Hiperparatireodismo Secundário Renal Na Doença Renal Crônica

Por Nathalia Barbosa Messas

Hiperparatireodismo Secundário Renal Na Doença Renal Crônica

RESUMO

A Doença Renal Crônica (DRC) é uma enfermidade comumente encontrada na clínica de pequenos animais. O hiperparatireoidismo secundário renal leva a manifestações clínicas e laboratoriais, que atualmente é chamado de distúrbio do metabolismo mineral – ósseo na doença renal crônica (DMO- DRC), trata-se de uma endocrinopatia importante que ocorre nesses pacientes conforme o desenvolvimento da doença, é normalmente notada em estágios avançados, porém também pode ser vista no estágio I. Conforme o rim vai perdendo a capacidade de produzir o calcitriol, ocorre o aumento do PTH, alterando o metabolismo ósseo predispondo a danos sistêmicos – osteodistrofia renal, calcificação de tecidos moles, supressão da medula óssea, alterações cardiovasculares, neuropatias, dificuldade respiratória e aumento da taxa de mortalidade. Muitos trabalhos estão sendo realizados sobre os efeitos do DMO – DRC no metabolismo ósseo, bem como a descoberta de biomarcadores considerados promissores no diagnóstico precoce da DRC. Porém, ainda assim, necessita-se de maior entendimento sobre a relação entre cálcio iônico, fósforo, metabolismo de vitamina D, FGF-23 e Klotho, bem como o conhecimento de novas alternativas no tratamento que podem ser colocadas em prática na rotina clínica veterinária. O objetivo desta revisão de literatura é resumir os principais fatores relacionados à HPTSR e DRC para melhorar a qualidade e a expectativa de vida dos pacientes através de diagnóstico precoce e melhores intervenções terapêuticas.

{PAYWALL_INICIO}

Palavras chaves: Cálcio. Fósforo. Metabolismo ósseo. PTH.

ABSTRACT

Chronic Kidney Disease (CKD) is a common disease found in small animals. Hyperparathyroidism Secondary Renal (RSHP), leads to clinical and laboratory manifestations currently called chronic kidney disease mineral and bone disorders (CKD-MBD) is an important endocrinopathy that occurs when patients are affected by the development of the disease, usually noted in the advanced stages, but can also be seen at early stage. As the kidney loses its ability to produce calcitriol, it increases parathyroid hormone (PTH), altering normal bone metabolism and causing systemic damage – renal osteodystrophy, soft tissue calcification, bone marrow suppression, cardiovascular changes, neuropathies, breathing difficulties and increased mortality rate. Abundant research has been done on the effects of RSHP in bone metabolism, such as the discovery of promising biomarkers in the early diagnosis of CKD. However, the use of greater understanding of the relationship between ionic calcium, phosphorus, vitamin D metabolism, FGF-23 and Klotho, as well as the knowledge of new treatment alternatives that can be put into practice at the veterinary clinic. The objective of this literature review is to sumarize the main   factors related to RSHP and CKD to improve the quality of life and life expentancy of patients through early diagnosis and better treatment interventions.

Key-words: Calcium. Phosphorus. Bonemetabolism. PTH

INTRODUÇÃO

A Doença Renal Crônica (DRC) ocorre comumente na rotina clínica de pequenos animais, além de ser importante causa de morbidade e mortalidade (BARTGES, 2012; PELANDER, L. et al., 2015). É caracterizada por alteração estrutural e/ou funcional persistente, irreversível e progressiva de um ou dos dois rins por um período acima de 3 meses. Os rins estão intimamente relacionados a regulação do metabolismo do cálcio e fósforo, equilíbrio ácido-base, além de funções endócrinas e regulação de pressão arterial, portanto com a evolução da doença, os acentuados distúrbios metabólicos afetam o perfeito funcionamento de outros sistemas e o bem-estar do animal (BARTGES, 2012).

A alteração na regulação do metabolismo de cálcio e fósforo em animais com DRC destaca-se, pois trata-se de uma síndrome complexa e multifatorial que envolve alterações nos níveis circulantes de cálcio, hormônio da paratireoide (PTH), fósforo e 1,25-diidroxicolecalciferol (calcitriol), levando a efeitos deletérios incluindo mineralização de tecidos moles, osteodistrofia fibrosa, supressão da medula óssea, urolitíases e neuropatias (STILLION; RITT, 2009).

