Carcinoma adrenocortical em cães: aspectos ultrassonográficos e de tomografia computadorizada – Relato de dois casos

Por Beatriz de Lima Baleeiro e Flávio Augusto Marques dos Santos

Carcinoma adrenocortical em cães: aspectos ultrassonográficos e de tomografia computadorizada – Relato de dois casos

Adrenocortical carcinoma in dogs – ultrasound and computed tomography aspects – Report of two cases.

Resumo
O carcinoma adrenocortical é o tumor primário maligno mais comum em cães, e quando funcionais, promovem a secreção excessiva de hormônios podendo causar sinais clínicos de hiperadrenocorticismo bem como alterações nos testes hormonais. Quando não funcionais se comportam de maneira silenciosa sendo muitas vezes achados incidentais nos exames de imagem. A anamnese detalhada, histórico clínico do paciente, exames de análises clínicas e de imagem, como a tomografia computadorizada e a ultrassonografia abdominal, são fundamentais para diagnóstico, juntamente com a adrenalectomia, análise histopatológica e imunohistoquímica das glândulas acometidas. Este trabalho tem como objetivo descrever os aspectos tomográficos e ultrassonográficos de um carcinoma adrenocortical em dois cães.

Palavras-chave: Adenocarcinoma – Adrenal – Cães – Ultrassonografia

Abstract

Adrenocortical carcinoma is the most common primary malignant tumor in dogs and, if functional, stimulate excessive hormone  secretion causing clinical signs of  hyperadrenocorticism as well as hormonal tests abnormalities. When not functional its behavior is silent, often found incidentally in imaging exams. Detailed anamnesis, clinical history of the patient, clinical analysis and imaging exams such as computed tomography and abdominal ultrasound are fundamental diagnostic tools in addition to adrenalectomy, histopathological and immunohistochemical analysis of the affected glands. The objective of this study is to describe tomography and ultrasound aspects of an adrenocortical carcinoma in two dogs.

Keywords: Adenocarcinoma – Adrenal – Dogs – Ultrasonography

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Introdução
Na literatura veterinária as neoplasias adrenais primárias possuem baixa incidência1-4, e incluem os adenomas, adenocarciomas e feocromocitomas. Os feocromocitomas são considerados raros, já os adenomas e adenocarcinomas são os mais comuns e quando funcionais, promovem secreção excessiva de glicocorticóides sendo responsáveis por 15% a 20% dos casos de hiperadrenocorticismo (HAC) na espécie canina. Além da secreção de cortisol, estes tumores podem secretar outros hormônios como a progesterona, 17-hidroxiprogesterona, androstenediona, aldosterona e estradiol5,6. Contudo, tumores adrenais nem sempre são funcionais, ou seja, podem não secretar glicocorticóides e consequentemente os pacientes acometidos não apresentam elevação dos níveis de cortisol nos testes hormonais ou sinais clínicos compatíveis com o HAC. Portanto, testes hormonais e técnicas de imagens são ferramentas importantes de triagem e de auxílio na conduta e no diagnóstico das lesões em glândulas adrenais 1, 7-9.

Com os avanços das técnicas de imagem como a ultrassonografia (US), tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) as anormalidades em glândulas adrenais têm sido detectadas mais frequentemente, tanto em casos clínicos quanto em casos subclínicos da doença9.  Um estudo com 270 cães submetidos a tomografia computadorizada abdominal revelou que 25 (9,3%) apresentaram nódulos adrenais incidentais3. Já na ultrassonografia, nódulos adrenais incidentais foram detectados em 151 de 3.748 pacientes (4%)10. Em ambos os estudos, houve maior prevalência de lesões adrenais incidentais em cães de idade mais avançada.

A US é comumente a primeira modalidade escolhida para a avaliação das adrenais de cães e gatos, sendo capaz de identificar, em grande parte das vezes, alterações no formato, tamanho, a presença ou não de nódulos/ lesões focais em parênquima e invasão tumoral de estruturas vasculares adjacentes1,2,10-12. A TC, que tem sido cada vez mais utilizada na medicina veterinária, apesar de ser considerada superior a ultrassonografia na avaliação de lesões em adrenais e principalmente na determinação da presença ou não de invasão vascular, geralmente é utilizada em conjunto com a ultrassonografia3,6,13.

