Vitiligo em cão: Revisão de literatura

Por Dra. Cintia Moraes

O vitiligo é um dermatopatia adquirida rara que cursa com despigmentação seletiva e progressiva dos melanócitos, resultando em despigmentação macular evoluindo para leucodermia e leucotriquia. O que causa a destruição dos melanócitos, ainda é desconhecida. Existem várias teorias para tentar explicar o acontecimento. No entanto, a mais aceita é que o vitiligo se trata de uma doença autoimune, devido a presença de anticorpos antimelanócitos no soro de humanos e animais acometidos pela doença.

A ocorrência do vitiligo em cães é incomum, especialmente na forma generalizada e rara em gatos. Na espécie canina, as raças mais predispostas são Rottweiler, Pastor Belga Malinois, Pastor Alemão, Dobermann, Pointer Alemão, Sheepdog e Dachshund. Em felinos, o Siamês é o mais pré-disposto. Não há predisposição sexual e a maioria dos cães desenvolvem a doença entre seis e quarenta e oito meses de idade.

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A destruição seletiva e progressiva dos melanócitos resulta em despigmentação macular. No início observa-se manchas hipocrômicas, não precedidas por inflamação. Com a evolução do quadro, essas manchas sofrem progressão e tornam-se máculas acrômicas, caracterizando a leucodermia.

As lesões geralmente são bem demarcadas com limites nítidos e bordas hiperpigmentadas e simétricas. As lesões são assintomáticas e a extensão é variável. A repigmentação espontânea pode ocorrer.

Nos animais, devido ao manto piloso, além da leucodermia, também observamos a leucotriquia. O vitiligo pode ser classificado como localizado, generalizado ou acrofacial. Geralmente, o primeiro observa-se lesões em mucosas com envolvimento palatino ou em bordas (labial, palpebral, prepucial, vulvar e anal), no generalizado é observado leucotriquia bilateralmente simétrico ou então generalizado. Já o acrofacial observa-se despigmentação facial e ao longo dos membros, envolvendo o pelame dos membros, a pele, as transições mucocutaneas, as unhas ou garras.

Os animais com vitiligo desenvolvem leucodermia e leucotriquia macular simétrica principalmente no plano nasal, lábios, pálpebras, mucosa oral, escroto e borda anal. Podendo também estar envolvidos os coxins palmo plantares, cotovelos e as unhas.

Um levantamento realizado num hospital escola de universidade paulista no período de 1986 a 2009, 21 animais foram diagnosticados com vitiligo, desses 19 (90,5%) eram cães e 2 gatos da raça Siamês. Dos cães acometidos, 18 deles eram da raça Rottweiler (84%) e 57% eram machos.

O diagnóstico do vitiligo se baseia na resenha, história clínica, avaliação física geral, oftalmológica, dermatológica e oncológica associado sempre a avaliação histopatológica. Os exames laboratoriais como hemograma e bioquímicos são recomendados para exclusão de outras doenças concomitantes.

A biópsia deve ser realizada na transição entre a pele acrômica e pigmentada normalmente. O procedimento pode ser realizado com punch de maior diâmetro ou com auxílio do bisturi.

Na avaliação histopatológica, a epiderme acometida pode apresentar redução ou ausência de melanócitos epidérmicos e melanina quando comparada com a pele adjacente. Na derme geralmente não se observa alteração, exceto pela diminuição de discreta a moderada de melanófagos. Entretanto, lesões recentes podem apresentar discreto infiltrado linfocítico superficial nas margens das lesões vitiliginosas, além de histiócitos e plasmócitos, redução de melanócitos, vacuolização citoplasmática, picnose, agregação de melanossomas, vacúolo autofágico e degeneração lipidica.

Animais com vitiligo acrofacial, que afeta principalmente o plano e espelho nasal deve-se diferenciar de outras doenças imunomediadas como: Síndrome uveodermatológica, lúpus eritematoso discoide e sistêmico, pênfigo eritematoso e neoplasias como linfoma cutâneo. Já no generalizado deve ser diferenciado da canície.