Em animais com doença renal crônica, a retenção de fósforo ocorre precocemente, resultando na elevação dos níveis séricos de Fator de Crescimento Fibroblasto 23 (FGF-23) e aumento da concentração sérica do PTH. A hipocalcemia e deficiência de vitamina D também estão envolvidos na patogenia da doença, levando a desordens conhecida como distúrbio ósseo mineral em pacientes com DRC (DMO-DRC) que contribuem ainda mais para progressão da doença (COZZOLINO, 2009; FOSTER, 2016; PARKER, 2017). Em estágios iniciais, a alteração no metabolismo da vitamina D, diminuição dos níveis de cálcio ionizado, hiperfosfatemia, calcitriol, aumentam a produção e secreção de PTH (SLATOPOLSKY, 1999).

O diagnóstico precoce, a frequente monitorização da DRC e das concentrações séricas de fósforo, cálcio e quando possível, avaliação das concentrações séricas de calcitriol e PTH nos estádios iniciais da DRC, são essenciais para prevenção do desenvolvimento de DMO – DRC, a fim de retardar a progressão da doença (SLATOPOLSKY, 1999; CORTADELLAS, et al., 2010; BARTGES, 2012). 

A restrição dietética de fósforo, quelantes intestinais e suplementação de calcitriol, podem minimizar a retenção de fósforo, diminuir a secreção do PTH e serem alternativas para atenuar as consequências subsequentes e retardar a progressão da DRC, no entanto, o prognóstico para esses animais é de reservado a ruim (STILLION; RITT, 2009; FOSTER, 2016).

É cada vez maior a necessidade de elucidar os mecanismos envolvidos no desenvolvimento do DMO- DRC e progressão da DRC em cães e gatos. Desta forma esta revisão de literatura tem como objetivo apresentar os principais fatores relacionados ao DMO – DRC para intervenção da melhor forma na tentativa de gerar qualidade de vida e longevidade aos pacientes.

1. REVISÃO DE LITERATURA

1. CÁLCIO, FÓSFORO E VITAMINA D

O cálcio apresenta papel importante na fisiologia e estrutura das células, além de participar na composição dos ossos. Na concentração plasmática de cálcio, 50% encontram-se na forma mais importante conhecida como cálcio ionizado, outros 40% encontram-se ligado a proteínas, sendo 36% ligados a albumina, sendo assim, alterações no nível de albumina, interferem nas concentrações séricas de cálcio e 10% do cálcio está ligado a citrato e fosfato.  Vários hormônios estão envolvidos na regulação dos níveis de cálcio extracelular, dentre eles, o hormônio da paratireoide (PTH), o calcitriol e a calcitonina, atuando nos ossos, rins e intestino (JORGETTI; DOS REIS; MOYSES, 2012; GIOVANINNI; MESSAS, 2021)

A absorção de cálcio no intestino, são estimuladas pela forma ativa da vitamina D (calcitriol) e os rins são responsáveis pela reabsorção de cálcio, que acontece grande parte no túbulo contorcido proximal (JORGETTI; DOS REIS; MOYSES; 2012; BLAINE; CHONCHOL; LEVI, 2015; GIOVANINNI; MESSAS, 2021).

O Fósforo também desempenha inúmeras funções nas células, no tecido ósseo, é essencial na mineralização óssea e manutenção do esqueleto. A maior parte do fósforo ingerido, é absorvido principalmente no jejuno, enquanto na excreção renal, 80% do fósforo é reabsorvido no túbulo proximal e sua reabsorção é mediada pela ação do PTH e do FGF-23, que por possuírem efeitos fosfatúricos, estão envolvidos na manutenção da fosfatemia em níveis normais (JORGETTI; DOS REIS; MOYSES; 2012, GIOVANINNI; MESSAS, 2021).

Os ossos servem como importante suprimento de cálcio e fósforo, para manutenção da concentração sérica normal, quando a absorção intestinal e a reabsorção renal estão inadequadas (DUSSO; TOKUMOTO, 2011).

