteção a predadores e participar de forma importante em seu ciclo reprodutivo. Sua utilização medicinal se baseia em anti-inflamatórios, analgésicos, ansiolíticos e energizantes (MCCASKILL, 2021). Quando inalados, as moléculas em seu vapor se ligam aos receptores na cavidade nasal, sendo identificados por neurônios sensoriais do olfato que transmitem a mensagem diretamente para o bulbo olfatório que tem como função filtrar e processar a mensagem recebida.  A partir desse ponto a informação é levada pelas células mitrais até a amigdala, considerada um dos agentes regulatórios das emoções (BALDWIN; CHEA, 2018).

A utilização de óleos essenciais se apresenta como uma possível alternativa para terapias diversas, como o óleo de Curcuma zedoaria (figura 1) que possui capacidades farmacológicas relacionadas à hepatoproteção, atividades antioxidantes e ação antibacteriana. Em um estudo realizado com ratos diabéticos, o óleo essencial de Satureja khuzestanica (figura 2) apresentou resultados significativos relacionados à diminuição dos níveis de glicose no sangue. Ainda relacionado a ratos, outro estudo apresentou em sua conclusão, importantes dados acerca do uso (de forma oral) concomitante de óleos essenciais (Origanum vulagre,  Cuminum cyminum, Myrtus communis, Cinnamomum verum e Foeniculum vulgare), indicando a diminuição dos níveis de glicose circulante além do aumento na sensibilidade da insulina em animais com diabetes do tipo 2 (BAPTISTA-SILVA et al., 2020).

Figura 1 — Curcuma zedoaria (DOMÍNIO PÚBLICO., 2022)
Figura 2 — Satureja khuzestanica (DOMÍNIO PÚBLICO., 2022)

Apesar de trazerem inúmeros benefícios, como toda droga, quando administrada de forma incorreta, pode causar efeitos deletérios aos organismos dos animais. Os óleos essenciais são extremamente lipofílicos, o que indica que sua absorção pelo organismo seja de maneira muito rápida. A principal causa de intoxicação por esses princípios são ocasionadas por exposição em grande quantidade a pele do animal, porém, existem ainda, registros de intoxicações devido a uso indiscriminado de forma oral. Dessa forma, uma vez absorvida, a molécula possui grande potencial de lesionar mucosas, levando a na maioria das vezes, lesões gástricas. Os sinais clínicos tendem a aparecer de duas a oito horas após a exposição a molécula, sendo que os sintomas são diversos, partindo de depressão, letargia, hipotermia, ataxia, fraqueza muscular, paresia e até sialorreia que ocorre mais comumente em gatos. Em casos mais graves podem ocorrer coma, convulsões, desmaios. Um fator de direção diagnostica se baseia no aroma das fezes, vomito e urina que em casos graves podem estar impregnadas com o cheiro do óleo em questão. O tratamento para a intoxicação se baseia em suporte de acordo com os sinais apresentados, se a exposição ao animal se deu por via dérmica, a limpeza da pele com água e detergente é essencial. É contraindicado forçar êmese em animais que ingeriram a substância devido a sua volatilidade, potencializando a chance de pneumonia aspirativa. De qualquer forma, o prognostico é favorável em animais com sintomas leves que são atendidos com celeridade, porém, após acometimento do sistema nervoso central o prognostico se torna reservado (BATES., 2018).

Na Medicina Veterinária o uso de óleos essenciais ainda requer mais pesquisas, entretanto, em um estudo realizado com cavalos, o óleo de lavanda (Lavandula augustifolia) apresentou resultados importantes com relação a sua ação em mitigar o estresse nessa espécie. Os animais foram submetidos a testes de estresse que consistiam em acionar uma buzina de ar duas vezes, elevando sua frequência cardíaca. Os equinos que inalaram o óleo essencial de lavanda tiveram o retorno à frequência cardíaca normal da espécie mais rapidamente (BALDWIN; CHEA, 2018). Em cães também foram observados resultados positivos relacionados ao óleo de lavanda, dessa vez, difundindo durante cinco dias em um abrigo, onde os animais apresentaram menos vocalizações, comportamentos de andar errante e em compensação, passaram mais tempo descansando (AMAYA; PETERSON; PHILIPS, 2020). O uso de óleo essencial de tomilho (Thymus vulgaris) associado com subproduto do mel, e também soft própolis apresentou desenlace positivo na recuperação de feridas complicadas (laceração profunda da região axilar, abrasão profunda da região de pescoço por coleira apertada, deiscência de pontos, lesão de abrasão com presença de abscessos e necrose [figura 3]) tanto em cães como em gatos. Os resultados foram obtidos em até vinte dias após a aplicação do composto com o auxílio de curativo feito duas vezes ao dia, sendo que de todos os casos, em apenas um foi necessário a sutura da ferida, outros foram concluídos através de cicatrização por segunda intenção (TAMAS-KRUMPE et al., 2022).

