Meu Gato Paralisou As Patas Traseiras! E Agora?

Por: MV Esp Jennifer Hummel e MV Esp Gustavo Vicente

Principais mielopatias em felinos

É muito comum recebermos felinos com paralisia em membros pélvicos na rotina do médico veterinário, porém, sempre surge a dúvida: qual a causa dessa paralisia?

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Ao contrário do que ocorre nos cães, a hérnia de disco não é a doença mais comum que causa paralisia em gatos. Inclusive, é a mais incomum, representando apenas 0,12% da prevalência. À exceção de raças mais predispostas à desenvolver esta doença, como o Persa e o British Shorthair, a hérnia de disco não deve ser a primeira opção diagnóstica do médico veterinário.

Um estudo realizado pela Universidade da Pensilvânia, avaliou a causa post mortem de mielopatias em 205 gatos através da análise histopatológica, e obteve como resultado uma confirmação de que as causas inflamatórias/infecciosas foram as mais frequentes (32% dos gatos), seguidas pelos transtornos neoplásicos (27%), traumáticos (14%), congênitos ou hereditários (11%), vasculares (9%), e metabólicos/nutricionais (1%). Um outro estudo realizado no Hospital de Pequenos Animais da Faculdade Veterinária de Montevideo, no período de 2009 a 2014, fez um levantamento retrospectivo de 53 pacientes felinos, e identificou que as causas traumatológicas representaram 36% dos transtornos neurológicos, seguidas pelas inflamatórias (19%) e infecciosas (17%). Outro estudo correspondente à Universidade do Chile comunicou que os transtornos traumatológicos são a causa mais frequente de consulta neurológica em gatos.

Para chegar a um diagnóstico presuntivo e/ou definitivo é muito importante levar em consideração os seguintes aspectos:

1- Resenha: é de fundamental importância saber a raça, idade e sexo do paciente, pois há doenças que são representadas na maioria das vezes em filhotes, outras em adultos, outras em determinada raça, e assim por diante.

2- Anamnese: saber como começou a apresentação dos sinais clínicos e como evoluiu até o dia de hoje é fator primordial para triagem dos grupos de causas patológicas na neurologia. Veja o diagrama abaixo:

Figura 1- Gráfico de evolução dos sinais clínicos neurológicos ao longo do tempo para o grupo de causas neurológicas de paralisia em felinos

3- Histórico mais detalhado possível: o histórico de viagens, local onde vive e acessos do gato na sua rotina diária (telhados, rua, lagos, etc.) são fundamentais para entender como que o animal adquiriu a doença.

No cenário brasileiro, podemos encontrar como principais doenças causadoras de mielopatias em felinos a Peritonite Infecciosa Felina (PIF), o Vìrus da Leucemia Felina (FeLV), o Linfossarcoma, o Trauma Medular Agudo e a Mielopatia Parasitária Transitória da Gurltia paralysans.

Peritonite Infecciosa: A PIF é uma doença multissitêmica, invariavelmente letal, causada por um coronavirus felino, que produz uma polisserosite progressiva (forma efusiva) e/ou uma piogranulomatose (forma não efusiva) de natureza imunomediada. Constitui a principal causa infecciosa de morte em gatos. Tem sido relatado que PIF associada a meningoencefalite é o transtorno inflamatório mais comum do SNC nos felinos domésticos. Os gatos habitualmente se infectam em torno das 9 semanas de vida. O período de tempo entre a exposição inicial ao vírus e o aparecimento dos sinais clínicos da doença podem ser tão curtos como 2 a 3 semanas, ou longos, de vários meses a, mais raramente, anos. O curso da doença entre o início dos sinais clínicos e a morte também são variáveis, mas geralmente é mais curto nos gatos mais jovens e nos que apresentam a forma efusiva, que nos gatos mais velhos e nos que possuem a forma não efusiva.

As manifestações clínicas incluem convulsões, alteração do estado mental, condutas anormais, incoordenação, tremores de intenção, deficiências em nervos craneanos, sinais vestibulares centrais, ataxias, tetraparesia, hiperestesia e reações posturais alteradas. Se a lesão piogranulomatosa afeta a medula ou a um nervo periférico, pode observar-se claudicação, ataxia ou paresia. Em gatos com mielopatia provocada por PIF, os sinais cervicais são observados em 93% dos gatos afetados.