A vitamina D desempenha papel importante na homeostase do cálcio e metabolismo ósseo. Tanto a vitamina D2 quanto a vitamina D3 são transportadas para o fígado, sofrendo a primeira hidroxilação, transformando-se em 25- hidroxivitamina D que posteriormente é transportada para os túbulos proximais dos rins, onde sofre a segunda hidroxilação mediada pela 1-alfa-hidroxilase e se transforma na forma ativa da vitamina D, o calcitriol ou 1,25 (OH) vitamina D.O calcitriol por sua vez, aumenta a absorção de cálcio no intestino, estimula absorção óssea junto com o PTH, aumenta a reabsorção tubular de cálcio, impedindo perda de cálcio na urina, além de exercer controle negativo para produção de PTH (JORGETTI; DOS REIS; MOYSES, 2012).

2. PTH, FGF-23 E α-KLOTHO

O PTH é um hormônio extremamente importante na regulação de cálcio no organismo. Produzido pelas glândulas paratireoides, apresenta ação direta nos rins e ossos e indireta no intestino (PARKER; GILOR; CHEW; 2015; MOE, 2016). Em condições fisiológicas, esse equilíbrio é feito por pequenos ajustes na absorção que é realizada 65% no túbulo proximal, 25% na porção espessa da alça de Henle, 5% no túbulo distal e 3% no túbulo coletor (JORGETTI; DOS REIS; MOYSES, 2012; BLAINE; CHONCHOL; LEVI, 2015; PARKER; GILOR; CHEW; 2015; MOE, 2016).

Nos rins, o PTH é responsável pelo aumento da reabsorção de cálcio, participa também do processo de excreção do fósforo, além de ativar a enzima 1α-hidroxilase – enzima responsável pela conversão da 25-OH-vitamina D em calcitriol. O principal efeito do calcitriol é a absorção de cálcio e em menor proporção a de fósforo no intestino. E no osso, o PTH induz a reabsorção de cálcio e fósforo através dos osteoclastos (reabsorção óssea). Portanto, quando o estoque corporal de cálcio iônico diminui, a secreção de PTH aumenta e consequentemente a absorção intestinal, a reabsorção óssea e a reabsorção tubular renal aumentam para normalizar esses níveis (JORGETTI; DOS REIS; MOYSES, 2012; BLAINE; CHONCHOL; LEVI, 2015; PARKER; GILOR; CHEW; 2015; MOE, 2016).

O principal fator regulador da secreção de PTH, pelas paratireoides, é o nível sérico de cálcio na circulação. A secreção do hormônio varia inversamente com a concentração de cálcio, sendo assim, pequenas variações na concentração de cálcio, gera grandes variações na secreção de PTH (JORGETTI; DOS REIS; MOYSES, 2012).

O FGF-23 é secretado pelos osteócitos em resposta a ingestão de fósforo. Os mecanismos pelos quais os osteócitos detectam o fósforo ainda não estão esclarecidos. O FGF-23 liga-se ao seu receptor Klotho, que são expressos em células epiteliais tubulares renais para regular o metabolismo mineral. Além disso, inibe o hormônio da paratireoide (PTH)e a enzima 1 alfa hidroxilase – responsável pela produção de calcitriol. Sua descoberta tornou mais clara a compreensão do metabolismo do fósforo, cujo eixo é o FGF-23 e suas diversas complicações clínicas relacionados aos distúrbios do metabolismo mineral e ósseo na DRC estão sendo esclarecidas (OLIVEIRA, 2010; HARDCASTLE; DITTMER, 2015; KURO-O, 2018; KURO-O, 2018).

O FGF-23 aumenta conforme o avanço do estágio da DRC de acordo com a IRIS, e ocorre desde o início da doença. Portanto, pode ser usado como biomarcador da progressão da doença, além de contribuir para progressão da doença e mortalidade de animais com DRC. Restando determinar se o FGF- 23 afeta a sobrevida e progressão de DRC em cães ou se pode haver um beneficio em usar FGF-23 como alvo terapêutico (PARKER, 2017).Em gatos, o aumento do FGF-23 no diagnóstico da DRC, já está associado a um aumento do risco da progressão da doença e diminuição da sobrevida e não só o FGF-23 mas também o sulfato de indoxil (outra toxina urêmica) também está envolvido no metabolismo mineral podendo ser considerados promissores biomarcadores para detecção precoce da progressão da DRC em gatos (GEDDES; ELLIOTT; SYME, 2013; LIAO; CHOU; LEE, 2019).

