COMUNICAÇÃO DE NOTÍCIAS DIFÍCEIS NA MEDICINA VETERINÁRIA

É IMPORTANTE SEMPRE EXTRAIR QUAL É A PERCEPÇÃO DO TUTOR SOBRE O CASO DE SEU ANIMAL E, ATRAVÉS DA ESCUTA ATIVA, COMPREENDER QUAL É SUA PERCEPÇÃO GERAL E ASSIM CONDUZIR A CONVERSA DE FORMA EFICAZ

Foto: Reprodução Conferência familiar para planejamento de cuidados

Por: Adriano Baldaia e Karoline Damasceno Gonçalves Ferreira

Com o grande aumento da popularidade dos animais de companhia nos lares brasileiros, estes vêm desempenhando um papel cada vez mais importante no núcleo familiar. Essa tendência nos leva a um novo modelo familiar em que esses animais e seus tutores compartilham vínculos afetivos fortes e, muitas vezes, são tidos como membros de uma família multiespécie. Dessa forma é importante ressaltar que essa conexão entre o animal e o tutor vem se fortalecendo, e cada vez mais o médico-veterinário se encontra na posição de comunicar a essas famílias notícias difíceis envolvendo a saúde do animal, o que pode mudar a perspectiva de futuro dessa família.

A comunicação é um pilar nas relações, principalmente no contexto da saúde. A palavra comunicar vem do latim communicare, que significa “tornar comum”. A troca de informações entre o profissional e o tutor do paciente, quando feita de uma forma unidirecional, faz com que o veterinário deixe de comunicar e passe apenas a informar o familiar acerca do caso, o que muda muito o grau de entendimento, compreensão e a decisão quanto à tomada de decisões complexas envolvendo o cuidado com o paciente. Assim, é importante sempre extrair qual é a percepção do tutor sobre o caso de seu animal e, através da escuta ativa, compreender qual é a sua percepção geral e conduzir a conversa de maneira eficaz. Esse processo é importante porque nem sempre a notícia difícil será uma má notícia para a família em questão, isso vai depender da expectativa dos tutores e se a notícia comunicada traz a quebra dessa expectativa.

Existem duas dimensões na comunicação, a verbal e a não-verbal, sendo as duas de extrema importância. Essas duas dimensões da comunicação são fundamentais quando pensamos na melhor maneira de darmos uma má notícia, pois toda comunicação tem duas partes: o conteúdo – o fato ou informação que queremos ou necessitamos transmitir – e o sentimento que temos em relação à própria notícia, à pessoa para quem estamos transmitindo a mensagem e à situação ou ao contexto em que a interação está ocorrendo. Essas dimensões se complementam (dizer “sinto muito” e estar com a fisionomia séria, olhando nos olhos da pessoa, por exemplo), se contradizem (dizer “sinto muito” e sair andando imediatamente, sem dar tempo para a outra pessoa se expressar) e expressam sentimentos (dizer “sinto muito” e demonstrar tristeza no tom de voz e na expressão facial).4

Outro ponto muito importante para uma comunicação eficaz é a conexão entre o profissional e a família. Ser empático e validar as emoções da família são essenciais para estabelecer vínculo, facilitando o momento de transmitir a informação objetivada.

É importante que o conteúdo da notícia seja simples, em linguagem adequada e oferecida em pequenas doses, para não sobrecarregar o tutor de informações. A maneira de dar uma má notícia varia de acordo com o perfil de cada família, o contexto cultural, social, educacional, a doença que acomete o paciente e o papel que o paciente ocupa naquele núcleo familiar. Deve-se sempre ouvir, perceber e acolher cada sentimento que surge diante de um novo dado impactante sobre o adoecimento do animal e cabe ao veterinário ser compassivo num momento tão delicado.

Cada processo de comunicação envolve uma técnica adequada ao seu conteúdo. Dada a importância desse momento na vida das famílias que sofrem com um familiar em cuidados intensivos ou doenças ameaçadoras à vida, foi criado um protocolo de comunicação denominado SPIKES (quadro na próxima página), a fim de facilitar a organização deste processo, que também pode ser empregado na medicina veterinária. O uso de uma abordagem estruturada como essa para comunicação de más notícias já foi demonstrado benéfico em estudos humanos, como exemplificado na publicação do New England Journal of Medicine de 2007 com o título “A communication Strategy and Brochure for Relatives of Patients Dying in the ICU” (uma estratégia de comunicação para pacientes morrendo na UTI). Neste estudo, que analisou 108 familiares de pacientes em terminalidade internados em UTI, uma abordagem estruturada reduziu as taxas de ansiedade e depressão em quase 30%, reforçando como seu uso também pode ser terapêutico em momentos delicados da comunicação veterinário-tutor.

