Atualizações em ultrassonografia de pequenos animais Ultrassom gestacional e sexagem de fetos caninos

Por Solange Carné

Atualizações em ultrassonografia de pequenos animais Ultrassom gestacional e sexagem de fetos caninos

A ultrassonografia gestacional tem avançado muito ao longo dos últimos anos. Muitas novidades sobre observações de órgãos e estruturas gestacionais ao longo do desenvolvimento da organogênese embrionária e fetal, estudos sobre batimentos cardíacos fetais, doppler fetal e estudos sobre alterações fetais, dentre muitas outras análises. Atualmente temos fórmulas gestacionais desenvolvidas para auxiliar o ultrassonografista a definir período gestacional e data provável do parto, além de muitos outros parâmetros para serem estudados e considerados durante o exame e acompanhamento pré-natal.

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Durante a fase embrionária da gestação canina, temos mudanças muito evidentes ao longo de poucos dias de desenvolvimento do embrião. Consideramos a fase embrionária até aproximadamente 34 dias de gestação, quando teremos o alongamento dos membros dos fetos e então passamos para fase fetal da gestação.

Através da ultrassonografia podemos diagnosticar a gestação canina aos 16 dias, visualizando uma ou mais vesículas gestacionais arredondadas. Com o passar dos dias teremos a visualização do embrião dentro das vesículas e podemos observar todo o desenvolvimento e crescimento do embrião, percebendo todas as mudanças no embrião ao longo da gestação, pela ultrassonografia dos 16 aos 34 dias. Nessa fase ocorrem muitas mudanças no aspecto ultrassonográfico dos embriões, o que pode facilitar muito o reconhecimento do período gestacional somente através da observação da organogênese e desenvolvimento do embrião. Para esta fase do desenvolvimento temos fórmulas que medem as vesículas gestacionais e podem te ajudar a definir o período gestacional, porém como temos muitas mudanças no aspecto dos embriões ao longo dos dias, não será difícil saber o período gestacional apenas com a observação dos embriões.

Abaixo vamos observar imagens ultrassonográficas das diferentes fases embrionárias da gestação canina e podemos perceber diferenças significativas com poucos dias de diferença. Essas imagens podem ajudar a definir o período gestacional em que a fêmea se encontra.

Figuras 1.a / 1.b – Fonte: arquivo pessoal. Imagem de vesícula gestacional observada no útero, com aproximadamente 18 dias de gestação
Figuras 2.a / 2.b – Fonte: arquivo pessoal. Imagem ultrassonográfica de vesícula gestacional com presença de embrião com aproximadamente 22 dias
Figura 3 – Fonte: arquivo pessoal. Imagem ultrassonográfica de vesícula gestacional e embrião com aproximadamente 24 dias de gestação
Figura 4 – Fonte: arquivo pessoal. Imagem de embrião com 26 ou 27 dias. Nesta fase o embrião parece em forma de “c” e já é bem visível a placenta
Figura 5 – Fonte: arquivo pessoal. Nesta imagem temos um embrião com aproximadamente 30 dias de gestação. Nesta fase percebemos quase o mesmo tamanho da cabeça e corpo. Após essa fase o corpo irá se alongar e veremos um pescoço

Antes de começar a falar da fase fetal, que compreende dos 34 dias até o final da gestação, aproximadamente 60 dias, vamos falar sobre um assunto muito importante que é a reabsorção embrionária. Ela pode ocorrer até os 25/ 28 dias de gestação, onde teremos a morte do embrião e total reabsorção dele e de sua vesícula gestacional, desaparecendo completamente ao longo da evolução da gestação. É muito comum ocorrer reabsorção de um ou mais embriões nas gestações e podemos visualizar as vesículas gestacionais em processo de reabsorção até aproximadamente os 35 dias de gestação. Até pode ocorrer a reabsorção de todos os embriões em uma gestação, porém é muito mais raro acontecer. Vamos ver algumas imagens de vesículas gestacionais em diferentes fases de reabsorção. Chegando na fase fetal, vamos perceber poucas mudanças em relação a morfologia do feto. Porque na fase fetal o embrião assume o formato de feto com membros alongados e permanece com este formato até o final. Porém teremos muitas mudanças em relação ao desenvolvimento da organogênese fetal nesta fase, além de mudanças de tamanho do feto, é claro. Nesta fase temos fórmulas gestacionais que auxiliam bastante no reconhecimento do período gestacional, mas também será importante entender a organogênese e reconhecer alguns órgãos que poderão também te confirmar o período gestacional, auxiliando assim a definir a data provável do parto.