Em seres humanos, o FGF-23 não é caracterizado apenas como biomarcador para progressão da DRC, mas sim um potencial agente patogênico que acelera a progressão da DRC e agravam suas complicações cardiovasculares (KURO-O, 2018).

3. FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA RENAL CRÔNICA E APARECIMENTO DMO- DRC.

A doença renal crônica ocorre comumente em cães e gatos, sendo a nefropatia mais comum em animais geriátricos além de ser grande causa de morbidade e mortalidade em pequenos animais. A prevalência da enfermidade em gatos excede a observada em cães, além de ser caracterizada como a doença metabólica mais comum na espécie (BARTGES, 2012; PELANDER, L. et al., 2015; BROWN, et al., 2016).

Diversos fatores incluindo envelhecimento, isquemia e comorbidades podem contribuir para o aparecimento da DRC, porém, independente da etiologia subjacente, é caracterizada por anormalidades morfológicas e/ou funcionais de um ou ambos os rins de caráter persistente e irreversível por um período mínimo de 3 meses, portanto trata-se de uma doença caracterizada por uma pequena lesão estrutural em um rim até grande perda de néfrons que afetam ambos os rins, sendo assim a apresentação clínica, os desafios no diagnóstico e tratamento ocorre de forma individualizada, podendo ter variações entre os pacientes (BARTGES, 2012; POLZIN, 2011; BROWN, et al, 2016).

A classificação de Cães e gatos com DRC é realizada de acordo com o guideline desenvolvido pela International Renal Interest Society (IRIS, Quadro 1) e aceito pelas sociedades americanas e europeias de nefrologistas e urologistas veterinários, foi desenvolvido para melhorar a prática clínica relacionada ao diagnóstico, tratamento e prognóstico da DRC. Os estádios são baseados no valor da concentração sérica de creatinina e SDMA. Além disso, o estadiamento deve ser feito após no mínimo duas avaliações num período de 3 meses com paciente estável, em jejum e hidratação adequada (BROWN, et al, 2016).

Quadro1. Estadiamento da DRC baseado na concentração sérica de creatinina – Fonte: Adaptado IRIS http://www.iris kidney.com/pdf/IRIS_Staging_of_CKD_modified_2019.pdf

Em gatos, os achados histológicos típicos incluem inflamação intersticial, atrofia tubular e fibrose com glomérulo esclerose secundária, enquanto em cães nota-se glomerulopatias primárias com proteinúria acentuada. Os fatores envolvidos no desenvolvimento da DRC ainda são desconhecidos, porém acredita-se que o envelhecimento e a hipóxia renal exercem papel importante na enfermidade, já que, a fibrose renal comum nos rins envelhecidos, interfere na relação entre os capilares peritubulares e os túbulos renais e experimentalmente, isquemia renal resulta em alterações morfológicas semelhantes as observadas na DRC espontânea. Para tal esclarecimento, estudos que possam elucidar eventos que contribuam para morte celular tubular, inflamação intrarrenal e fibrose intersticial nos gatos ainda devem ser desenvolvidos (BROWN, et al., 2016).

Com a perda progressiva de néfrons, ocorre retenção de fósforo contribuindo com a hipocalcemia, com isso, já em estádios iniciais, há um aumento do PTH e FGF-23 que por possuírem efeito fosfatúrico, aumentam a excreção de fósforo por néfron, na tentativa de manter a fosfatemia dentro da normalidade. Além disso, o FGF- 23, inibe a enzima 1 alfa hidroxilase, reduzindo a síntese de calcitriol e consequentemente diminuindo a absorção de cálcio pelo intestino, contribuindo também com a hipocalcemia, que junto com a hiperfosfatemia, estimulam ainda mais a síntese de PTH, levando a efeitos deletérios e predispondo a danos minerais, esqueléticos, cardiovasculares, renais e consequentemente aumento da taxa de mortalidade (DUSSO; TOKUMOTO, 2011; DAVIS, 2015; GIOVANINNI; MESSAS, 2021). Sendo assim, maiores concentrações de PTH podem ser encontrados em cães com DRC já no estádio I (DE BRITO GALVAO, et al., 2013).