Na medicina veterinária inexiste um tratamento eficaz descrito em literatura. A repigmentação espontânea pode ocorrer em alguns animais.

Conforme um estudo realizado na França com quatro cães com vitiligo, de raça definida, com idade de 14 e 22 meses de vida que foram submetidos à terapia com L-fenilalanina (precursor da formação de melanina via L-tirosina) obtiveram resultados favoráveis, onde observou-se redução da hipopigmentação ao longo de seis meses de acompanhamento. Entretanto, ainda há necessidade de mais estudos científicos nessa patologia. Em dermatologia humana já se utiliza corticosteroides tópicos, imunomoduladores tópicos, psoralênicos, laser, entre outros. Sempre concomitante com a indicação de protetores solares.

Consequentemente a despigmentação, principalmente em espelho e plano nasal e pálpebras, animais com vitiligo podem desenvolver outras dermatoses. Assim, deve-se sempre prescrever o uso de protetores solares e evitar a exposição solar nos períodos mais quentes do dia.

Até o momento não existem critérios clínicos e laboratoriais para conduzir o prognóstico. Apesar da doença não causar prejuízos diretos à saúde do animal, as regiões com despigmentação devem ter cuidados especiais para não piorarem ou adquirirem outras alterações cutâneas promovidas pela radiação solar.

O presente relato tem como objetivo descrever a experiência clínica de um caso de Pênfigo eritematoso associado com vitiligo em um canino, da raça Rottweiler, fêmea, com 5 anos de idade.

Caso Clínico 1:

Realizado consultoria para colega médico veterinário, de um canino, macho, raça Rottweiler, com 2 anos de idade. O animal apresentava despigmentação em espelho nasal e leucotriquia em região periocular. Com a suspeita de vitiligo, orientado realizar biopsia cutânea e exame histopatológico.

Realizado o procedimento com médico veterinário cirurgião sob anestesia geral e coletado 2 fragmentos de aproximadamente 1cm de diâmetro com auxilio de bisturi.

Na avaliação histopatológica observou-se a epiderme com áreas multifocais com ausência de pigmento melânico em todas as camadas, em alguns campos presença de pigmento melânico em áreas focais, mais evidente em camada basal. Na derme observou-se em alguns campos infiltrado inflamatório composto por macrófagos acastanhado e discreto infiltrado inflamatório perivascular composto por linfócitos e plasmócitos. Sendo o quadro morfológico compatível com vitiligo.

Com o diagnóstico de vitiligo foi prescrito uso de protetor solar e evitar a exposição solar em horário mais quentes do dia.

Foto 1: Foto atualizada do paciente. Apresentado leucotriquia em região periocular, perilabial e algumas áreas da face e corpo.
Fonte: Arquivo pessoal
Foto 2: Mesmo cão em outro ângulo. Fonte: Arquivo pessoal

Caso Clínico 2:

Foi atendido em clínica particular na cidade de Jundiaí/SP, um paciente da espécie canina, fêmea, raça Rottweiler, com cinco anos de idade, com queixa principal de descoloração progressiva e crostas nas áreas de plano nasal e pálpebras com evolução do quadro em aproximadamente 6 meses. Paciente já havia realizado tratamento com prednisolona e vitamina E, com melhora do quadro, devido diagnóstico equivocado clínico de lúpus eritematoso discoide. Na avaliação física, observou-se presença de crostas e despigmentação em região de plano e espelho nasal e peripalpebral; presença de leucotriquia em dorso, mais acentuada em região cervical; presença de crostas e colarinhos epidérmicos no dorso. Demais parâmetros dentro da normalidade. Diante da suspeita de doenças autoimunes, orientado tutor da importância da realização da biopsia cutânea para diagnostico assertivo. Paciente realizou todos exames pré-anestésicos necessários e posteriormente foi submetido a anestesia geral para realização da biopsia cutânea. Para o procedimento foram utilizados punch de 8mm, coletados três fragmentos da região de plano e espelho nasal com posterior realização de sutura padrão simples. As amostras foram condicionadas em formalina 10% e encaminhadas ao laboratório de Patologia veterinária (HISTOPET – SP).

