Melhora da Atopia pelo controle da Obesidade

Por Gabriel Luan Pascoski Batista de Souza¹ Cristiane Wilhelm²

Melhora da Atopia pelo controle da Obesidade

Introdução

A Dermatite atópica canina (DAC) e a obesidade são comorbidades que trazem grande prejuízo para o animal, afetando a qualidade de vida e bem-estar a longo prazo (Medeiros, 2017, Debastiani, 2008). A DAC é uma dermatopatia crônica que afeta geralmente animais jovens, com menos de 3 anos, mas também pode se manifestar em animais mais velhos (Medeiros, 2017). A obesidade aparenta estar em crescimento ao redor do mundo, sendo considerada atualmente como uma epidemia, afetando tanto humanos (Lopes, 2007) quanto animais de companhia (Oliveira et al., 2010). Estima-se que cerca de 18 a 44% dos cães já estão com algum grau de sobrepeso, sendo considerado um dos problemas mais comuns na rotina clínica de pequenos animais (Jeusette, 2005).

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A DAC é uma condição caracterizada por uma anormalidade na barreira cutânea que acarreta a entrada da alérgenos ambientais e uma posterior resposta imunológica exacerbada do organismo, fazendo com que este produza imunoglobulina E (IgE) especifica para cada alérgeno penetrante (Moraillin, 2013) e aumente, principalmente,  a produção de Interleucina 31 (IL-31) (Chaudhary, 2019). A resposta do sistema imune acaba gerando inflamação e, consequente, piorada barreira cutânea (Medeiros, 2017). Algumas raças aparentam ter maior predisposição para o desenvolvimento dessa condição, sendo algumas delas: Boxer, Bulldog Francês, Pastor Alemão, West Highland, Labrador e Golden Retriever (Jaeger, 2010) e na rotina clínica observa-se também raças como: Pug, Shih Tzu, Lhasa Apso, Yorkshire e Maltês. Dentre os sinais clínicos mais comuns para DAC estão pruridos, em região de pata, virilha, axila, face e orelha, eritema, otites externas, blefarite, liquinificação em casos crônicos, instalação de infecções oportunistas por cocos e/ou malassezia (Nuttall, 2013), alopecia e lesões traumáticas induzidas pela coceira (Mendonça, 2021). O diagnóstico de Dermatite Atópica é clínico, sendo necessário uma boa anamnese e exame físico, bem como descarte de qualquer outra dermatopatia pruriginosa. (Farias, 2017).

A obesidade canina ocorre quando há um estado de balanço energético positivo prolongado, onde uma alimentação inadequada associada com baixa atividade física, predisposição genética, idade e alterações metabólicas no organismo do animal levam ao acúmulo de uma grande quantidade de tecido adiposo (Debastiani, 2008). O animal é considerado acima do peso quando se encontra 15% acima do que seria o ideal para a raça (Burkholder, 2013). O tecido adiposo é um órgão endócrino ativo, onde as adipocinas produzidas pelas células de gordura são responsáveis por regular respostas fisiológicas importantes no organismo (Speretta et al., 2014). Porém, quando essas adipocinas estão em excesso o organismo do animal se encontrará em um estado inflamatório crônico, o que acarretará em diversas alterações sistêmicas (Odegaard, 2011). Algumas raças aparentam ter maior predisposição para o desenvolvimento de obesidade sendo os Cockers, Beagles, Labradores Retrievers, Pugs, Rottweilers e Golden Retrievers mais acometidos por essa condição (Debastiani, 2008). Dentre as alterações mais comuns em pacientes obesos temos cardiopatias, neoplasias, diabetes mellitus, hipertensão arterial, disfunções ortopédicas e dermatopatias (German, 2006).

Diante disso, o presente relato tem como objetivo demonstrar significativa melhora clínica de uma paciente com dermatite atópica após o tratamento de obesidade.

Relato de Caso

Fêmea, canina, não castrada, 6 anos de idade, da raça Golden Retriever é paciente do consultório clínico veterinário, Vet Experts, desde julho de 2020. Foi diagnóstica com DAC por volta de 5 anos de idade, porém, o tutor relatou que os primeiros sinais clínicos como coceira, alterações em ouvido, patas e boca, começaram aos 2 anos de vida. Desde então, realizou diversos tratamentos, mas apenas com o diagnóstico e tratamento da DAC começou apresentar melhora do quadro alérgico. A prescrição dermatológica para controle incluía Oclactinib (0,4 mg/kg VO), manipulado para áreas atópicas contendo Clorexidine (4%), Aloe Vera (6%) e Aceponato de Hidrocortisona (0,06%), manipulado para conduto auditivo contendo Ciprofloxacina (0,3%), Dexametasona (0,1%) e Miconazol (1%) e em períodos de intensa crise alérgica uso de Prednisolona (0,5 mg/kg) durante 10 dias. A paciente apresentava melhora e recidiva dos quadros alérgicos, visto que uma parte dos cuidados de banho, hidratação de pele e limpeza do ambiente não eram frequentemente realizados pelo tutor e, também, pelo longo espaçamento entre os retornos de consulta. Durante retorno para controle de crise alérgica em Maio de 2021 notou-se que a paciente se encontrava com 45kg, ECC = 9, sendo indicado para o tutor início do protocolo de perda de peso. Em Setembro de 2021, novo retorno foi realizado onde foi observado piora do quadro alérgico e aumento do peso, passando agora para 47 kg. Diante desse aumento súbito iniciou-se investigação para endocrinopatias, com a médica-veterinária especializada em endocrinologia Thatianna Camillo Pedroso, sendo ao final todas descartadas e restando apenas o diagnóstico de obesidade. O tutor possuía dificuldade em identificar o quadro de obesidade, especialmente pelo diagnóstico ser de exclusão e não contar com exame clínico complementar. O protocolo dietético foi instaurado, concomitante ao tratamento da DAC, com objetivo de perda de peso e melhora da condição da paciente. O protocolo visou ofertar 20% a menos da necessidade energética metabólica diária da paciente, realizando ajustes mensalmente para que a perda de peso fosse gradativa. Entre o período de Setembro de 2021 e Julho de 2022 houve uma perda de 25% do peso total, chegando a 35,2 kg. Em paralelo, a sintomatologia da DAC apresentou uma melhora gradativa em comparação ao período de Setembro de 2021, com redução de lambedura, melhora na atividade e qualidade de pele.

