Anestesia locorregional – bloqueio do quadrado lombar: revisão de literatura

Por Anderson Eberhardt Assumpção

Anestesia locorregional - bloqueio do quadrado lombar: revisão de literatura

Resumo

A dor apresenta diversos efeitos deletérios no organismo dos animais, afetando a qualidade de vida por meio do aumento de comorbidades e inclusive da taxa de mortalidade. Desta forma, torna-se indispensável tratar os estímulos álgicos causados nos pacientes oriundos de procedimentos cirúrgicos. Uma maneira de atuar minimizando a dor aguda trans e pós-operatória é com analgesia multimodal, usando técnicas e fármacos que bloqueiam a transdução, como o bloqueio do quadrado lombar para cirurgias abdominais. Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão de literatura descrevendo as diferentes técnicas pelas quais podem ser realizadas o bloqueios do quadrado lombar.Conclusão: as técnicas de abordagens ventrodorsal e dorsoventral são mais facilmente realizadas. A técnica de abordagem do plano lateral do quadrado lombar possui maior expansão do fármaco quando realizada de forma transversal comparada a abordagem longitudinal.

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Palavras-chave: Dor, analgesia, quadrado lombar, cães, ultrassonografia.

ABSTRACT

Pain has several deleterious effects on the animals’ organism, affecting the quality of life through the increase of comorbidities and mortality. Thus, it is essential to treat the painful stimuli caused in patients resulting from surgical procedures. One way to minimize acute trans and postoperative pain is with multimodal analgesia, using techniques and drugs that block transduction, such as quadratus lumborum block for abdominal surgery. This work aims to review the literature describing the different techniques by which quadratus lumborum blocks can be performed. This blockade has been shown to be effective in providing analgesia in surgical procedures such as ovariohysterectomy. Conclusion: the techniques of ventrodorsal and dorsoventral approaches are more easily performed. The technique of approaching the lateral plane of the quadratus lumborum has greater drug expansion when performed transversely compared to the longitudinal approach.

Key words: pain, analgesia, quadratus lumborum, dogs, ultrasound

INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA

Nós como profissionais veterinários temoso dever ético e médico de controlar a dor nos animais. O dever ético diz respeito ao fato de que a dor causa sofrimento, e a “prevenção e alívio do sofrimento” é frequentemente parte do juramento dos veterinários. Com efeito, a ética médica veterinária refere-se à necessidade de prevenir, diagnosticar e tratar a dor. O dever médico refere-se ao fato de a dor ser um problema médico que leva a consequências fisiológicas indesejadas, como ativação do sistema nervoso simpático, imunossupressão, metabolismo alterado, cicatrização prejudicada, aumento da morbidade e efeitos na progressão de doenças.

A anestesia local tem como conceito promover a eliminação da sensação dolorosa de determinada área do corpo, utilizando fármacos que interrompam a condução de nervos periféricos de forma reversível. A diminuição de estímulo sensitivo, motor e função autonômica acontece por bloqueio da geração e propagação do potencial de ação em tecidos eletricamente excitáveis, como resultado do mecanismo de bloqueio dos canais de sódio. A utilização de técnicas de anestesia locorregional é de grande valia como parte de um protocolo de anestesia balanceada ou multimodal.

Atualmente a anestesia locorregional tem adquirido aumento do número de diferentes técnicas de bloqueios, utilizadas tanto para insensibilizar fibras somáticas quanto viscerais. Isto tem se tornado possível devidoao emprego de equipamentos que conferem auxílio na localização anatômica dos nervos e consequente maior precisão na execução dos bloqueios. Os dois tipos de equipamentos que podem ser utilizados sozinhos ou combinados para aumentar a acurácia na realização da anestesia são o estimulador de nervos periféricos e o aparelho ultrassonográfico.

O chamado bloqueio do quadrado lombar (QL) é uma forma de anestesia locorregional que requer do anestesista, além do conhecimento anatômico e farmacológico, o uso de ultrassonografia. Pois, para obter sucesso na realização, a infiltração da solução anestésica deve ser feita no plano interfacial formado entre os músculos quadrado lombar e psoas.Esta visibilização só é possível com o ultrassom, posicionando o transdutoratrás da última costela para identificação das estruturas anatômicas.Assim é possível visibilizar o músculo QL, que possui sua origem nas três últimas vértebras torácicas,nos processos transversos das vértebras lombares, inserção na face da espinha alar e face auricular do ílio.Além disso, na região caudal à primeira vértebra lombar, pode-se constatar que o músculo QL é coberto ventralmente pelo músculo psoas menor, e caudal à quarta vértebra lombar, pelo psoas maior.

O músculo QL tem por função exercer flexão e fixação da coluna vertebral na região lombar. O QL está em contato tanto com inervações somáticas quanto viscerais (nociceptivas, autonômicas e somáticas musculares), que emergem das vértebras de T10 até L3. Isto se deve a sua proximidade com os corpos vertebrais e forames transversais, assim comoos grandes vasos abdominais aorta e cava caudal.

As indicações para este bloqueio são de intervenções cirúrgicas abdominais. E a extensão das vísceras insensibilizadas irá depender da quantidade de nervos espinhais afetados de acordo com o volume total instilado da solução anestésica. Isto pode se estender por uma área que varia no limite cranial de T10 e a mais caudal chegando em L3.