Em decorrência do aumento do PTH e FGF-23, a fosfatemia pode se manter dentro da normalidade por longo período e hiperfosfatemia ser notada, quando o número de néfrons funcionais são insuficientes para excretar toda a quantidade de fósforo ingerido (BLAINE; CHONCHOL; LEVI, 2015; KURO-O, 2018; KURO-O, 2018; GIOVANINNI; MESSAS, 2021).

Mais estudos devem ser realizados para elucidar ainda mais a relação entre cálcio iônico, fósforo, metabolismo da vitamina D, FGF-23 e Klotho, para determinar uma melhor maneira de diagnosticar e tratar HPTSR nos estágios iniciais da DRC em gatos (PARKER; GILOR; CHEW, 2015). Não só o FGF-23, mas também o sulfato de indoxil parecem ser biomarcadores promissores para o diagnóstico precoce de DRC em gatos (LIAO; CHOU; LEE, 2019).

4. CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS

Os rins são considerados a principal via de excreção de fósforo, portanto, com o declínio da função renal, a capacidade de homeostasia do cálcio e fósforo fica comprometida, gerando consequências graves. Pacientes em estágios iniciais da doença, mantem a concentração de fósforo dentro da normalidade, devido ao efeito fostatúrico do FGF-23 e PTH (DUSSO; TOKUMOTO, 2011).

Em humanos, a taxa de mortalidade entre pacientes com doença renal crônica é a mais alta em comparação com outras doenças crônicas, na qual mais de 60% estão relacionadas a distúrbios cardiovasculares. A calcificação cardiovascular e a inflamação crônica afetam a maioria dos pacientes com DRC e estão associados a mortalidade por doenças vasculares e o FGF-23 está associado a calcificação vascular e dito como estímulo direto para hipertrofia ventricular esquerda, inflamação sistêmica e comprometimento das funções neutrofílicas (EL DIN; SALEM; ABDULAZIM, 2017).

Com a progressão da DRC, esses mecanismos compensatórios para manutenção da fosfatemia, encontram-se falhos sendo inevitável a hiperfosfatemia. As alterações no metabolismo do cálcio e fósforo acarretam diversas complicações clínicas incluindo arritmias, convulsões e dificuldades respiratórias (POLZIN, 2011; BLAINE; CHONCHOL; LEVI, 2015).

As alterações na estrutura dos ossos decorrentes de distúrbios minerais em pacientes com DRC recebe o nome de osteodistrofia renal. Caracteriza-se por desmineralização dos ossos maxilofaciais, mobilidade dos dentes, fratura patológica e pode ser visto em cães de qualquer idade. A distorção maxilofacial é incomum, mas tem sido descrita em humanos e cães. Essas alterações ósseas, dificilmente são encontradas em felinos, exceto histologicamente (DAVIS, 2015).

Fraturas devido a fragilidade óssea em decorrência do HPTSR na DRC são observadas em seres humanos, entretanto, não há relatos na medicina veterinária, algumas hipóteses são levantadas para este fato, os animais podem ser mais resistentes a esses efeitos prejudiciais ou talvez ocorra da mesma maneira, mas, pelo tempo de curso da doença ser menor, essas anormalidades não são vistas na rotina. No entanto, com as melhorias na medicina veterinária e realização de hemodiálises nesses pacientes os efeitos esqueléticos podem se tornar mais relevantes (SHIPOV, et al, 2018). Vale ressaltar que as manifestações ósseas aparecem tardiamente, ou seja, trata-se de manifestação avançada e irreversível, associada a pior prognóstico (GIOVANINNI; MESSAS, 2021).

5. POSSÍVEIS TRATAMENTOS

O controle rigoroso da fosfatemia é fundamental quando se diz respeito ao tratamento do HPTSR. O objetivo é manter os níveis de fósforo dentro do valor aceitável para cada estágio da DRC de acordo com a IRIS (KIDDER; CHEW, 2009; SPARKES, et al., 2016) (Quadro 2).