O objetivo deste trabalho é relatar os aspectos ultrassonográficos e de TC em dois animais da espécie canina, portadores de um adenocarcinoma de adrenal e que foram posteriormente submetidos a adrenalectomia, análise histopatológica e imunohistoquímica das glândulas acometidas.

Relato de caso
Foram encaminhados para ao laboratório veterinário PROVET dois pacientes da espécie canina, fêmeas, castradas para a realização de exames de análises clínicas e de imagem.

Paciente I: sem raça definida, 13 anos de idade, pesando 24kg, com histórico de poliúria, polidipsia, polifagia, letargia, intolerância ao exercício, ganho de peso e abdômen abaulado. O exame de US abdominal revelou aumento da glândula adrenal esquerda (medindo cerca de 4,3cm de comprimento por 1,5cm de espessura de polo caudal por 2,2cm de espessura do polo cranial), que apresentava ecogenicidade elevada e ecotextura heterogênea, destacando-se, em polo cranial, imagem de superfície retilínea e hiperecogênica, formadora de discreto artefato de sombreamento acústico posterior medindo cerca de 0,9cm no seu maior eixo, sugerindo uma área de mineralização entremeada em parênquima glandular. A glândula adrenal direita apresentava dimensões dentro dos valores de referência, porém, com uma pequena nodulação hiperecogênica e homogênea entremeada no polo cranial. Foi observado ainda, uma formação hepática em região topográfica de lobo lateral esquerdo, medindo 6,6cm de comprimento x 4,7cm de altura, hipoecogênica, grosseira, e com sinais captáveis de vascularização ao modo Doppler de amplitude (Figura 1).

Figura1 – Imagem ultrassonográfica da glândula adrenal esquerda (A) e da formação hepática em topografia de lobo lateral esquerdo (B). Foto: Arquivo pessoal.

Os exames complementares como a pressão arterial sistêmica, hemograma, função renal, ecocardiografia e radiografia da cavidade torácica estavam dentro dos parâmetros da normalidade, exceto a função hepática, que apresentou aumento das enzimas séricas alanina aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA) e o triglicérides que estava elevado. No teste de supressão com dexametasona, o cortisol basal estava acima do valor de referência e, 8 horas após a dexametasona, permaneceu elevado; o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) estava dentro da normalidade (Figura 2).

Figura 2 – Exames complementares da paciente I.

Com a finalidade de planejamento cirúrgico foi solicitado uma TC da cavidade abdominal na qual constatou-se aumento das dimensões da glândula adrenal esquerda, que apresentou realce heterogêneo ao meio de contraste e áreas hipodensas e de mineralizações entremeadas (Figura 3). A glândula adrenal direita apresentou área focal hipodensa e grosseira de permeio ao polo cranial. Uma formação amorfa, de contornos irregulares e parcialmente definidos, com realce heterogêneo ao meio de contraste foi observada na topografia de lobo hepático lateral esquerdo (Figura 4).

Figura 3- Imagens de Tomografia computadorizada, pós-contraste, nos planos sagital (A), transversal (B) e dorsal (C). A seta azul indica a adrenal esquerda (polo cranial), sendo possível caracterizar áreas hipodensas entremeadas em parênquima, além de uma área de calcificação (seta laranja). A adrenal esquerda faz contato íntimo com o rim esquerdo (*). Foto: Arquivo pessoal.
Figura 4- Imagens de Tomografia computadorizada, pós-contraste, nos planos sagital (A), transversal (B) e dorsal (C). As setas azuis indicam a formação hepática em lobo lateral esquerdo com realce heterogêneo ao meio de contraste. A adrenal esquerda pode ser observada (seta laranja) próxima ao rim esquerdo (*). Foto: Arquivo pessoal.

A paciente foi submetida a adrenalectomia esquerda e lobectomia hepática (Figura 5) e o material foi enviado para análise histopatológica que revelou neoplasia adrenocortical bem diferenciada. Já a formação hepática, que inicialmente acreditava-se ser metástase da neoformação adrenal, segundo o exame histopatológico, tratava-se de um carcinoma hepatocelular trabecular (Figura 6). Com a imunohistoquímica, concluiu-se se que a neoplasia adrenal tratava-se de um carcinoma adrenocortical (Figura 7).