Foto: Reprodução

S: Consiste na preparação (setting), no qual o médico-veterinário se prepara para o encontro com a família do paciente. Nesse momento, podemos revisar os detalhes do caso (no medo paciente e do tutor, principais doenças que acometem o paciente, como cursam as doenças e quais os planos iniciais da equipe para este paciente), preparar o ambiente de forma acolhedora, evitando obstáculos entre o médico-veterinário e a família e escolher um lugar reservado onde não ocorram interrupções no momento da conversa.

P: Consiste na percepção (perception) do profissional sobre o real entendimento da família acerca do caso: é necessário saber o que eles compreendem e quais são suas expectativas para o desfecho do paciente.

I: Consiste no convite (invite) para que o familiar converse sobre o assunto, focando na compreensão sobre até onde ele deseja saber: muitos familiares preferem não receber determinadas notícias e vão expressar este desejo de forma não verbal ou verbal indireta (por exemplo: uma mudança brusca do assunto quando se vai abordar sobre terminalidade). Em casos que o familiar tem resistência à conversa difícil, uma opção é focar a comunicação com outro responsável pelo animal.

K: Consiste na transmissão da informação (knowledge) da doença e do planejamento de cuidados, de forma simplificada e empática, perguntando se o familiar está entendendo, como ele está se sentindo, prestando atenção na reação dele após receber a notícia e acolhendo essas reações.

E: Demonstrar verbalmente e gestualmente compaixão diante das emoções (emotion) expressas, se conectando com a família através dessas emoções. Nesse momento eles precisam de espaço para se abrir, para chorar ou para sentir raiva, isso é normal e merece acolhimento.

S: Neste momento, devemos fazer um resumo (summarize) das principais informações, sempre perguntando se ele está entendendo e sempre enfatizando que, durante todo o processo, o veterinário e a equipe estarão à disposição e que eles não estarão sozinhos.

Reconhecer as dificuldades mais comuns de uma comunicação interpessoal adequada nos ajuda nas conferências familiares. Comunicar uma má-notícia é um processo gradativo, vale repetir, que envolve mais do que um único encontro. As verdades podem ser ditas, desde que se respeite o limite do outro em querer ouvi-las.

Podemos “ler” no comportamento e na fala do indivíduo seu interesse em continuar ou não uma conversa, um tema (olhar na direção de quem fala ou não, ficar em silêncio ou não, perguntar sobre o tema ou não, esclarecer detalhes sobre o que está sendo dito ou não…).5

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A comunicação da má notícia deve ser feita por profissionais qualificados, visto que é um momento que ficará eternizado na vida e nas lembranças dos familiares daquele animal. É necessário que o veterinário seja claro, objetivo e paciente, buscando compreender e acolher as necessidades que os tutores demandam naquele momento. Considere a história única de cada ser, a biografia da família e respeite os valores. Nossas palavras também são acolhimento.

REFERÊNCIAS

Alexandre Lautrette, M.D., et al. A Communication Strategy and Brochure for Relativesof Patients Dying in the ICU. New England-Journal of Medicine, 356(5), 469–478.

Araujo MMT, Silva MJP. O conhecimento das estratégias de comunicação no atendimento à dimensão emocional em cuidados paliativos, 2012 Jan-Mar; 21(1): 121-9

D’Alessandro MPS, Pires CA, Forte DN … [etal.]. Manual de Cuidados Paliativos, São Paulo: Hospital Sírio Libanês; Ministério da Saúde; 2020. 175p

Silva MJP, Araújo MMT. Comunicação em cuidados paliativos. In: Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos. Rio de Janeiro: Dia Grafic; 2009. p. 49-57.

Silva, MJP Comunicação de Más Notícias. Mundo Saúde (1995); 36 (1): 49-53, jan.-mar.2012. ID: mis-36662

W F Baile 1, R Buckman, R Lenzi, G Glober, E A Beale, A P Kudelka SPIKES-A six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with câncer. Oncologist 2000; 5(4): 302-11. doi: 10.1634/theoncologist.5-4-302

Por Adriano Baldaia Médico-veterinário, especializado em Cuidados Paliativos-Hospital Albert Einstein e Karoline Damasceno Gonçalves Ferreira Graduanda do curso de Medicina Veterinária na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.