Vírus da Leucemia Felina (FeLV): pode provocar diferentes sinais neurológicos, tais como letargia, condutas anormais, vocalização, hiperestesia, incontinência urinária e paraparesia/paraplegia. Em um estudo retrospectivo de 16 gatos com infecção crônica por FeLV, o sinal mais comum foi a paraparesia progressiva que evoluiu à paraplegia ao longo de 1 ano. A idade média dos gatos afetados foi de 9 anos. Somente 33% dos animais tiveram alterações hematológicas típicas associadas à infecção por FeLV (anemia, macrocitose, neutropenia, macrotrombocitos e trombocitopenia); todos foram soropositivos durante 2 a 4 anos.

Linfossarcoma: é o tipo de neoplasia mais comum que afeta a medula espinhal dos gatos, podendo representar 40% dos casos de neoplasia espinhal. O linfossarcoma espinhal tende a possuir uma localização torácica e lombossacra, porém frequentemente a doença se apresenta como um quadro multifocal, disseminando-se inclusive ao cérebro em 31-43% dos casos. Os sinais clínicos mais comuns são similares aos relatados para outros tumores espinhais, e consistem em paraparesia assimétrica progressiva ou paraplegia, e hiperestesia espinhal. Os gatos com linfossarcoma, além disso apresentam uma alta prevalencia de sinais inespecificos como anorexia, letargia, perda de peso, sinais de infecção do trato respiratório e alterações de comportamento. A presença desses sinais se explica pela imunossupressão associada a positividade da infecção com o FeLV, presente em 56% dos gatos com linfossarcoma. 93% dos gatos com linfossarcoma espinhal desenvolveram os sinais clínicos menos de 2 meses antes do diagnóstico, tempo significativamente menor que em outras neoplasias espinhais.

A idade do paciente, o início e a progressão da doença e a localização neuroanatômica dos sinais neurológicos tem sido sugeridos como fatores de importância que permitem a suspeita clinica de linfossarcoma no SNC: os gatos jovens, com mais de uma localização neuroanatômica e um curso agudo de rápida evolução (menos que 15 dias), tem 90-98% de probabilidades de ter linfossarcoma do SNC. O diagnóstico definitivo requer um protocolo de métodos complementares que incluem analise hematologica completa, provas sorologicas de doenças infecciosas, ecografia abdominal, radiografia de tórax, aspiração de linfonodos e da medula óssea, e RM.

Trauma Medular Agudo: As condições traumáticas mais frequentes incluem fraturas e luxações vertebrais toracolombares, subluxação/luxação sacrocaudal, isquemia traumática e doença extrusiva do disco intervertebral.

No geral, o TMA pode ser resultado de um episódio que afete de forma direta a medula espinhal (contusão/concussão/laceração), ou outra condição que afete as estruturas vizinhas (meninges, vértebras, discos intervertebrais), com comprometimento secundário da medula espinhal. Aproximadamente 20% dos gatos com TMA também apresentam uma extrusão discal secundária ao traumatismo. Porém, qualquer região vertebral é suscetível ao trauma, os locais mais comuns de avulsão, fratura e luxação são os segmentos cervicotorácico, toracolombar, lombossacro e sacrocaudal.

Aproximadamente 20% dos animais com fraturas toracolombares possuem outra fratura/luxação vertebral. Por esse motivo, recomenda-se que sejam realizadas radiografias de tórax e ecografia abdominal. Se for necessária a sedação para conseguir um bom posicionamento, o manejo do gato deve ser feito com extrema cautela pois o relaxamento da musculatura epiaxial é um motivo potencial de desestabilização adicional da coluna vertebral.

As lesões na região sacrocaudal são particularmente frequentes em gatos. As causas habituais são traumatismos de diversas origens (tração violenta da cauda, acidentes com carros, mordeduras, tiros), e os sinais clínicos predominantes originam-se do comprometimento do nervo pudendo (com origem nos segmentos medulares S1-S3), que é responsável pela inervação sensitivo-motora dos esfíncteres anal e uretral, e a sensibilidade do períneo e órgãos genitais; dos nervos pélvicos (com a mesma origem que o nervo pudendo), que inervam a porção parassimpática do reto, genitais e músculo detrusor da bexiga; e dos nervos caudais (sensitivo- motores da cauda). As deficiências observadas as vezes nos membros pélvicos são resultado do compromtimento secundário do nervo ciático (geralmente por tração ou hemorragia) e costumam ser moderadas a leves. Os animais afetados apresentam a cauda paralisada, geralmente molhada e suja pelos dejetos. Costuma haver ausência de sensibilidade a partir do local da lesão. Se também é afetada a irrigação, produz-se necrose ou gangrena caudalmente ao local afetado. Imediatamente após a lesão, alguns animais podem apresentar ataxia dos membros pélvicos e alterações nos reflexos perineais.