Figura 5 – Imagens do trans-cirúrgico e pós-cirúrgico, respectivamente, da adrenalectomia e lobectomia hepática. A: Exposição da glândula adrenal esquerda (seta amarela) e rim esquerdo (*). B. Lobo hepático exposto com o parênquima normal (*) e com a formação (seta amarela). M.V. Dra. Adriana Tomoko Nishiya
Figura 6 – Aspecto microscópio do carcinoma adrenocortical (A) e carcinoma hepatocelular (B), 40x. No carcinoma adrenocortical, há células corticais poliédricas com citoplasma eosinofílico repleto por pequenos vacúolos, núcleo redondo e moderada anisocariose. O carcinoma hepatocelular apresenta trabéculas desorganizadas de hepatócitos com ocasional binucleação, e perda do espaço portal. Foto: Arquivo pessoal.
Figura 7- Expressão imunohistoquimica do carcinoma adrenocortical, 40x. Negativo para GATA4 (A), negativo para cromogranina (B), negativo para INIBINA (C), negativo para sinaptofisina (D) e positivo para Ki67 o que favorece para o diagnóstico de carcinoma adrenocortical (E). Foto: Arquivo pessoal

Paciente II: labrador retriever, 10 anos de idade, pesando 38kg, com histórico clínico de incontinência urinária e prurido em região axilar, mandibular e região distal de membros torácicos e pélvicos. Foi realizado exame ultrassonográfico abdominal identificando-se aumento das dimensões da glândula adrenal esquerda (medindo cerca de 5,4cm de comprimento por 1,1cm de espessura de polo caudal por 2,7cm de espessura do polo cranial), que apresentava ecogenicidade elevada e ecotextura grosseira em polo cranial. Observou-se também, imagem compatível com trombo em leito vascular de veia cava caudal, discretamente cranial à glândula adrenal direita, que mediu cerca de 1,2cm de comprimento x 0,5cm de altura e obliterava parcialmente o fluxo sanguíneo; foi possível identificar ainda, um trajeto vascular  adjacente à região medial da glândula adrenal esquerda, com aumento de ecogenicidade, sem sinais captáveis de vascularização ao modo Doppler colorido e que confluía com a veia cava caudal (na região do trombo caval) (Figura 8). Tais achados eram sugestivos de neoplasia ou hiperplasia de glândula adrenal, acompanhada de trombo venoso em veia cava caudal e, possivelmente, em veia frênico abdominal esquerda. A glândula adrenal direita não apresentou alterações ultrassonográficas.

Figura 8 – (A) Imagem ultrassonográfica da glândula adrenal esquerda. (B) A seta vermelha indica o trombo em veia cava caudal e a seta amarela indica o trajeto da veia frênico abdominal com aumento da ecogenicidade.(C) Não há vascularização ao modo Doppler de amplitude em parte do leito vascular de veia cava caudal e em veia frênico abdominal esquerda. (D) Os calipers delimitam e indicam ao comprimento e altura do trombo em veia cava caudal. Foto: Arquivo pessoal

Os exames complementares como hemograma, função renal, função hepática e glicose estavam dentro dos parâmetros da normalidade bem como o exame ecocardiográfico e radiográfico da cavidade torácica. A pressão arterial sistêmica estava discretamente elevada, o que foi correlacionado com a agitação da paciente no momento da aferição. No teste de supressão com dexametasona o cortisol basal estava acima do valor de referência e, 8 horas após a dexametasona, o cortisol estava normal (Figura 9).

Figura 9 –Exames complementares da paciente II.

Foi realizada TC da cavidade abdominal para planejamento cirúrgico que apontou a presença de formação amorfa, de contornos irregulares e com realce heterogêneo após a injeção de contraste intravenoso, localizada na região topográfica da glândula adrenal esquerda (Figura 10).