Quadro2 Valores de referência para concentração sérica de fósforo de acordo com o estágio da DRC – Fonte: Adaptado IRIS (http://www.iris-kidney.com/pdf/IRIS_2017_DOG_Treatment_Recommendations_09May18.pdf;
http://www.iris-kidney.com/pdf/IRIS_2017_CAT_Treatment_Recommendations_09May18.pdf) e Sparker et. al, 2016.

Introdução de dieta com restrição de fósforo é o primeiro passo. A dieta renal está associada a diminuição dos níveis séricos de FGF- 23 em gatos com hiper ou normofosfatêmicos. Quelantes intestinais devem ser adicionados ao tratamento nos casos em que a concentração de fósforo não diminua após a introdução da dieta renal durante 30 dias ou naqueles animais que não aceitam a dieta renal, podendo ter a constipação como um dos efeitos colaterais, a lactulona pode ser utilizado a fim de evitar a complicação, porém, aumenta a perda de fluido nas fezes levando a desidratação (KIDDER; CHEW, 2009; CHEW, 2015; GEDDES; ELLIOTT; SYME, 2015; SPARKES, et al, 2016).

De fácil acesso e baixo custo, o hidróxido de alumínio é a primeira opção terapêutica, é altamente eficaz na redução do fósforo sérico, já que após a administração, forma o fosfato de alumínio que é insolúvel e não absorvível sendo eliminado nas fezes (CHEW, 2015).

O carbonato de cálcio é outra opção disponível para o tratamento, porém menos eficaz. A ligação do carbonato de cálcio ocorre melhor em ph ácido, portanto, paciente com DRC que comumente estão usando inibidores de secreção gástrica reduzindo potencialmente sua ação. A concentração sérica de cálcio deve ser monitorada sempre que for utilizado quelante intestinal a base de cálcio a fim de evitar a hipercalcemia. Gatos que apresentam DRC com hipercalcemia idiopática, nefro e ureterolitíases ou que já estão em tratamento com calcitriol devem utilizar outras opções de quelantes intestinais (KIDDER; CHEW, 2009; CHEW, 2015).

O Cloridrato de Sevelamer, é uma opção que não apresenta alumínio, cálcio e eliminado totalmente nas fezes, já que não há absorção intestinal. Não foram encontradas literaturas que corroboram com a sua utilização, entretanto, tem sido utilizado ocasionalmente em pacientes com DRC com resultados promissores (KIDDER; CHEW, 2009; CHEW, 2015).

Quitosana e carbonato de lantânio também são opções, porém, o uso da quitosana pode levar a hipercalcemia por conter uma porcentagem de carbonato de cálcio. Já o lantânio, apesar de não apresentar cálcio, alumínio e baixa absorção gastrointestinal, sua toxicidade está relacionada ao acúmulo em outros tecidos, como por exemplo trato gastrointestinal, ossos e fígado (CHEW, 2015).

A suplementação com calcitriol só deve ser iniciada após realizado controle do fósforo. Sua finalidade é diminuir a síntese de PTH, aumentar a absorção de cálcio no intestino e proliferação de osteoclastos para aumentar a absorção óssea. Sua suplementação deve ser evitada, devido ao risco de mineralização tecidual. A dosagem de PTH, calcitriol, cálcio iônico e fósforo são essenciais na monitorização do tratamento (JORGETTI; DOS REIS; MOYSES, 2012; CHEW, 2015).

Baseado em evidências atuais, um único estudo realizado demostrou que o uso de calcitriol em gatos com DRC pode ser contraindicada, mas que são necessários novos estudos, já que pode ser utilizado em outras espécies (SPARKES, 2016). O tratamento com calcitriol não demonstrou efeitos adversos além de não resultar em diferenças significativas nas concentrações de PTH. A falha no tratamento foi atribuída ao pequeno tamanho da amostra, duração insuficiente do estudo, dose insuficiente do calcitriol, problemas na formulação, administração e absorção intestinal variável (HOSTUTLER, et al, 2006).

Em seres humanos, o controle do FGF-23 através do controle de fósforo e /ou o uso de bloqueadores dos receptores seletivos, podem ter impacto favorável e significativo na progressão da DRC, inflamação sistêmica, imunidade, doenças cardiovasculares e consequentemente mortalidade (EL DIN; SALEM; ABDULAZIM, 2017).