Mielopatia Parasitária Transitória por Gurltia paralysans: Trata-se de um parasito que, na sua forma adulta, aloja-se nas veias espinhais dos gatos provocando uma hemorragia por sufusão que compromete a medula de maneira variável. Pouco se sabe acerca da patogênese da infecção por G. paralysans. Tem sido proposto que os gatos domésticos são hospédes acidentais, e que pequenos felinos selvagens como o gato-chileno (Felis guigna) no Chile, o gato-do-mato (Felis. Geoffroyi) no Brasil e na Argentina, são os verdadeiros hóspedes definitivos, alojando o parasito no pulmão. Desde o ponto de vista epidemiológico, os indivíduos afetados residem sempre em áreas rurais, não tendo sido diagnosticada essa parasitose em nenhum local urbano. É provável que os gatos infectem-se ingerindo pequenos lagartos. Também tem sido considerado como possíveis hóspedes intermediários ou paratênicos aos insetos (moscas e besouros), moluscos (caracóis e lesmas), sapos e roedores.

Os gatos afetados apresentam sinais típicos de uma mielopatia crônica, resultado da compressão da substância branca, principalmente do cordão dorsal da zona toracolombar e lombossacra, ocasionada pela proliferação vascular produzida pelo parasito. Os sinais clínicos iniciam-se com a flacidez da cauda, que nunca volta a permanecer ereta, independentemente do humor do gato, sendo atribuída à diminuição do tônus muscular dos músculos da cauda. Depois de 1 a 3 meses de evolução, observa-se uma ataxia marcada que evolui para uma paraparesia moderada a grave aos 5-6 meses, com apoio plantígrado e “marcha de coelho”. Dos 12 aos 18 meses de evolução, observa-se uma paraparesia grave, quase não ambulatória, atrofia muscular severa, diminuição ou ausência de reflexos espinhais e, em alguns casos, atonia vesical. Os segmentos medulares mais afetados são os lombares e lombossacros, com menor comprometimento nos torácicos. Não existem relatos de alterações cervicais ou encefálicas.

Independente da causa etiológica, a fisioterapia tem apresentado resultados muito positivos na reabilitação desses pacientes, seja no alívio da dor e qualidade de vida de um paciente oncológico e terminal, até o retorno funcional dos membros e esfíncteres em casos de traumas. Cada patologia é abordada de uma forma particular pelo fisiatra veterinário juntamente com o clínico de forma a tratar corretamente cada paciente e chegar a um objetivo terapêutico satisfatório para o animal, para o seu tutor e para o colega veterinário.

Jennifer-Hummel

Jennifer Hummel

Autora do livro “Tratado de Fisioterapia e Fisiatria de Pequenos Animais”
Sócia-proprietária da empresa Mundo à Parte – franqueadora de Fisioterapia Veterinária
Desenvolvedora de equipamentos e diretora da VH Equipamentos
Especialização em Acupuntura Veterinária pelo Bioethicus
Especialização em Fisioterapia Veterinária pelo Bioethicus
Residência Clínica e Cirurgia pela ULBRA-RS
Neurologia Clínica Extensiva com Dr. Pellegrino – Argentina
Neurologia Clínica Intensiva com Dr. da Costa em SP
Módulos CCRP (Certified Canine Rehab Practitioner)
MBA Gestão Empresarial FGV
Autora do capítulo Magnet therapy – static magnetic fields (SMF) and pulsed electromagnetic fields (PEMF) no livro internacional Essential Facts of Physical Therapy, Rehabilitation and Sports Medicine in Dogs and Cats (Bockstahler, Wittek, Levine, Maierl, Millis)

Gustavo-Vicente

Gustavo Vicente

Autor do Livro Veterinário de Sorte e do livro Tratado de Fisioterapia e Fisiatria em pequenos animais
CEO Da Mundo a parte – franqueadora do serviço de fisioterapia veterinária
Veterinário
Diretor da VH Equipamentos
Especialização em Ortopedia pela USP
Especialização em Ortopedia pela Universidade Metodista de São Paulo
Certificação em fisioterapia pelo CEMV (Argentina)
Neurocirurgia em pequenos animais

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