Figura 10- Imagens de Tomografia computadorizada, pós-contraste, nos planos sagital (A) e transversal (B). As setas laranjas indicam a formação amorfa em topografia correspondente a glândula adrenal esquerda, medial e dorsal ao rim esquerdo (*). Foto: Arquivo pessoal

A formação apresentava proximidade artéria aorta abdominal, veia e artéria renal esquerdas. Constatou-se ainda, continuidade desta formação com a veia frênico abdominal esquerda, confirmando invasão vascular com obliteração total do seu lúmen e distensão de seu diâmetro, com projeção de conteúdo hipodenso alongado para o lúmen de veia cava caudal, promovendo falha parcial do seu preenchimento intraluminal (Figura 11). Os achados de exames de imagem eram compatíveis com neoplasia de adrenal associada a tromboembolismo neoplásico para veia cava caudal e veia frênico abdominal esquerda.

Figura 11- Imagens de Tomografia computadorizada, pós-contraste, no plano transversal (A e B). A seta azul indica a formação em topografia de glândula adrenal esquerda. A seta laranja indica a veia cava caudal. A linha pontilhada marca o trajeto da veia frênico abdominal esquerda, com distensão de seu diâmetro e com conteúdo hipodenso insinuando-se para o lúmen de veia cava caudal. O * indica o rim esquerdo. Foto: Arquivo pessoal

A paciente foi submetida a adrenalectomia esquerda. Durante o procedimento, a formação se revelou aderida aos tecidos adjacentes, optando-se pelo deslocamento manual do trombo da veia cava caudal para a veia frênico abdominal esquerda, ressecando-as, e evitando a incisão de veia cava caudal (Figura 12).

Figura 12 – Adrenal esquerda após a adrenalectomia. A seta amarela indica a veia frênico abdominal. Foto: M.V. Dra. Adriana Tomoko Nishiya

O material foi enviado para análise histopatológica cujo a celularidade favoreceu o diagnóstico de feocromocitoma. Optou-se pela realização da imunohistoquímica para complementação diagnóstica, a qual foi compatível com carcinoma adrenocortical (Figura 13).

Figura 13 – Aspecto microscópio (A) e expressão imunohistoquímica (B, C, D, E e F) do carcinoma adrenocortical, 40x. Observam-se células com moderado pleomorfismo, dispostas em lóbulos permeados por estroma fibrovascular. As células são arredondadas a poliédricas, com citoplasma finamente granular anfofílico e com moderada anisocitose. Os núcleos são arredondados, com nucléolos conspícuos e moderada anisocariose (A). A células neoplásicas imunoexpressam ki67 (B) e INIBINA (B), favorecendo o diagnóstico de carcinoma adrenocortical. Negativo para sinaptofisina (D), negativo para GATA4 (E) e negativo para cromogranina (F). Foto: Arquivo pessoal

Discussão

Em cães e gatos a prevalência de neoplasias adrenais primárias não é muito clara9 . Uma série de casos da última década documentou o resultado de exames histopatológicos de adrenais de cães apontando um total de 305 tumores primários sendo 95 adenomas, 106 carcinomas e 104 feocromocitomas4, 7, 14-18. Pode-se considerar a maior prevalência de tumores malignos por estes apresentarem-se muita das vezes como grandes formações, sendo mais propensos a adrenalectomia e posteriormente a análise histopatológica7. Porém, quando se trata de uma nodulação adrenal, ainda que o paciente seja assintomático, outros diagnóstico diferenciais devem ser considerados já que tanto os carcinomas quanto os feocromocitomas podem se comportar de maneira silenciosa19,20.

Apesar dos pacientes deste presente relato serem portadores de um carcinoma adrenocortical, ambos foram encaminhados para exames de análises clínicas e de imagem por motivações diferentes. O paciente I apresentava sinais clínicos típicos HAC, já o paciente II não apresentava manifestações clínicas suspeitas de tal afecção, assim como descrito na literatura onde não é incomum casos de que cães assintomáticos são portadores de tumores adrenais primários13, 19-21.  O histórico e exame clínico detalhado do paciente, bem como o hemograma, análise bioquímica sérica incluindo eletrólitos, urinálise, pressão arterial, dosagens hormonais e exames de imagem são importantes para se estabelecer um diagnóstico20.

No HAC, decorrente de um tumor adrenal primário ou não, podem ser identificadas inúmeras alterações hematológicas e bioquímicas como discreta eritrocitose, leucocitose por neutrofilia sem desvio a esquerda, linfopenia, eosinopenia, monocitose e trombocitose, o que não foi observado nos pacientes deste relato. Alguns cães podem apresentar infecção do trato urinário inferior (conforme a queixa principal da paciente II) e a urina com densidade inferior a 1,020, como observado em ambas pacientes deste estudo. Já nas alterações bioquímicas há um aumento das enzimas séricas FA e ALT, hipertrigleceridemia (como visto na paciente I) e hipercolesterolemia. A glicemia sérica também pode estar elevada, bem como a pressão arterial sistêmica6.

