Edificação emocional adequada em gatos filhotes

Por Larissa Rüncos

Passo a passo que deve ser passado aos tutores de felino para a socialização de felinos

Passo a passo que deve ser passado aos tutores de felino para a socialização de felinos

Introdução

Gatos não nascem sabendo tudo que necessitam para expressar seus comportamentos felinos quando adultos. Em outras palavras, gatos não nascem sabendo se comportar como gatos, mas necessitam aprender durante a infância e adolescência. Por isso é importante ensinar e promover ambiente e rotina que permitam o gatinho aprender todos os comportamentos adequados para uma boa convivência social durante a vida adulta. Esse aprendizado irá envolver a socialização adequada com humanos, gatos e outro animais, ensinar comportamentos exploratórios, a lidar com mudança e lidar com as emoções de maneira saudável. Todo esse processo chamamos de edificação emocional, ou seja, permitir que o gato construa suas habilidades emocionais e comportamentais de maneira saudável e feliz.

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Uma edificação emocional adequada durante a infância irá permitir que o gato quando adulta saiba como lidar com a frustração, não tenha medo de interações sociais variadas, que não tenha medo de locais diferentes, que não tenha medo de sair de casa, de andar de carro, de ir ao veterinário. Com uma adequada socialização os gatos têm uma chance muito maior de formar laços de amizade com outros gatos, aceitar novos gatos em casa, conviver bem com cães e outros animais. A edificação emocional adequada também previne de maneira importante que o gato expresse comportamentos agressivos na vida adulta e que desenvolva problemas de comportamento e transtornos mentais. Ouso dizer que com uma adequada edificação emocional, os gatos são mais felizes!

Entendendo as diferentes fases da socialização

Então como podemos garantir que os tutores promovam uma edificação emocional adequada para nossos gatos queridos? Primeiramente é importante compreendermos quais são os períodos do desenvolvimento comportamental dos gatos. O comportamento começa a ser desenvolvido ainda dentro do útero materno, então as experiências da gata durante a gestação irão influenciar as emoções dos gatinhos. Após o nascimento os gatos passam pelo período neonatal que vai da primeira até a segunda semana de vida. Esse é um período muito sensível, no qual devemos respeitar muito o conforto da mãe e cuidar com o excesso de contato com os filhotes, que pode ser muito prejudicial. Entre a segunda e a terceira semana de vida ocorre a fase de transição e a partir da terceira semana de vida entrarmos na fase de socialização. A fase de socialização é sem dúvida a mais importante fase na vida do gato em relação aos seus comportamentos sociais. A fase de socialização é dividida em dois períodos. O primeiro é chamado fase de socialização primária que vai das 3 semanas de vida até as 8 semanas (2 meses de idade). O segundo período é a fase de socialização secundária que vai das 9 semanas até a 16 semana de vida (4 meses de idade).

Na prática devemos apresentar ao gato estímulos sociais positivos variados durante a fase de socialização. Ensinar o gato a gostar de sua caixa de transporte, ensinar a andar de carro dentro da caixinha sem ficar com medo, ensinar o gatinho a andar na guia fora de casa, a ir visitar locais diferentes de sua casa, sempre associando com coisas positivas. Devemos receber visitas em casa para que o filhote se acostume a receber pessoas estranhas em casa sem ter medo, receber amigos com cães que sejam muito calmos e sociáveis com gatos para que o gatinho socialize com esses cães também. Ensinar o gato a lidar com mudanças dentro de casa, e ter desafios mentais, iniciar o enriquecimento alimentar desde a infância. Todos esses ensinamentos devem ser realizados durante a fase de socialização, ou seja, entre 3 semanas e 4 meses de idade, pois após esse período a oportunidade de aprendizado é perdida.

Filhotes durante a fase de socialização, quando normais, não têm medo de quase nada. Dessa forma a socialização tende a ser um processo leve e tranquilo de ser realizado. Quando apresentamos o gatinho, durante a fase de socialização, à uma nova situação, local ou animal, a tendência natural do filhote é de ser curioso e procurar interagir. O que eles ainda não conhecem nessa fase, quando acompanhado pelos adultos da família, tendem a não temer. As experiências que os filhotes têm durante a fase de socialização e que são positivas, tendem a ser memorizadas por muito tempo, potencialmente para toda a vida. É nessa fase em que os gatos aprendem quais espécies são amigas, e quais não são. Mas além de conhecer apenas um indivíduo de cada espécie, precisam conhecer vários indivíduos para aprender a conhecer as diferenças. Os indivíduos que conhecerem com interações positivas nessa fase, tenderão a reconhecer como indivíduos amigos ao longo da vida. Indivíduos que eles nunca interagirem durante a fase de socialização, tenderão a ter medo ao longo da vida.

