O avanço e as limitações do exame ultrassonográfico na clínica veterinária de pequenos animais- a medicina para poucos

Por Valeska Rodrigues

O avanço e as limitações do exame ultrassonográfico na clínica veterinária de pequenos animais- a medicina para poucos

Adrenocortical carcinoma in dogs – ultrasound and computed tomography aspects – Report of two cases.

Desde o desenvolvimento de equipamentos médicos de ultrassom, a evolução na qualidade e quantidade de serviço oferecido avançou em números na última década, porém sem atualizações, renovação, muitos profissionais acabam reféns do passado. Com a evolução das tecnologias, surgiram novas especialidades dentro da modalidade ultrassonografia veterinária, concomitante com maior oferta de veterinários capacitados. Tendo em vista a evolução dessa área abrangente, esta apresentação tem como objetivo abordar as diferentes modalidades atuais, comparadas as técnicas mais antigas na ultrassonografia veterinária, as limitações e expectativas para o futuro.
Palavras chave: diagnóstico por imagem, medicina veterinária, ultrassonografia

Since the development of medical ultrasound equipment, the evolution in the quality and quantity of service offered has advanced in numbers in the last decade, but without updates, renovation, many professionals end up hostages of the past. With the evolution of technologies, new specialties emerged within the veterinary ultrasound modality, concomitant with a greater supply of trained veterinarians. Given the evolution of this comprehensive area, this presentation aims to address the different current modalities, compared to older techniques in veterinary ultrasound, limitations and expectations for the future.

Keywords: Imagediagnosis, veterinary medicine, ultrasound.

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O desenvolvimento de equipamentos médicos que auxiliam ao diagnóstico vêm acompanhando a evolução da medicina, bem como na medicina veterinária. Desde os estudos sobre acústica, ondas sonoras, ecolocalização de morcegos, descoberta do efeito piezoelétrico, séculos se passaram, porém quando tais informações foram reunidas, em um momento de alto desenvolvimento industrial e de tecnologia, equipamentos de ultrassonografia puderam ser desenvolvidos. Oriundo de instrumentos anteriormente utilizados como sonares, ainda na década de 1910, após evoluírem nos anos de Segunda Guerra Mundial, o primeiro ultrassom, voltado para fins médicos foi proposto em 1942, porém somente na década de 60 que os equipamentos em modo bidimensional começaram a ser produzidos. A partir dessa época, a evolução da medicina diagnóstica avançou, sendo refletida também na medicina veterinária. (O’BRIEN, 1998; MOURA, 2016).

As primeiras imagens em animais foram realizadas em 1956, para mensuração de carcaça bovina, porém como meio diagnóstico apenas em 1966, com a avaliação de uma cabra gestante(SEOANE et al., 2011). Após esse período, a ultrassonografia não somente evoluiu em qualidade de imagem, mas também abrangendo um maior número de estruturas a serem avaliadas, método ativo para guiar punções, anestesias loco regionais e desenvolvimento de técnicas mais específicas, como a elastografia e as modalidades de Doppler. Além do exame em modos já conhecidos (MODO B, MODO M, MODO A, MODO3D e MODO 4D) é possível a realização de exames com contrastes, como por exemplo microbolhas (ROZANKI et al., 2005; FROES e BENTES, 2007, MOURA, 2016; PORTES, 2019, CAMACHO-ROZO, 2020).

Entretanto, muitas dessas modalidades ainda não são de fácil acesso, tanto ao operador, quanto aos médicos veterinários que solicitam exames de imagem. A grande maioria dos ultrassonografistas investe em equipamentos portáteis, que possuem menor custo, com menos recursos (geralmente modos B e M) ou resolução espacial inferior. Para compensar, a industrial de equipamentos médicos tem melhorado a qualidade dos aparelhos, com formação de imagens de alta resolução, adaptação de presets e transdutores multifrequenciais(NYLAND e MATTOON, 2004; MOURA, 2016). Um dos motivos para esse interesse é a restrição de custos e valores obtidos nos exames. Ainda há restrição financeira dos tutores quando se indicam exames de ultrassom ou radiográficos.

Exames de imagem são ferramentas importantes aos profissionais de saúde e isso não é diferente na medicina veterinária. Além de auxiliar o diagnóstico, a ultrassonografia pode ainda ser indicada para realização de punções guiadas, drenagem, aplicação de fármacos ou bioativos, monitorar evolução de quadros já evidenciados anteriormente, constatar a viabilidade de tecidos e órgãos. Para a formação de imagens, adaptações a equipamentos são necessárias, de forma geral ou individual para cada paciente (FELICIANO et al. 2015).