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O hiperparatireoidismo secundário renal é uma das alterações encontrada em pacientes com DRC e já pode ser vista em estágios iniciais. Vários estudos estão sendo desenvolvidos relacionados ao metabolismo mineral na clínica de pequenos animais, porém, ainda se necessita de esclarecimentos em vários aspectos, tanto relacionado ao uso de biomarcadores que podem ser utilizados no diagnóstico precoce doença renal crônica, quanto relacionados as alternativas de tratamento que podem ser colocados em prática na rotina clínica, proporcionando qualidade de vida e longevidade aos pacientes.

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTGES, Joseph W. Chronic kidney disease in dogs and cats. Veterinary Clinics: Small Animal Practice, v. 42, n. 4, p. 669-692, 2012.

PELANDER, L. et al. Incidence of and mortality from kidney disease in over 600,000 insured Swedish dogs. Veterinary Record, p. vetrec-2014-103059, 2015.

STILLION, Jenefer R.; RITT, Michelle G. Renal secondary hyper parathyroidism   in dogs. Compendium (Yardley, PA), v. 31, n. 6, p. E8-E8, 2009.

COZZOLINO, Mario et al. Pathophysiology of calcium and phosphate metabolism impairment in chronic kidney disease. Blood purification, v. 27, n. 4, p. 338-344, 2009.

FOSTER, Jonathan D. Update on mineral and bone disorders in chronic kidney disease. Veterinary Clinics: Small Animal Practice, v. 46, n. 6, p. 1131-1149, 2016.

PARKER, V. J. et al. Association of vitamin D metabolites with parathyroid hormone, fibroblast growth factor‐23, calcium, and phosphorus in dogs with various stages of chronickidney disease. Journal of veterinary internal medicine, v. 31, n. 3, p. 791-798, 2017.

SLATOPOLSKY, Eduardo; BROWN, Alex; DUSSO, Adriana. Pathogenesis of secondary hyper parathyroidism. Kidney international, v. 56, p. S14-S19, 1999.

CORTADELLAS, O. et al. Calcium and phosphorus homeostasis in dogs with spontaneous chronic kidney disease at different stages of severity. Journal of veterinary internal medicine, v. 24, n. 1, p. 73-79, 2010.

JORGETTI,V.; DOS REIS, L.M.; MOYSES, R.M.A.; Distúrbios do cálcio e fósforo. In: Zatz, R. Bases Fisiológicas da Nefrologia. São Paulo: Atheneu, 2012. Cap. 11, p. 251-272.

GIOVANINNI, L. H; MESSAS, N.B.; Hiperparatireoidismo secundário renal (Distúrbio metabólico ósseo na doença renal crônica) In: Tratado de Nefrologia e Urologia em Cães e Gatos. São Paulo: Medvet. 2021, cap. 16, p. 312 – 321.

BLAINE, Judith; CHONCHOL, Michel; LEVI, Moshe. Renal control of calcium, phosphate, and magnesium homeostasis. Clinical Journal of the American Society of Nephrology, v. 10, n. 7, p. 1257-1272, 2015.

DUSSO, Adriana S.; TOKUMOTO, Masanori. Defective renal maintenance of the vitamin D endocrine system impairs vitamin D renoprotection: a downward spiral in kidney disease. Kidney international, v. 79, n. 7, p. 715-729, 2011.

PARKER, Valerie J.; GILOR, Chen; CHEW, Dennis J. Feline hyperparathyroidism: Pathophysiology, diagnosis, and treatment of primary and secondary disease. Journal of feline medicine and surgery, v. 17, n. 5, p. 427-439, 2015.

MOE, Sharon M. Calcium homeostasis in health and in kidney disease. Comprehensive Physiology, v. 6, n. 4, p. 1781-1800, 2016.

OLIVEIRA, Rodrigo Bueno de; MOYSÉS, Rosa Maria Affonso. FGF-23: state of the art. Brazilian Journal of Nephrology, v. 32, n. 3, p. 323-331, 2010.

HARDCASTLE, M. R.; DITTMER, K. E. Fibroblast growth factor 23: a new dimension to diseases of calcium-phosphorus metabolism. Veterinary pathology, v. 52, n. 5, p. 770-784, 2015.