Figura 6 – Fonte: arquivo pessoal. Imagem do início do processo de calcificação do feto, iniciando pela mandíbula. Nesta imagem podemos evidenciar a mandíbula bem marcada e hiperecogênica
Figuras 7.a / 7.b / 7.c – Fonte: arquivo pessoal. Imagens de vesículas gestacionais em reabsorção em diferentes fases de reabsorção. Inicialmente observamos a ausência do embrião e posteriormente a vesícula vai diminuindo o líquido na luz e se torna irregular e depois o líquido é todo reabsorvido até que desaparece totalmente.

A observação do rim fetal é bem interessante devido a diferenças no desenvolvimento renal ao longo da gestação, podemos perceber essas diferenças através da ultrassonografia dos 39 aos 52 dias de gestação.

Podemos observar também imagens do timo, cranial ao coração, câmaras cardíacas desenvolvidas, fígado e sistema biliar, pâncreas, baço e vascularização fetal ao longo da gestação no período fetal. A observação do trato gastrointestinal, sua repleção por conteúdo e principalmente o peristaltismo traz informações importantes sobre a maturidade do feto, o que também poderá ser avaliado durante o exame pré-natal.

Figuras 8.a / 8.b / 8.c / 8.d – Fonte: arquivo pessoal. Imagens de rins fetais apresentando dilatação da pelve (pielectasia) em diferentes fases de desenvolvimento dos 39 até aproximadamente 50 dias. Após 50 dias de gestação o rim fetal apresenta o mesmo aspecto do rim fetal a termo.
Figura 9 – Fonte: arquivo pessoal. Nesta imagem podemos observar o rim fetal sem dilatação da pelve e com boa definição corticomedular. Aspecto que terá após 50 dias de gestação e até o nascimento.

Outra importante função da ultrassonografia gestacional canina será observar os fetos morfologicamente em busca de alterações congênitas e para isso será necessário examinar os fetos detalhadamente. Muitas alterações poderemos perceber através da ultrassonografia e muitas não conseguimos perceber claramente. Um dos defeitos congênitos mais importantes observados pela ultrassonografia é o Anasarca ou hidropsia fetal (edema generalizado). Além de ser um dos defeitos mais comuns na rotina de pequenos animais, este defeito contraindica o parto normal, uma vez que o feto fica muito grande devido ao edema generalizado. Neste caso temos que indicar uma cesariana de eleição para evitar o sofrimento da fêmea e a morte de outros fetos saudáveis durante o parto complicado.

Figura 10 – Fonte: arquivo pessoal. Aspecto ultrassonográfico do timo fetal, observado cranial ao coração como uma estrutura trabeculada.
Figura 11 – Fonte: arquivo pessoal. Coração de feto a termo. Nesta imagem podemos observar a veia cava caudal (vermelha) e a aorta saindo do coração (arco aórtico – azul).
Figura 12 – Fonte: arquivo pessoal. Nesta imagem podemos observar o lobo direito do pâncreas e cranial ao pâncreas o tecido hepático.

Além de muitos órgãos e estruturas que podemos observar ao longo do desenvolvimento do feto, a sexagem fetal já é uma realidade na medicina veterinária e na ultrassonografia de pequenos animais. Podemos diferenciar na fêmea a vulva e no macho o pênis. Nos casos de gestações em que temos muitos filhotes, possivelmente não conseguiremos sexar todos os fetos, porém é possível realizar a sexagem mesmo assim de alguns fetos. Em gestações com menos fetos, de 4 a 5 filhotes, será bem mais fácil realizar a sexagem dos fetos. Na realidade, algumas vezes pode ser difícil, mesmo com poucos fetos, mas quando o ultrassonografista domina a técnica de varredura, com certeza, será cada vez mais fácil.