Prevenindo traumas

Da mesma forma que interações positivas durante a infância tendem a gerar uma resposta positiva no futuro, interações negativas nessa fase podem gerar traumas. Se um gatinho durante a fase de socialização tiver interações negativas com determinados indivíduos, a tendência é que tenha medo de indivíduos semelhantes após a fase de socialização. E um erro comum das pessoas é imaginar que sempre que um gato demonstra muito medo de algo ele deve ter sofrido algum trauma com tal evento. Mas na realidade um gato pode apresentar o mesmo nível de medo de algo com qual ele foi traumatizado na infância quanto de algo que ele nunca viu na infância! Por isso é tão, mas tão importante socializar gatos durante a fase correta, apresentar a diferentes estímulos, experiências, locais e atividades. Um local que auxilia muito a realizar a socialização são as escolinhas de socialização para gatos, também chamadas de Kitty Classes em outros países.

Período juvenil

Durante a adolescência, também chamado período juvenil que vai dos 4 meses até a maturidade social (por volta de 2 anos de idade), é necessário reforçar todos os aprendizados que o gato teve durante a infância. Continuar apresentando os gatinhos a estímulos novos, continuar com os passeios na caixa transportadora, no carro, os passeios na guia em locais variados e positivos, continuar apresentando os gatinhos a diferentes pessoas em diferentes situações, à cães e outros animais. Após os 4 meses de idade já não é esperado que o gato não tenha medo de quase nada, como seria na infância (antes dos 4 meses). Portanto se um adolescente não foi devidamente socializado durante a fase correta, pode já na adolescência mostrar certa resistência a novos ensinamentos e, também medo.

Ressocialização

E o que fazer quando um gato não teve a oportunidade de desenvolver suas emoções adequadamente durante a fase de socialização e já se tornou um adulto não sociável e medroso? Não é mais possível socializá-lo, mas é possível realizar um processo que chamamos de ressocialização. É um processo muito mais difícil, lento e com resultados menos positivos do que o processo de socialização. A ressocialização é muito mais difícil, pois o cérebro do gatinho já se desenvolveu, já terminou de crescer e formar suas estruturas relacionadas ao aprendizado social. Adultos não tem a mesma reação que filhotes (que praticamente não tem medo de nada), e já apresentam resistência a locais desconhecidos e indivíduos desconhecidos. Adultos não socializados tendem a ser medrosos e mais lentos para aprender do que filhotes. Adultos que não aprenderam a lidar com frustração tendem a ser mais intolerantes e responder com reações aumentadas de irritação e medo, sendo necessária bastante paciência e persistência para gradativamente ressocializá-lo. Mas todo gato adulto não socializado, deve ter a oportunidade de ser ressocializado, pois assim damos a ele a chance de aprender muitas coisas boas para ele e voltar a inseri-lo na sociedade. Com certeza o gatinho será mais feliz, e seus tutores também.

Referências:

• AAFP; Feline Behavior Guidelines, 2004.

• BEAVER, B., Comportamento Felino Um Guia para Veterinários. 2005.

• Karen Overall. Manual of clinical behavioral medicine for Dogs and cats. Elsevier.2013.

• D. Horwitz, Blackwell’s Five-Minute Veterinary Consult Clinical Companion Canine and Feline Behavior, Second Edition, Wiley Blacwell. 2018.

• Landsberg Landsberg G, Hunthausen W, Ackerman L. Handbook of Behavior Problems of the Dog and Cat, 3nd ed. Elsevier Saunders., 2013

• LITTLE, Susan E. O gato: medicina interna. 1. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2015.

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Dra. Mv. MsC. Larissa Rüncos

Formada em Medicina Veterinária pela UFPR, fez estágio na University of Califórnia, Davis (UCDavis) que foi a primeira universidade do mundo a oferecer o serviço especializado em medicina comportamental. Possui pós-graduação em Comportamento Animal pela PUCPR, mestrado pelo Laboratório de Bem-estar Animal (LABEA) da UFPR com projeto sobre bem-estar e comportamento de cães comunitários. É Doutoranda pela PUCPR com projeto na área de Psicodermatologia. Atua com atendimento clínico em psiquiatria veterinária desde 2010 e presta consultoria em bem-estar e comportamento animal para estabelecimentos desde 2015. Professora a nível de pós-graduação sobre os temas: Psicodermatologia; Comportamento Felino e Clínica Comportamental. Professora de Mentoria em Psiquiatria Veterinária. Membro da diretoria da Associação Brasileira de Bem-estar Animal (ABBEA); Membro da Comissão Estadual de Bem-estar Animal do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná CRMV-PR. Membro do Conselho Municipal de Proteção aos Animais – COMUPA. Presidente da Associação Associação Brasileira de Psiquiatria Veterinária (ABPVet). Ministra palestras na área de psiquiatria, comportamento e bem-estar animal em eventos científicos e acadêmicos por todo o Brasil. Instagram: @larissaruncos / Youtube: larissaruncos Site: www.larissaruncos.com.br

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