Testes hormonais também devem ser realizados, assim como foi executado nas pacientes deste relato. Com a dosagem sérica de cortisol, isoladamente, não é possível se estabelecer o diagnóstico de hiperadrenocorticismo, e mesmo com teste de supressão com dexametasona, que é comumente utilizado, não é possível diferenciar o hiperadrenocorticismo ACTH-dependente (secreção em excesso de ACTH pela hipófise tendo como consequência a hiperplasia adrenal bilateral e hipersecreção de glicocorticoides) do HAC ACTH-independente (secreção excessiva de glicocorticoide independente do controle hipofisário, normalmente secundário a um tumor adrenal). Outros testes incluem a estimulação com ACTH e relação cortisol-creatinia urinária, mas nenhum destes é totalmente efetivo, portanto, faz-se necessário pesquisar através de exames de imagem como a US, TC e RM a presença de tumores adrenais ou hipofisários 6.

A ultrassonografia é uma modalidade importante de triagem, já que por meio desta é possível identificar alterações estruturais e avaliar dimensões, ecogenicidade e ecotextura das glândulas adrenais. Apesar de não haver imagem ultrassonográfica patognomônica de malignidade, estudos demonstram que o tamanho da lesão é um forte indicador de malignidade, já que lesões maiores do que 2,0 cm de diâmetro, são frequentemente identificadas como tumores malignos1. Contudo, há relatos de adenomas com >2, 0cm12,16.

Através da US abdominal, em ambas as pacientes deste relato, foi possível constatar o aumento da glândula adrenal que apresentou ecotextura heterogênea sendo que, na paciente I, foi possível visualizar uma imagem sugestiva de calcificação entremeada em parênquima. Contudo, o aspecto ultrassonográfico dos tumores adrenais, tanto nos adenomas, carcinomas ou feocromocitomas é variável. Foram descritos casos de formações bem definidas, homogêneas, isoecogênicas em relação as corticais renais, mas também foram relatadas formações irregulares, mal definidas e heterogêneas12, 13, 18, 21-23. Os carcinomas são descritos como formações irregulares, variando de hipoecogênicas a hiperecogênicas em relação ao tecido adiposo adjacente e com pequenas áreas de calcificações. Há também, relatos da glândula adrenal acometida com manutenção de seu formato habitual, porém, com nódulos únicos ou múltiplos1, 24.

Ainda que incomum, tumores adrenais primários podem ser bilaterais21, 25.  Na medicina veterinária, não há uma tendência de lateralidade, contudo, a presença de lesões/ nódulos acometendo ambas as adrenais é um critério útil para auxiliar da distinção de lesões benignas e malignas1.

No presente relato, o paciente II apresentou invasão vascular tumoral para a veia cava caudal e veia frênico abdominal, que pode ser constatada através da US abdominal. A invasão vascular ocorre com mais frequência nos feocromocitomas do que nos carcinomas3, 7, 15, 16, e presume-se que ocorra através da vasculatura da adrenal acometida26. Um estudo avaliou ultrassonograficamente 34 cães com tumores adrenais para determinação da presença ou não de invasão vascular tumoral, sendo que todos os pacientes foram submetidos a adrenalectomia, histopatologia e/ ou necropsia22. Embora a US tenha falhado na identificação de invasão vascular quando esta ocorreu sem envolvimento da veia cava caudal, ela apresentou sensibilidade de 100% e especificidade de 96%, revelando ser uma boa ferramenta de triagem para a avaliação de invasão vascular, assim como observado neste relato.

Uma série de estudos documentaram os aspectos tomográficos dos tumores adrenais7,13,16,27. Os carcinomas são descritos como formações de contornos irregulares, realce ao meio de contraste variando de homogêneo à heterogêneo, dependendo da fase empregada, e com áreas de calcificação entremeadas. Há relatos na medicina veterinária de lesões identificadas por US e não por TC e também de lesões identificadas por TC e não pela US, portanto, sugere-se que estas modalidades sejam empregadas em conjunto. Apesar da discrepância, a TC é considerada superior a US na detecção da invasão vascular e útil para o planejamento cirúrgico3, 5,16.