KURO-O, Makoto. Klotho and endocrine fibro blast growth factors: markers of chronic kidney disease progression and cardiovascular complications? Nephrology Dialysis Transplantation, v. 34, n. 1, p. 15-21, 2018.

KURO-O, Makoto. The Klotho proteins in health and disease. Nature Reviews Nephrology, p. 1, 2018.

GEDDES, R. F.; ELLIOTT, J.; SYME, H. M. The effect of feeding a renal diet on plasma fibroblast growth factor 23 concentrations in cats with stable azotemic chronic kidney disease. Journal of veterinary internal medicine, v. 27, n. 6, p. 1354-1361, 2013.

LIAO, Yu‐Lun; CHOU, Chi‐Chung; LEE, Ya‐Jane. The association of indoxyl sulfate with fibro blast growth factor‐23 in cats with chronic kidney disease. Journal of veterinary internal medicine, v. 33, n. 2, p. 686-693, 2019.

BROWN, C. A. et al. chronic kidney disease  in aged cats: clinical features, morphology, and proposed pathogeneses. Veterinary pathology, v. 53, n. 2, p. 309-326, 2016.

POLZIN, David J. Chronic kidney disease in small animals. Veterinary Clinics: Small Animal Practice, v. 41, n. 1, p. 15-30, 2011.

DAVIS, Eric M. Oral manifestations of   renal secondary hyper parathyroidism: a comparative review. Journal of veterinary dentistry, v. 32, n. 2, p. 87-98, 2015.

DE BRITO GALVAO, Joao F. et al. Calcitriol, calcidiol, parathyroid hormone, and fibro blast growth factor‐23 interactions in chronickidney disease. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care, v. 23, n. 2, p. 134-162, 2013.

EL DIN, Usama AA Sharaf; SALEM, Mona M.; ABDULAZIM, Dina O. Is Fibro blast growth factor 23 the leading cause of increased mortality among chronic kidney disease patients? A narrative review. Journal of advanced research, v. 8, n. 3, p. 271-278, 2017.

SHIPOV, A. et al. The Influence of Chronic Kidney Disease on the Structural and Mechanical Properties of Canine Bone. Journal of veterinary internal medicine, v. 32, n. 1, p. 280-287, 2018.

KIDDER, Aimee C.; CHEW, Dennis. Treatment options for hyperphosphatemia in feline CKD: what’s out there? Journal of Feline Medicine &Surgery, v. 11, n. 11, p. 913-924, 2009.

SPARKES, Andrew H. et al. ISFM consensus guidelines on the diagnosis and management of feline chronic. Journal of feline medicine and surgery, v. 18, n. 3, p. 219-239, 2016.

GEDDES, R. F.; ELLIOTT, J.; SYME, H. M. Relationship between plasma fibroblast growth factor‐23 concentration and survival time in cats with chronic kidney disease. Journal of veterinary internal medicine, v. 29, n. 6, p. 1494-1501, 2015.

CHEW, Dennis J. Chronic Kidney Disease (CKD) in Dogs &Cats-Stagingand Management Strategies. A Presentation to the Virginia Veterinary Medical Association, Virginia Veterinary Conference, 2015.

HOSTUTLER, Roger A. et al. Comparison of the effects of daily and intermittent‐dose calcitriolon sérum parathyroid hormone and ionized calcium concentrations in normal cats and cats with chronic renal failure. Journal of veterinary internal medicine, v. 20, n. 6, p. 1307-1313, 2006.

Nathalia Barbosa Messas

Graduação em Medicina Veterinária – UFMS/MS;
Residência em Clínica Médica de Pequenos Animais – UFMS/MS;
Especialização em Nefrologia e Urologia de Pequenos Animais – ANCLIVEPA/SP;
Atendimento Especializado em Nefrologia e Urologia de Pequenos Animais;
Membro do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias – CBNUV;
Membro da Comissão de divulgação do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias – CBNUV.
Autora colaboradora em capítulo no livro – Tratado de Nefrologia e Urologia em Cães e Gatos.
Instagram: @nathaliamessas

{PAYWALL_FIM}