Figuras 13.a / figura 13. b -Fonte: arquivo pessoal. Na primeira imagem podemos ver o tórax de um feto normal. Coração e ao redor observamos um tecido ecogênico que é o pulmão. Na imagem abaixo, podemos observar o tórax fetal de um anasarca. Observe conteúdo anecogênico na cavidade torácica, líquido livre no tórax.

 

A varredura deve ser iniciada em região de períneo ou perineal. No caso das fêmeas, observamos a vulva como uma imagem hipoecogênica em formato de “V”. Podemos visualizá-la a partir de 40 dias do desenvolvimento fetal, porém quanto mais tardia gestação, mais facilmente visível, principalmente devido ao tamanho diminuto da vulva, que são ainda menores em fêmeas de pequeno porte.

Figuras 14.a / 14.b / 14.c / 14.d – Fonte: arquivo pessoal. Imagens de sexagem fetal canina de fetos fêmeas. Nas primeiras imagens podemos ver a sexagem de gestação com aproximadamente 45 dias e observamos a vulva bem pequena. Nas imagens onde podemos ver melhor a vulva temos gestação acima de 50 dias

No caso dos machos, ainda em região perineal, vamos observar uma linha hiperecogênica no períneo que se estende cranialmente, onde podemos encontrar a glande do pênis. Esse é o aspecto do pênis desde 39 até 45 dias de gestação. Após o processo de calcificação fetal estar concluído, temos uma mudança no aspecto do pênis e após 45 dias podemos observar o pênis fetal como duas linhas hiperecogênicas, se estendendo do períneo em direção cranial. A glande do pênis aparece bem próxima a inserção do cordão umbilical, uma vez que estão realmente próximos nos filhotes.

Figuras 15.a / 15.b – Fonte: arquivo pessoal. Imagens de sexagem fetal por volta de 41 dias de gestação. Até aproximadamente 45 dias, observamos o pênis como uma linha hiperecogênica que se projeta do períneo para a região cranial, até a observação da glande, que aparece como duas linhas paralelas nessa fase, próxima ao umbigo (colorido pelo doppler).
Figura 16 – Fonte: arquivo pessoal. Sexagem fetal de machos após 45 dias de gestação. Nesta fase já ocorreu o processo de calcificação fetal e podemos observar o pênis do feto de forma diferente, devido a calcificação dos corpos cavernosos do pênis. Agora vamos observar duas linhas hiperecogênicas e paralelas, se estendendo desde o períneo até próxima ao umbigo do feto.

A sexagem fetal não traz informações fundamentais em um exame de ultrassom, porém é considerado interessante devido à curiosidade e expectativa dos tutores, que gostam de passar por essa experiência durante o acompanhamento pré-natal das suas fêmeas. Enquanto ultrassonografista é válido tentar realizar a sexagem durante o exame, além de treinar nossas habilidades, temos a oportunidade de permitir essa experiência diferenciada e gratificante aos tutores.

Toda essa evolução da ultrassonografia gestacional canina traz um desenvolvimento dos estudos e pode fazer a diferença na qualidade da gestação e parto das fêmeas, além da qualidade dos filhotes em uma ninhada. Muitos estudos estão sendo realizados e temos sempre novidades neste exame, o que é sempre muito gratificante. A ultrassonografia gestacional pode e deve ser mais explorada pelos clínicos que acompanham gestações caninas.

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Solange Carné

Médica-veterinária formada pela Universidade Plinio Leite em 1999, Mestrado em Patologia e Reprodução Animal na UFF em 2003. Desde o ano 2000 trabalhou em clínicas e centros de diagnósticos de referência, sempre com ultrassom. Em 2007 começou a realizar cursos em ultrassonografia em pequenos animais no Rio de Janeiro/Brasil e nunca mais parou. Atualmente, realiza diversos cursos de ultrassom para veterinários em todos os níveis de conhecimento nesta área, cursos básicos e avançados, atuando em algumas escolas no Brasil e também cursos de pós-graduação nacionais e internacionais. É idealizadora e fundadora do CENUS SOLVET, uma das maiores escolas de ultrassom em pequenos animais do Brasil e também do MUNDO ULTRA VET, um site repleto de conteúdos em ultrassonografia A Dra. Solange Carné também realiza mentorias para ultrassonografistas em seus exames de ultrassom.

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