Alopecia sazonal do flanco em Bulldog Inglês – Relato de Caso

Por Fabiana Patricia Perdomo Vitale

Alopecia sazonal do flanco em Bulldog Inglês - Relato de Caso

Resumo:

A alopecia sazonal do flanco consiste em dermatopatia não inflamatória de cães, com telogenização de pelos, causando alopecia e hiperpigmentação em região de flancos. Algumas raças são mais predispostas, como Boxer, Bulldog Inglês, Schnauzer, dentre outros. Machos e fêmeas possuem a mesma predisposição e o acometimento de cães adultos jovens é bastante observado. Os diagnósticos diferenciais mais apontados são hipotireoidismo, dermatofitose, demodíciose, alopecia x, hiperestrogenismo e displasias foliculares. O diagnóstico é baseado no histórico, sinais clínicos, da exclusão de outras causas de alopecia simétrica e bilateral em região dos flancos e com base nos achados histopatológicos, como hiperqueratose infundibular, pigmentação epidermal, com queratinização tricolemal e folículos distróficos. O tratamento pode ocorrer com a repilação espontânea em 3 a 8 meses ou com auxílio da melatonina, na dose de 3 a 6 mg/kg, duas vezes ao dia. O prognóstico é reservado, pois alguns pacientes repilam com ou sem tratamento e outros não repilam nada. O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de alopecia sazonal do flanco em Buldog Inglês, na cidade de Campinas, interior de São Paulo, comparando os achados clínicos e histológicos, bem como a terapêutica com a literatura publicada em periódicos e livros importantes.

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Palavras-chave: alopecia, sazonal,  flanco, Bulldog inglês.

Abstract:

Seasonal flank alopecia is a non-inflammatory skin disease of dogs, with telogenization of hair coat, causing alopecia and hyperpigmentation in the flank region. Some breeds are more predisposed, such as Boxer, English Bulldog, Schnauzer, among others. Males and females have the same predisposition and the involvement of young adult dogs is quite observed. The most common differential diagnoses are hypothyroidism, dermatophytosis, demodicosis, alopecia x, hyperestrogenism and follicular dysplasias. The diagnosis is based on the history, clinical signs, exclusion of other causes of symmetrical and bilateral alopecia in the flank region and based on histopathological findings, such as infundibular hyperkeratosis, epidermal pigmentation, with tricholemal keratinization and dystrophic follicles. Treatment can occur with spontaneous follicular growth in 3 to 8 months or with the aid of melatonin, at a dose of 3 to 6 mg/kg, twice a day. The prognosis is guarded, as some patients’ hair coats can grow back with or without treatment and others do not grow back at all. The objective of this work is to report a clinical case of seasonal alopecia of the flank in an English Bulldog, in the city of Campinas, in the interior of São Paulo, comparing the clinical and histological findings, as well as the therapy with the literature published in journals and important books.

Key-words: alopecia, seasonal, flank, English Bulldog.

Relato de caso:

Uma cadela, da raça Bulldog Inglês de 4 anos, fêmea, não castrada, foi atendida numa das unidades do Hospital Veterinário Taquaral, com histórico de alopecia progressiva e hiperpigmentação em região de flancos, dorso, face caudal de membros pélvicos e sem repilamento com tratamentos anteriormente prescritos há mais de 1 ano (figuras 1 e 2). O tutor referiu não observar prurido. Até o momento da consulta a paciente vinha sendo medicada com suplemento para estímulo do crescimento dos pelos, à base de cistina, levedo de cerveja e vitaminas do complexo B, além de ômega 3 e 6, na dose de 2.000 mg ao dia, durante este período de 1 ano, sem melhora.

Figura 1. Avaliação de alopecia e hiperpigmentação em flanco direito da paciente.
Figura 2. Avaliação de alopecia e hiperpigmentação em flanco esquerdo da paciente (observar a simetria do padrão de alopecia).

A paciente também realizava banhos semanais com xampu à base de clorexidine 2% e miconazol 2%, sem melhora. A alimentação do paciente era a base de ração super premium, específica para a raça; o tutor referiu normorexia, normodipsia, normúria e normoquesia, negando êmese. O controle de ectoparasitas era realizado com uma isoxazolina, à base de fluralaner, a cada 3 meses, além de vacinação múltipla (V10), raiva e para prevenção de traqueobronquite infecciosa canina em dia (anualmente). A vermifugação era realizada a cada 6 meses, regularmente. Nenhuma alteração sistêmica foi relatada sobre o caso clínico em questão.

Os exames complementares de tricograma – com pelos 100% em fase de telógeno e citologia cutânea – com ausência de alterações foram realizados, bem como a dermatoscopia (figura 03 e figura 04), evidenciando hiperpigmentação cutânea, tampões de queratina onde deveriam emergir os folículos pilosos e ausência dos mesmos em várias áreas da pele.

