Síndrome do comedão do schnauzer

Por Cristiane Wilhelm e Gabriela Sena

Síndrome do comedão do schnauzer

A síndrome do comedão do Schnauzer é classificada como uma enfermidade do complexo seborreia, comumente acomete os Schnauzers miniatura. Esta enfermidade é de caráter genético, na qual é desencadeada devido a falha no processo de queratinização folicular acarretando um acúmulo de queratina retida no folículo piloso. Esta dermatopatia foi comparada com o nevo comedônico em seres humanos.

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Os pacientes acometidos geralmente apresentam os primeiros sinais na fase adulta, e não apresenta predileção por sexo. Os sinais clínicos presentes são comedões papulares, podendo conter crostas associadas, colaretes epidérmicos em casos no qual a infecção secundária já está instalada, como foliculite bacteriana e raramente observa-se quadro de furunculose; além dos sinais citados, pode ser observado rarefação pilosa. Em muitos casos para melhor identificação dos sinais clínicos citados é necessário a avaliação na direção contrária do crescimento dos pelos.

O local de maior acometimento é a região dorsal, podendo ser mais localizado ou acometer desde a região cranial dorsal até a região sacral. Normalmente não apresenta dor no local acometido e a presença de prurido não é comum, porém pode estar presente, principalmente em quadros em que tem infecção secundária associada. Em quadros moderados há afinamento difuso na pelagem, já em casos graves apresenta alopecia com hiperpigmentação da pele e formação de comedões. Os pelos podem facilmente serem destacados da área acometida e comumente apresenta cilindros foliculares. 

O diagnóstico baseia-se principalmente na identificação da raça, ou seja, um Schnauzer miniatura, nos sinais clínicos, presença de comedões na região dorsal, juntamente com o histórico de ausência de prurido ou sua presença em um grau aceitável. Encontrar estes sinais em Schnauzer miniatura é praticamente patognomômico, porém, a recomendação é de confirmar o diagnóstico por biópsia, que trará conclusões de presença de uma grande quantidade de queratina, de aparência quase “cistiforme”, causando bloqueio no folículo piloso e na glândula sebácea e se houver infecção bacteriana secundária pode apresentar ruptura folicular produzindo áreas de furunculose, por isso destaca-se a importância da área coletada para biópsia não estar acometida por infecção, podendo ser visualizado apenas um quadro de foliculite e furunculose secundária o que pode levar a erro de interpretação e consequentemente ao diagnóstico.

Os diagnósticos diferenciais são demodiciose, dermatofitose, dermatite alérgica por pulgas e foliculite bacteriana. Porém, é importante avaliar de maneira minuciosa o histórico do paciente, pois o fato dos glicocorticoides serem comedogênicos, alguns pacientes que têm feito seu uso prolongado podem estar apresentando tais alterações dérmicas. Vale destacar que pacientes com doenças endócrinas, como síndrome de cushing e hipotireoidismo, podem apresentar comedões no mesmo local da dermatopatia descrita.

Antes de instituir protocolo terapêutico, o tutor deve ser informado que esta dermatopatia não apresenta cura, apenas controle e que trata-se de um problema estético. O tratamento tópico é o recomendado inicialmente, dois ou três banhos semanais com xampus que contenham enxofre 1 a 3% ou peróxido de benzoíla 2,5%, os dois possuem efeito bactericida, porém o peróxido de benzóila propicia flushing folicular, assim que houver melhora do quadro o intervalo entre os banhos pode ser aumentado. Pode-se utilizar também géis a base de peroxido de benzoila 2,5% porém esses podem apresentar mais efeitos indesejados devido ao tempo de ação residual.  Na maioria dos casos o tratamento tópico apresenta bons resultado, sendo em outros necessários a prescrição de antibióticos ou outra terapia sistêmica.

O tratamento sistêmico com retinóides sistêmicos já foi relatado como eficaz fora do nosso pais em livros e artigos na Europa, prescrições de isotretinoína 1mg/kg via oral, de 12 em 12 horas ou acitretina 0,5 a 1mg/kg via oral de 24 em 24 horas, relatam uma resposta em 1 mês. Devido as possíveis disfunções hepáticas e a natureza teratogênica do medicamento, os responsáveis pelos pacientes tratados devem estar cientes que deve haver monitorização bem como os riscos do uso. Estes mesmos autores recomendam também o uso de vitamina A na dose de 8.000 a 10.000 UI/kg via oral de 24 em 24 horas, este sem os mesmos efeitos colaterais dos outros medicamentos acima citados. Porém, por não ser liberado para o uso por médicos veterinários no Brasil, pouco se sabe a respeito em nosso país, os autores brasileiros não possuem experiência com o uso destes medicamentos.

O prognóstico dependerá da infecção secundária que poderá estar presente, porém, na maioria dos casos o prognóstico é bom, visto que a doença tem apenas consideração cosmética.

Relato de caso

Um cão da raça Schnauzer, fêmea, 6 anos de idade, não castrada, natural do México, foi atendida em um consultório veterinário em Goiânia, Goiás, manifestando descamação em toda região dorsal, principalmente na linha média, com presença de comedões e colaretes epidérmicos. A tutora relata que as mesmas alterações dermatológicas, no mesmo local ocorreram há 3 anos atrás, o paciente foi tratado com antibiótico de longo período (cefovecina sódica) tendo melhora do quadro, porém regrediu após 2 meses e a pele do paciente nunca mais voltou como era antes. Afirma que o paciente não apresentava prurido e que o único local acometido é a região dorsal. Vacinas, vermifugação e controle de ectoparasitas atualizados.