Figura 3 — A) aspecto inicial da lesão – B) 7 dias após o início da terapia C) 11 dias após a terapia D) animal recuparado após 20 dias (TAMAS-KRUMPE et al., 2022)

O uso de óleos essenciais no cotidiano da clínica felina pode se tornar um advento de baixo custo e de simples manejo à diminuição do estresse no atendimento. Até o momento, o principal estudo relacionado ao seu uso em gatos traz resultados interessantes. Para sua execução, animais de até um ano de idade foram admitidos em baias separadas para procedimentos de castração e separados em dois grupos: controle e experimento. O grupo experimento foi exposto, durante o período pré-cirúrgico, ao óleo de lavanda administrado de forma inalatória na dose de 3 gotas para 30 mililitros de água fervida e exposta ao animal em cubas durante trinta minutos. Nenhum animal apresentou qualquer sinal de estresse de acordo com a tabela Cat Stress Score Chart de Kesler e Turner (figura 4) (1997). A mesma tabela foi utilizada para a análise comportamental dos animais a cada dez minutos, sendo feita de forma remota através de janela para a sala onde se encontravam as baias, a fim de mitigar qualquer influência humana no comportamento dos animais, não havendo a presença de pessoas na sala de análise durante os trinta minutos do experimento. O resultado obtido foi que os gatos (figura 5) do grupo experimento obtiveram diferença estatística com relação ao grupo controle, apresentando comportamentos cada vez mais relaxados a cada análise (10, 20 e 30 minutos) (GOODWIN, REYNOLDS, 2018).

Figura 4 — Tabela para avaliação visual de estresse em gatos (KESSLER, TURNER, 1997)
Figura 5 — Média dos comportamentos apresentados entre os grupos em diferentes intervalos. (GOODWIN, REYNOLDS., 2018)

Conclui-se que apesar de escassos estudos, o óleo essencial se mostrou promissor no controle do estresse em diversas espécies. Em felinos, que naturalmente tendem a sofrer pelas consequências do estresse durante consultas e internações, o uso do óleo essencial pode ser uma alternativa eficaz, de baixo custo e fácil uso em ambulatórios, clínicas e hospitais, proporcionando maior bem-estar como também deixando a visita ao Médico Veterinário menos traumática. Como resultado, uma maior taxa de retorno dos pacientes é esperada, assim como a atração de tutores que irão passar seus animais pela primeira consulta.

Referências:

RIEMER, Stefanie et al. A review on mitigating fear and aggression in dogs and cats in a veterinary setting. Animals, v. 11, n. 1, p. 158, 2021.

PRATSCH, Lydia et al. Carrier training cats reduces stress on transport to a veterinary practice. Applied Animal Behaviour Science, v. 206, p. 64-74, 2018.

GRIFFIN, Francesca C. et al. Evaluation of clinical examination location on stress in cats: A randomized crossover trial. Journal of Feline Medicine and Surgery, v. 23, n. 4, p. 364-369, 2021.

KURIAN, Smija M. et al. Odor coding in the mammalian olfactory epithelium. Cell and Tissue Research, v. 383, n. 1, p. 445-456, 2021.

MCCASKILL, Larry D. The Use of Essential Oils in Traditional Chinese Veterinary Medicine: Small Animal Practice. American Journal of Traditional Chinese Veterinary Medicine, p. 67, 2021.

BALDWIN, Ann Linda; CHEA, Isabelle. Effect of aromatherapy on equine heart rate variability. Journal of equine veterinary science, v. 68, p. 46-50, 2018.

BAPTISTA-SILVA, Sara et al. The progress of essential oils as potential therapeutic agents: A review. Journal of Essential Oil Research, v. 32, n. 4, p. 279-295, 2020.

BATES, Nicola. Tea tree oil exposure in cats and dogs. The Veterinary Nurse, v. 9, n. 9, p. 474-478, 2018.

AMAYA, Veronica; PATERSON, Mandy BA; PHILLIPS, Clive JC. Effects of olfactory and auditory enrichment on the behaviour of shelter dogs. Animals, v. 10, n. 4, p. 581, 2020.

TAMAS-KRUMPE, Octavia et al. Evaluation of the therapeutic potential of some apicultural products with essential oils for cutaneous wounds in cats and dogs Scientific Papers-Veterinary Medicine of University of Agricultural Sciences and Veterinary Medicine, v. 62, n. 2, p. 126-134, 2019.

GOODWIN, Samantha; REYNOLDS, Helen. Can aromatherapy be used to reduce anxiety in hospitalized felines.The Veterinary Nurse, v. 9, n. 3, p. 167-171, 2018.

KESSLER, M. R.; TURNER, D. C. Stress and adaptation of cats (Felis silvestriscatus) housed singly, in pairs and in groups in boarding catteries. Animal Welfare, v. 6, n. 3, p. 243-254, 1997.

M.V. Flávio Henrique Rodrigues Stante

Graduado em Medicina Veterinária pela Universidade de Franca (UNIFRAN); Mestrando em Ciência Animal pela Universidade de Franca (UNIFRAN); Pós-graduando em Comportamento Animal pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG).

Silvio de Almeida Junior

Graduado em Biomedicina pela Universidade de Franca (2016), Mestre em Ciência Animal pela Universidade de Franca (2020), Doutor em Promoção de Saúde pela Universidade de Franca (2023). Docente na Biomedicina na Universidade do Estado de Minas Gerais.

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