Figura 3. Avaliação da pele à dermatoscopia, com Dermatoscópio Dino-Lite, evidenciando hiperpigmentação cutânea, raros folículos pilosos e 1 tampão de queratina (lado esquerdo da foto).
Figura 4. Avaliação da pele à dermatoscopia, com Dermatoscópio Dino-Lite, evidenciando hiperpigmentação cutânea, raros folículos pilosos e hiperqueratose cutânea.

A paciente também realizou exames de hemograma com contagem de plaquetas, perfil renal, perfil hepático, glicemia, dosagem de TSH e T4 livre por diálise, apresentando todos os exames normais. Procedeu-se com a realização de biópsia cutânea, com a finalidade de descartar outras causas de alopecia, como demodiciose, dermatofitose, alopecias hormonais – como a alopecia X, displasias foliculares ou a alopecia sazonal dos flancos. O laudo histopatológico revelou epiderme com hiperpigmentação e ortoqueratose em trançado de cesto. Na derme os folículos pilosos estavam todos em fase telógena e apresentavam hiperqueratose infundibular moderada que avançava discretamente para a região profunda dos folículos pilosos secundários. Os folículos pilosos continham hastes de pêlos bastante adelgaçadas. Não se evidenciaram parasitas foliculares. E as glândulas sebáceas e apócrinas não exibiram alterações patológicas. A coloração especial para fungos (PAS c/d) resultou negativa. O padrão histopatológico, unido ao histórico clínico, se tornou mais compatível com a suspeita clínica de alopecia sazonal do flanco, em função da ampla extensão de áreas alopécicas nos flancos da paciente (Colaboração da Dra. Juliana Werner, 2022 – laboratório Werner & Werner, Curitiba, PR).

O exame de ultrassom abdominal também foi realizado e não evidenciou alterações ovarianas ou em outros órgãos. Inicialmente o tutor optou pela administração de melatonina 3 mg/kg/2x dia e após 3 meses de tratamento, associado a banhos com xampu e creme hidratante sem enxágue, com frequência semanal, não houve nenhum sinal de repilação. Até a publicação deste artigo a paciente não apresentou qualquer melhora do quadro.

Discussão:

A alopecia sazonal do flanco se trata de uma condição dermatológica incomum, de origem desconhecida, com predisposição racial e fatores de hereditariedade. Os quadros clínicos podem ser acompanhados de sazonalidade, pois em períodos de menor incidência de luz é também menor a radiação solar, sendo mais comum nos hemisférios norte e sul do planeta, iniciando-se ao final do outono e início da primavera. No Brasil, os casos clínicos costumam ocorrer com mais frequência no Sul e Sudeste do país, onde as estações do ano são mais bem definidas.1

As raças mais predispostas a esta condição clínica são: Airedale Terrier, Bearded Collie, Bouvier des Flandres, Briard, Boxer, Bullmastiff, Dachshund, Dobermann, Bulldog Inglês, Pointer Alemão de Pelo Curto, Golden Retriever, Spinone Italiano, Labrador, Lhasa Apso, Rottweiler, Schnauzer e Terrier Escocês.2 A paciente do caso clínico relatado é uma das raças apontadas na literatura como predispostas a alopecia sazonal do flanco. Os pacientes machos e fêmeas possuem a mesma predisposição ao aparecimento da doença, que ocorre em adultos jovens.1

Os cães que apresentam pelos em fase de quirógeno em maior quantidade, podem apresentar alopecia ou hipotricose, condição presente na alopecia sazonal do flanco. Em cães saudáveis, os quirógenos representam até 20% da fase de crescimento do folículo piloso. Nesta fase a região do folículo piloso se encontra vazia e é possível observar o acúmulo de queratina na base dos folículos3, como observado à dermatoscopia da pele da paciente deste caso clínico.

A maioria dos cães podem ter repilamento espontâneo em até 8 meses após o início do quadro clínico. Alguns episódios de queda espontânea dos pelos pode acontecer uma ou duas vezes ao ano, com aumento progressivo da quantidade de pelos perdidos e da duração destes episódios. A manifestação clínica mais preponderante é a alopecia em um dos flancos, ou ambos os lados, podendo ser simétrica ou não, com ausência de prurido, com hiperpigmentação da pele e ausência de sinais clínicos de alterações sistêmicas, não ocasionando malefícios clínicos ao paciente.4 Entretanto, a ausência de pelos pode ocasionar infecções oportunistas por microorganismos da própria pele como leveduras, como a Malassezia sp., e piodermites por Staphylococcus pseudintermedius, bem como ressecamento cutâneo e maior exposição da pele aos raios ultravioleta.1

O diagnóstico é feito através do histórico do paciente, dos sinais clínicos apresentados, da exclusão de outras condições de alopecia não inflamatória, como endocrinopatias com reflexos cutâneos e achados histopatológicos.4 As características histológicas comumente relatadas em distúrbios alopécicos em cães incluem predominância de folículos telógenos, atrofia folicular, os chamados “folículos em chama” – muito característicos da alopecia X, hiperqueratose infundibular, pigmentação epidermal, com queratinização tricolemal e folículos distróficos, comuns nos casos de alopecia sazonal dos flancos.5 No caso clínico em questão, os achados clínicos, bem como a evolução desfavorável com o tratamento empregado e os achados histológicos são compatíveis com os descritos na literatura para dermatopatia classificada como alopecia sazonal do flanco.