A adrenalectomia é o método mais indicado para o tratamento das neoplasias adrenais5. Há uma maior taxa de mortalidade em formações maiores, com invasão vascular e principalmente quando o procedimento é realizado em caráter de emergência15, 28, 29.  A adrenalectomia via laparoscopia no caso de tumores unilaterais e sem evidência de invasão vascular também se revelou um método promissor, e apesar das intercorrências (principalmente a ruptura da glândula), possui várias vantagens quando comparada com a adrenalectomia aberta27. O procedimento de adrenalectomia unilateral total e adrenalectomia parcial da glândula contralateral, em um caso de feocromocitoma e adenocarcinoma cortical, respectivamente, foi relatado em um cão25.

A paciente I apresentou uma formação hepática que inicialmente pensou-se ser metástase da neoplasia adrenal, hipótese que foi descartada através do exame histopatológico. O carcinoma hepatocelular representa metade das neoplasias hepáticas primárias em cães, e costuma localizar-se em lobos esquerdos, mais especificamente no lobo lateral, geralmente como uma formação solitária, assim como descrito neste relato. As glândulas adrenais são um dos locais para a metástase dos carcinomas hepatocelulares30. Já na paciente II, o exame histopatológico favoreceu para o diagnóstico de feocromocitoma maligno, porém, o perfil imunohistoquímico e morfológico favoreceram para o carcinoma adrenocortical. Ambas as situações demonstram a importância da realização dos dois métodos (histopatologia e imunohistoquímica) no diagnóstico de tumores adrenais.

A punção aspirativa por agulha fina guiada por ultrassom é descrita como um procedimento de baixo risco e com uma certa precisão diagnóstica31. Ainda assim, não é um procedimento recomendado, já que o prognóstico de cães adrenalectomizados é favorável a longo prazo, independente do resultado histológico32.

A sobrevida de cães submetidos a adrenalectomia é relativamente longa, e a invasão vascular, isoladamente, não necessariamente esta relacionada com um prognóstico desfavorável. Já o tamanho da lesão, a presença ou não de hemorragia e o caráter do procedimento (emergencial) estão relacionados com uma menor sobrevida28, 32, 33.

Considerações finais

O presente relato demonstra a importância da TC e US como auxílio no diagnóstico dos tumores adrenais. A US teve um papel importante de triagem, pois por meio desta fez-se necessário conduzir os pacientes para a realização de demais exames complementares como a TC, que foi essencial para um adequado planejamento cirúrgico e para a determinação da presença ou não da invasão tumoral para estruturas vasculares adjacentes ou para outros orgãos da cavidade abdominal. Ainda assim, testes laboratoriais bem como o histopatológico e a imunohistoquímica das glândulas adrenais ou outras formações concomitantes, quando presentes e viáveis de serem removidas cirurgicamente, são necessários para a diferenciação das neoplasias e complementação diagnóstica.

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M.V. Prof. Flávio Augusto Marques dos Santos

-Médico Veterinário graduado pela FMVZ-USP em 1997. -Residência médico veterinária em Diagnóstico por Imagem pela FMVZ-UNESP Botucatu em 1999. -Médico Veterinário pós-graduado strictu sensu, nível mestrado, pela FMVZ-UNESP Botucatu em 2002. -Médico Veterinário responsável pelo serviço de imagem do HOVET-UNISA de 2001 a 2008. -Professor de Diagnóstico por Imagem da FMV Universidade Guarulhos de 2011 a 2014. -Professor de Diagnóstico por Imagem da FMV Universidade Anhembi Morumbi desde 2003. - MV, MSC. Sócio-fundador da VOXVET - Medicina Diagnóstica.

Beatriz de Lima Baleeiro

-Médica Veterinária pela Universidade Guarulhos (Ung) em 2017. -Programa de trainee na VOXVET (Hospital Petx e Laboratório Hemovet) em 2018. -Especializada em Diagnóstico por Imagem em Pequenos Animais pela ANCLIVEPA – SP de 2019 a 2021. -Ultrassonografista da Provet desde 2018.

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