Profissionais que se interessam pelas técnicas ultrassonográficas são desafiados de tempos em tempos por novidades e ajustes. Para isso, precisam conhecer seu aparelho, saber criar ou ajustar os presets. A qualidade da imagem está intimamente ligada aos ajustes para cada exame, ambiente e paciente, respeitando-se as regras básicas, como frequência, foco, ganho, escala de cinza.As figuras de 1 a 4 são exemplos de imagens ultrassográficas obtidas de exames em modo B, em diferentes equipamentos.

Figura 1: Imagem ultrassonográfica em modo B, de testículos de cães, em corte longitudinal, com a apresentação de linha mediastinal, achado compatível com normalidade. (Arquivo pessoal)
Figura 2: Imagem ultrassonográfica em modo B de rim canino, em corte longitudinal, apresentando discreta irregularidade de margens e calcificações em divertículo, compatíveis com a idade e condição clínica do animal. (Arquivo Pessoal)
Figura 3: Imagem ultrassonográfica gestacional em modo B, de cadela em terço final de gestação, evidenciando a vulva do feto de gênero feminino (F). (Arquivo pessoal).
Figura 4: Imagem ultrassonográfica em modo B, de estrutura anômala, com margens homogêneas e área central produtora de sombra acústica, sugerindo corpo estranho gástrico, neste caso uma azeitona verde retirada por endoscopia. (Fonte: arquivo pessoal)

Além dos artefatos descritos na literatura, alterações de imagem podem gerar interpretações errôneas e laudos inverídicos. Saber reconhecer os artefatos e as alterações/distorções de imagem não é uma tarefa fácil, porém importante para o diagnóstico correto.

A interpretação de laudos ultrassonográficos também faz parte dos pontos de dificuldade em exames de imagem, uma vez que cada ultrassonografista possui modelos diferentes de laudos, sendo os mais comuns os descritivos (relatórios) e os conclusivos ou de impressão diagnóstica. Quando os exames solicitados são devolvidos em forma de relatório, a interpretação dos dados ainda é papel do médico veterinário. Entretanto, a falta de conhecimento sobre a nomenclatura ultrassonográfica, visto que muitos achados podem ser evidenciados em diversas enfermidades, poderá causar desconforto do profissional. Dentro dos cursos de medicina veterinária, a ultrassonografia é pouco abordada nos cursos de graduação e se faz necessária a realização de cursos, pós graduação, além de atualização. Raramente no curso de graduação o aluno terá oportunidade de realizar ajustes em equipamentos, testar ou criar presets, alguns não irão realizar exames de imagem. Após o término da graduação, um número reduzido de profissionais apresenta interesse pela ultrassonografia, para melhor acesso às técnicas de imagem ou iniciar o serviço de ultrassonografia, seja móvel (volante) como em local fixo (clínicas, centros de Diagnóstico por Imagem). (FROES e BENTES, 2007; OLIVEIRA et al, 2010)

Quanto a aquisição de equipamentos, a oferta de produtos está maior quando se compara a anos anteriores. Além de equipamentos em preto e branco (MODOS M e B), os aparelhos com Color Doppler, Power Doppler, Doppler Pulsado (figura 5) ou Contínuo, são os mais procurados, principalmente os portáteis. (MOURA, 2016; BIANCHI e EIFLER, 2019). Os equipamentos fixos podem ter os modos 3D (montagem tridimensional de cortes, figura 7), 4D e Elastografia (Elástica ou Sonoelástica), como na figura 6, além do Modo A ainda utilizado em oftalmologia. Muitos dos Modos citados são adquiridos em forma de Software, à parte, quando se adquire um equipamento de ultrassom. Também vale para exames contrastados (microbolhas). (CARVALHO et al., 2012; CRUZ et al., 2021)

Com tantos avanços e maior acesso aos métodos diagnósticos, saber indicar o exame específico poderá fazer toda a diferença na condução do caso clínico. Infelizmente não se pode esquecer das limitações do exame ultrassonográfico, preparar o paciente para o exame e interpretar o laudo. Raramente se faz necessária a sedação do paciente, salvas exceções dos animais com algia/hiperalgia. É importante que o paciente receba analgésicos em quadros de pancreatite, colecistite, uma vez que o desconforto abdominal nesses casos poderá dificultar a varredura durante o exame. Outro motivo para a sedação do paciente são exames mais detalhados, em que a contenção física não é suficiente. Vale ressaltar que a medicação poderá interferir no resultado do exame, como esplenomegalia, alteração do fluxo de artérias como a artéria renal.