Resultado e Discussão

A raça Golden Retriever possui predisposição para o desenvolvimento de ambas as comorbidades comentadas (Debastiani, 2008; Jaeger, 2010). A paciente em questão começou a apresentar os primeiros sinais alérgicos por volta de dois anos de vida, o que está de acordo com o observado dentro da estatística da DAC, uma vez que os animais começam seus primeiros sinais com menos de três anos de idade (Diogo, 2014). Além disso, a própria sintomatologia relatada pelo tutor corrobora com os principais sinais clínicos observados na dermatite atópica canina, sendo eles eritema, prurido, alopecia autoinduzida, escoriações, hiperpigmentação e liquinificação (Mendonça, 2021).

O diagnóstico da DAC é oneroso, demorado e exige muita paciência, pois todo o processo diagnóstico é feito por exclusão de outras dermatopatias pruriginosas (Farias, 2017). Uma vez fechado o diagnóstico é fundamental explicar para o tutor que é uma condição que não possui cura (Colin, 2010) e que o animal necessitará de cuidados diários, hidratação, medicamentos e banhos fazem parte desse protocolo e devem ser instituídos o resto da vida (Mendonça, 2021). Uma parcela da piora do quadro da paciente pode estar associada com essa resistência do tutor em não seguir o tratamento regularmente, pulando períodos de banho, esquecendo de dar a medicação ou então não fazendo a hidratação adequada.

Como já dito, Golden Retrivier possui predisposição para desenvolvimento de obesidade (Jaeger, 2010). A obesidade em si está muito ligada com a dieta, mas fatores de idade, raça, sexo, doenças metabólicas associadas e uso de medicações, tais como glicocorticoides e anticonvulsivantes (Jaeger, 2010; German, 2006), também precisam ser levados em conta. Quando olhamos para as doenças associadas com a obesidade vemos que existe um fator de risco para o aparecimento de dermatopatias (German, 2006). Esse fator de risco, em parte, se explica por uma alteração na produção e expressão do hormônio adiponectina, que possui uma relação importante com a pele (Dall’Aglio, 2021), e um estado geral de inflamação do animal em virtude da produção de citocinas pró-inflamatórias, tais como IL-1B, IL-6, proteína C reativa e fator de necrose tumoral alfa.

A literatura não traz uma relação direta entre melhora da DAC com tratamento de obesidade. Porém, diante dos benefícios apresentados no tratamento da obesidade (Debastiani, 2008; Speretta et al., 2014; Dall’Aglio, 2021; Laflamme, 2006) podemos inferir, ainda que de maneira empírica, que existe uma relação importante entre essas duas morbidades. 

Conclusão

Diante disso, observamos que havia duas alterações sistêmicas pró-inflamatórias agindo no corpo do mesmo animal e o processo de perda de peso, associado com os cuidados diários com a pele, podem ter sido significativamente relevantes para a melhora do estado geral da paciente atópica. Esse relato propicia novas frentes de pesquisa, reforçando a necessidade de melhor compreensão do estado geral de um paciente obeso e os reflexos na saúde geral.

Referência:

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Gabriel Pascoski

Acadêmico de Medicina Veterinária pela UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), em Campo Grande – MS, e estagiário do Consultório Vet Experts. Atualmente realiza diversos cursos na área de nutrição e endocrinologia, áreas nas quais pretende se especializar. Escritor de artigos científicos e participante de congressos nacionais, empreendedor digital com presença nas mídias sociais.

Cristiane Wilhelm

Medica veterinária formada pela UNIGRAN, em Dourados-MS no ano de 2009. Pós-graduações em clinica médica, cirúrgica e dermatologia de pequenos animais. Atuou até 2018 com clínica medica e cirúrgica, e desde 2019 se dedica exclusivamente ao atendimento dermatológico de pequenos animais, possui diversos cursos nacionais e internacionais na área da dermatologia, tendo foco na área de doenças alérgicas, imunoterapia e otologia. Responsável pelo setor de dermatologia do consultório Vet Experts – serviços veterinários especializados na cidade de Campo Grande-MS.

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