O tratamento com melatonina, na dose de 3 a 6 mg/Kg, duas vezes ao dia, pode ser efetivo, embora alguns animais, como a do caso clínico acima relatado, podem simplesmente não repilar.1 Alguns trabalhos demonstraram a eficácia da laserterapia de baixa potência para o crescimento dos pelos, com sessões duas vezes por semana, durante 60 dias, na dose de 3J, por 1 minuto e meio.6 O prognóstico é variável, pois a repilação pode acontecer com ou sem tratamento em 3 a 8 meses. Os novos pelos normalmente possuem menor qualidade, sendo mais secos e finos, e com coloração mais escura que a dos pelos anteriores. Considera-se na literatura a alopecia sazonal do flanco como uma alteração cosmética, que não acarreta malefícios clínicos ao paciente.4

Conclusão:

A alopecia sazonal do flanco trata-se de uma condição clínica pouco comum na rotina clínica do médico veterinário dermatólogo e ao mesmo tempo bastante desafiadora, uma vez que o diagnóstico preciso desta condição exige a realização de inúmeros exames complementares, incutindo altos custos que são de responsabilidade integral dos tutores. Portanto, se faz necessário esclarecer e convencer o tutor do paciente a real necessidade de se chegar a um diagnóstico definitivo, a fim de firmar um prognóstico e instituir a terapêutica mais adequada, mesmo que com isso não haja melhora dos sintomas clínicos apresentados.

Embora haja possibilidade de repilação espontânea, a maioria dos tutores não têm a paciência necessária para aguardar os 3 a 8 meses relatados para o crescimento completo dos pelos, ficando bastante ansiosos em relação ao resultado do tratamento e, na ausência de resposta, podem ficar frustrados e procurar auxílio on-line, buscando fórmulas caseiras e sem comprovação científica para tentar estimular o crescimento piloso, o que pode ser perigoso e prejudicial à saúde do paciente. Para evitar que isso ocorra, o clínico dermatólogo deve elaborar um plano diagnóstico, explicando as hipóteses diagnósticas e possíveis tratamentos, os custos implicados e o percentual de resposta de cada modalidade de terapia, além de orientar que a alopecia sazonal do flanco não acarreta malefício orgânico ao paciente. Essas medidas de planejamento diagnóstico e terapêutico podem ajudar a alinhar expectativas e balancear os resultados.

Referências bibliográficas:

1. LIMA, R. K. R. Alopecias não inflamatórias. In: LARSSON & LUCAS, Tratado de medicina externa – Dermatologia Veterinária. 2ª ed., São Caetano do Sul, SP, Interbook, 2020, p. 1024-1026.

2. CERUNDOLO, R. Diagnostic approach to canine symmetrical alopecia. Companion animal, April 2013, Volume 18, No 2, p. 63-68.

3. CERUNDOLO, R.; MECKLENBURG, L. Clinical and histological aspects of non-inflammatory alopecia in dogs. Proceedings of the 22nd Annual Congress of ESVD-ECVD, Mainz, 2007; 25–32.

4. HNILICA, K. 2017; PATTERSON, A. Canine Recurrent Flank Alopecia (Seasonal Flank Alopecia, Cyclic Flank Alopecia, Cyclic Follicular Dysplasia). In: Small Animal Dermatology – A Color Atlas and Therapeutic Guide. 4ª Ed., Elsevier, Chapter 9, p. 342-343.

5. MUNTENER, T.; REGULA-SCHUEPBACH, G.; FRANK, L.; RU, S.; WELLE, M. M. Canine noninflammatory alopecia: a comprehensive evaluation of common and distinguishing histological characteristics. 2012,Veterinary Dermatology, 23, 206–e44.

6. OLIVIERI, L.; CAVINA, D.; RADICCHI, G.; MIRAGLIOTTA, V.; ABRAMO, F. Efficacy of low-level laser therapy on hair regrowth in dogs with noninflammatory alopecia: a pilot study. Veterinary Dermatology, 2014.

Fabiana Patricia Perdomo Vitale

Médica Veterinária formada pelo Centro Universitário - UNIFAJ, 2012. Especializada em Dermatologia Veterinária pela FMVZ-USP, 2015. Especializada em Ativação em Processos de Mudanças no Ensino em Saúde pela Fiocruz, 2020. Curso de Citologia Dermatológica pela VetSchool, 2019. Curso de Atualização em Imunoterapia e Alergologia – Dermatovet Cursos, 2021. Curso de Microagulhamento em Cães com Alopecia X - Unicarevet, 2022. Associada da SBDV (Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária) desde 2015. Atendimentos na especialidade de Dermatologia e Alergologia no Hospital Veterinário Taquaral em Campinas-SP.

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