Figura 5: Imagem ultrassonográfica de exame em modo B/Doppler colorido e Pulsado, para verificação de avaliação ecocardiográfica de feto canino. (Arquivo pessoal).
Figura 6: Imagem ultrassonográfica em Modo B e Elastrografia por compressão SE, de lobo hepático canino. (Arquivo Pessoal).
Figura 7: Imagem ultrassonográfica em modo 3D (estático) em reconstrução, para avaliação renal e nefrolitíase. (Arquivo pessoal)

Considerações finais

Considerando a evolução da medicina diagnóstica e a veterinária segue essa tendência, é de sua importância que os profissionais que trabalham com ultrassonografia tenham consciência da importância e responsabilidade técnica em seus exames e laudos. Lembrando que a documentação dos achados deve ser realizada de forma a auxiliar o médico veterinário no diagnóstico. A cada dia mais profissionais estão buscando cursos e equipamentos novos, sendo necessária a atualização técnica. Além das técnicas para diagnóstico, ainda temos a utilização do ultrassom para a medicina e medicina veterinária intensiva, com papel importante em pacientes de risco, o que concentra maior responsabilidade do ultrassonografista a cada dia. A associação de exames e avalição do paciente, de forma conjunta, direciona de forma mais eficiente e rápida para se chegar ao diagnóstico, o ultrassom é mais uma dessas chaves como referência ao diagnóstico, mesmo com suas limitações.

Em um futuro bem próximo, os exames mais específicos, com as técnicas mais avançadas estarão mais acessíveis que nos dias atuais, tanto para os médicos veterinários quanto para pesquisadores, gerando maior acurácia no diagnóstico, na contrapartida de mais estudos e especialização.

Referências

BIANCHI, F., EIFLER, L. S. Ultrassom de bolso: aplicações na prática médica. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, v.63, n.4, p. 455-461, 2019

CARVALHO, C. F.; CHAMMAS, M. C.; OLIVEIRA, C.P.M.S.; COGLIATI, B. CARRILHO, F.J.; CERRI, G.G. Elastographyandcontrast-enhancedultrasonography improves earlydetectionofhepatocellular carcinoma in na experimental modelof NASH. JournalofHepatology, Amsterdam, v. 3, n. 2, 96-101, 2012.

FELICIANO, M. A. R., CANOLA, J. C.; VICENTE, W. R. R., Diagnóstico por imagem em cães e gatos. São Paulo: MedVet, 2015.

FROES, T. R., BENTES, R. N. Emprego da ultrassonografia móvel na medicina veterinária: estudo retrospectivo. Clínica Veterinária, n.66,p.36-42, 2007.

MOURA, J. C. A. Evolução da imagem ultrassonográfica na reprodução animal. Revista Brasileira de Reprodução Animal, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.148-153, 2016.

NYLAND, T. G., MATTOON, J. S. Diagnóstico Ecográfico em PequeñosAnimales. p. 189, 2004.

O’BRIEN, W. D. AssessingtheRisks for. ModernDiagnosticUltrasoundImaging.JapaneseJournalofAppliedPhysics, v.37, n.5,p.2781-2788, 1998.

OLIVEIRA, M. E. S, ZANATTA, R, FROES, R. R. Educação à distância no ensino do diagnóstico por imagem em medicina veterinária: relato de experiência. Ciência Rural, Santa Maria, v.40, n.7, p.1569-1575, 2010.

SEOANE, M. P. R., GARCIA, D. A. A, FROES, T. R. A HISTÓRIA DA ULTRASSONOGRAFIA VETERINÁRIA EM PEQUENOS ANIMAIS. ArchivesofVeterinary Science.v.16, n.1, p.54-61, 2011.

Valeska Rodrigues

Possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003), mestrado em Cirurgia Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2006) e doutorado em Cirurgia Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009). Atualmente é docente da Universidade de Franca, no curso de Medicina Veterinária, atuando principalmente nos seguintes temas: Diagnóstico por Imagem, Fisiopatologia da Reprodução, Reprodução Animal, Anatomia Veterinária. Presta serviço de ultrassonografia veterinária desde 2009 até os dias atuais.

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