Ao avaliar o paciente, as alterações dermatológicas eram sutis, no entanto, ao inspecionar a região dorsal no sentido contrário ao crescimento dos pelos era notório a presença de descamação furfurácea em toda região, principalmente na linha média, apresentando alguns pelos com epilação facilitada, indicando um quadro de foliculite instalada (Figura 1).

Figura 1: Canino, Schnauzer, fêmea, 6 anos de idade, com síndrome do comedão do Schnauzer. Apresentando vários comedões na região dorsal (A) e presença de crostas com elevação pilosa (B). Fonte: Autoras

Durante o atendimento foram realizados os seguintes exames: parasitológico cutâneo e citologia cutânea (Figura 2). O exame parasitológico descartou a presença de ácaros e a citologia mostrou presença de células epidérmicas em processo de queratinização (queratinócitos nucleados), indicando alteração na queratinização fisiológica; células inflamatórias degeneradas e bactérias cocóides, confirmando o quadro de foliculite citada durante exame físico.

Figura 2: Citologia cutânea (100x) de canino, Schnauzer, fêmea, 6 anos de idade, com síndrome do comedão do Schnauzer. Aglomerado de queratinócitos nucleados (A) e células inflamatórias degeneradas e bactérias cocóides (B). Fonte: Autoras

Foram solicitados outros exames, como: hemograma, bioquímica sérica para avaliação da função renal e hepática, estando todos normais.

O protocolo terapêutico escolhido foi shampoo a base de peróxido de benzoíla 2,5%, banhos a cada dois dias, durante seis semanas.

Após realização do protocolo terapêutico estabelecido observou-se melhoras significativas no quadro do paciente (Figura 3).

Figura 3 : Canino, Schnauzer, fêmea, 6 anos de idade, com síndrome do comedão do Schnauzer. Após 6 semanas de tratamento tópico, demostrando melhora significativa. Fonte: Autoras

Consideração das autoras:

Mediante as evidências literárias em comparação ao caso relatado, observa-se que foi necessário não somente o tratamento clínico do paciente, mas, principalmente esclarecer para a responsável pelo paciente o que é a síndrome do comedão do Schnauzer, visto que as lesões tiveram uma evolução ao longo de 3 anos, apresentando uma melhora parcial após tratamentos com antibioticoterapia, desta forma a responsável queria sempre voltar a aplicar os mesmos medicamentos sem obter um diagnóstico. Foi explicado a necessidade dos cuidados contínuos com banhos bem como a possibilidade de recidivas, visto que esta síndrome trata-se de uma dermatopatia estética crônica, não apresentando cura, porém nos possibilita o controle. 

Referências:

LUCAS, RONALDO. Disqueratinização e seborreia. In: LARSON, CE; LUCAS R. Tratado de Medicina Interna: Dermatologia Veterinária. 2.ed. São Caetano do Sul: Interbooks 2020. cap.51, p.769-770.

PETERSON, SUE. Doenças congênitas e hereditárias da pele. In: PETERSON, SUE. Manual de Doenças da Pele do Cão e do Gato. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2010. cap.14, p.190-191.

STEPHEN J. BIRCHARD, ROBERT G. SHERDING. Saunders Manual of Small Animal Pratice. In: Keratinization Defects. p. 512-513, 2008.

MULLER, H.H.; GRIFFEN, C. E.; CAMPBELL, K.L; Small Animal Dermatology. In: Congenital and Hereditary defects. Elsevier. p. 581-582, 2012.

KEITH A. HNILICA, ADAM P. PATTERSON; Dermatologia de pequenos animais: atlas colorido e guia terapêutico; tradução Renata Scavone de Oliveira; revista ciêntifica Luiz Henrique de Araújo Machado. – 4.ed.- Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

M. M. HANNIGAN. A refractory case of Schnauzer comedo syndrome, Can Vet, Canadá, v. 38, p.238-239, April. 1997.

Cristiane Wilhelm

Medica veterinária formada pela UNIGRAN (Dourados – MS) no ano de 2009. Pós graduações em clínica medica, cirúrgica e dermatologia de pequenos animais. Atuou até 2018 com clínica medica e cirúrgica, e desde 2019 se dedica exclusivamente ao atendimento dermatológico de pequenos animais, possui diversos cursos nacionais e internacionais na área. Sócia proprietária e responsável pelo setor de dermatologia do consultório Vet Experts – Serviços veterinários especializados na cidade de Campo Grande – MS.

Gabriela Sena

Médica veterinária graduada pela UFG (Universidade Federal de Goiás) em Jataí – GO no ano de 2018. Pós-graduada em dermatologia de animais de companhia pelo instituto Qualittas em Goiânia – GO. Atua dentro da clínica médica de pequenos animais exclusivamente no período matutino e no período vespertino presta serviço especializado para atendimentos dermatológicos em clínicas parceiras dentro de Goiânia – GO. Constantemente tem se atualizado dentro da dermatologia veterinária, por meio de cursos e participando de congressos.

 

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