Para realização deste bloqueio, deve-se dispor de material necessário para realização de tricotomia, gel de ultrassom e desinfecção cutânea na região toracolombar dorsolateral, partindo da última costela até a terceira vértebra lombar. Diversos modelos de aparelhos ultrassonográficos podem ser utilizados, oideal que possua transdutor linear com frequência igual ou superior a 10MHz para cães de pequeno e médio porte. Também podem ser utilizados transdutores convexos com frequências que variam de 5 a 8MHz para cães de grande porte. A visibilização da agulha é facilitadase utilizadas agulhas próprias para ultrassom, chamadas sonovisíveis, com calibre de 22G e 75mm para cães com menos de 15kg ou de 90mm para cães acima deste peso.

Os anestésicos utilizados podem ser lidocaína 1-2% bupivacaína a 0,125-0,25%, ropivacaína a 0,125-0,25% e alevobupivacaína a 0,125-0,25%. Os volumes utilizadospodem variar de 0,2 a 0,3mL/kg por ponto de bloqueio, lembrando que deve ser realizado de forma bilateral.Para aumentar o volume e a consequente dispersão, pode-se dobrar o volume calculado do anestésico com cristaloide como ringer lactato, por possuir pH menos ácido que demais soluções o que poderia aumentar ainda mais a latência devido ao pKa dos anestésicos.

O bloqueio do quadrado lombar deve ser realizado sempre com paciente anestesiado ou em sedação profunda. O melhor posicionamento para este bloqueio deve ser decúbito lateral com o lado a ser bloqueado voltado para cima. Os pontos de referência para local de punção são a margem lateral dos processos transversos lombares, entre a parte caudal da última costela e o processo transverso da segunda vértebra lombar (L2).

Pelo menos quatro abordagens são descritas na literatura: abordagem transmuscular, dorsoventral, ventrodorsale lateral ao músculo quadrado lombar (figura 1). A abordagem lateral pode ser feita de duas formas: transversal e longitudinal. A abordagem transmuscular é realizada colocando a agulha quase paralela ao processo espinhoso da vértebra L2 de forma dorso ventral e não é muito realizada. As técnicas de abordagens ventrodorsal e dorsoventral são mais facilmente realizadas. A técnica de abordagem do plano lateral do QLpossui maior expansão do fármaco quando realizada de forma transversal comparada a abordagem longitudinal.

Após a localização, deve-se colocar o transdutor paralelo à margem caudal da última costela, próximo aos processos transversos das vértebras lombares. Neste momento, é possível localizar os planos musculares e o processo transverso de L2. A partir daí, desloca-se o transdutor em sentido cranial, até situá-lo no espaço intertransverso. Neste nível são observados a musculatura epaxial, o processo transverso da vértebra lombar, e os músculos quadrado lombar e psoas. A agulha deve ser introduzida em plano em direção ventrodorsal, através dos músculos oblíquos abdominais, seguindo a aponeurose de inserção do músculo transverso do abdômen até o processo transversoda vértebra lombar, posicionando sua ponta entre osmúsculos quadrado lombar e psoasconforme esquema (figura 1), e imagem ultrassonográfica (figura 2). Após a localização, injete uma pequena quantidadepara comprovar se o local de instilação está correto e administre lentamente o anestésico de acordo com volume calculado.

Figura 1. Posição da agulha para injeção do plano transmuscular, dorsoventral, ventrodorsal lateral (LQL) e ventrodorsal do quadrado lombar em um cãoao nível da primeira vértebra lombar (L1). Linhas tracejadas: vermelho, a fáscia transversal; verde escuro, a porção dorsal da fáscia toracolombar;verde claro, a porção ventral da fáscia toracolombar; D, dorsal; ES, músculos eretores da espinha; L,lateral; M, medial; OEA, m. oblíquo abdominal externo; OIA, m. oblíquo abdominal interno; PM,músculo psoas menor; TA, m. transverso abdominal; V, ventral.
Figura2. Imagem ultrassonográfica do local de instilação do anestésico local pela abordagem ventrodorsal. ES: músculos eretores da espinha. QL: m. Quadrado Lombar; PM: m. Psoas Menor; PT: processo transverso de L2; OEA: m. Oblíquo Abdominal Externo; TA: m. Transverso do Abdômen; FT: fáscia do m. Transverso do Abdômen; Veia Cava; Artéria Aorta. Seta branca: posição da agulha. Orientação: L: lateral; M: medial; D: dorsal e V: ventral. (Fonte: Arquivo pessoal).

As principais complicações relatadas nesta técnica são injeção intraperitoneal, punção de órgãos abdominais como rins, alças intestinais, fígado e grandes vasos. Também são descritas intoxicação por sobredose dos fármacos ou punção intravascular.

REFERÊNCIAS

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Prof.(o) Me. Anderson Eberhardt Assumpção

Graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Residência em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Residência em Cirurgia e Anestesiologia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Mestrado em Ciências da Saúde pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Professor do curso de Medicina Veterinária da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul desde 2013 até 2022 - Campus Universitário Tubarão - www.unisul.br; Professor do curso de pós graduação em Anestesiologia do IBMVET

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