Foto 1: Paciente da raça Rottweiler no primeiro dia de atendimento. Presença de crostas, despigmentação em região de plano e espelho nasal e região palpebral. Presença de áreas facial com leucotriquia. Fonte: Arquivo pessoal
Foto 2: Paciente, da raça Rottweiler no primeiro dia de atendimento. Presença de leucotriquia em dorso, mais evidente na região cervical. Fonte: Arquivo pessoal
Foto 3: Primeiro dia de consulta. Mesmo animal das fotos anteriores de outro ângulo. Fonte: Arquivo pessoal
Foto 4: Mesmo cão, das fotos 1,2 e 3, antes do acometimento do pênfigo eritematose e vitiligo. Fonte: Foto gentilmente cedida pelo tutor da paciente.
Foto 5: Foto atualizada da paciente. Repigmentação em plano e espelho nasal. Entretanto, mantendo leucotriquia.
Foto 6: Foto atualizada da paciente. Presença de leucotriquia em dorso. Mais evidente em região cervical.
Fonte: Fotos gentilmente cedidas pelo tutor da paciente.
Foto 7: Coloração Fontana Masson (aumento 40x). Presença de pigmento melanico corado em preto.
Foto 8: Coloração Fontana Masson (aumento 40x). Ausência de pigmento melanico corado.
Fonte: Fotos cedidas gentilmente pela M.V. Ms. Priscila Taboada, proprietária do HISTOPET.
Foto 9: Coloração hematoxilina eosina – HE (aumento de 4x) Dermatite liquenoide com presença de crosta serocelular.
Foto 10: Coloração Fontana Masson (aumento de 4x). Incontinência pigmentar e áreas com epiderme contendo pigmento melanico e com pigmento ausente.
Foto 11: Coloração HE (aumento de 40x). Área com pigmento melanico na epiderme e área adjancente apresentando ausência de pigmento melanico visível.
Fonte: Fotos cedidas gentilmente pela M.V. Ms. Priscila Taboada, proprietária do HISTOPET.
Foto 12: Coloração Fontana Masson (aumento de 10x). Transição entre epiderme pigmentada e epiderme despigmentada.
Fonte: Foto cedida gentilmente pela M.V. Ms. Priscila Taboada, proprietária do HISTOPET.

O exame histopatológico foi compatível com um quadro morfológico de dermatite de interface liquenóide com áreas de exsudação com formação de crostas celulares e pústula intraepidérmicas contendo células acantolíticas, condizendo com pênfigo eritematoso. 

Conforme o resultado do histopatológico foi instituída terapia com prednisolona (2mg/kg cada 12hs) associado a ciclosporina com aumento da dose gradativamente, chegando a máxima em 5mg/kg cada 24hs), uso de protetor solar diariamente e evitar a exposição solar em horários mais quentes. Paciente permanece em acompanhamento médico veterinário e hematológico periódico, hoje a terapia está somente com ciclosporina na dose de 6mg/kg cada 48 horas e protetor solar.

Apesar da melhora clínica das lesões em plano e espelho nasal e pálpebras, a leucotriquia em dorso e algumas áreas de leucodermia eram questionáveis. Entrando em contato com o laboratório de patologia (HISTOPET), com toda atenção do mesmo, foi realizado a coloração de Fontana Masson, onde realiza a técnica de impregnação argêntica para demonstrar a melanina, tornando negros os grânulos marrons. Assim, foi possível uma melhor caracterização das áreas com ausência de pigmento de melanina, concluindo o diagnóstico de pênfigo eritematoso associado ao vitiligo.

Considerações finais:

Embora algumas doenças autoimunes apresentem algumas características clínicas importantes, o diagnóstico definitivo e assertivo requer o procedimento de biopsia cutânea e exame histopatológico.

A história clínica, padrão de lesões macroscópica são importantes para o patologista veterinário associar com a microscopia.

Todo exame histopatológico cutâneo deve ser avaliado por um dermatopatologista de sua confiança.

A boa comunicação entre dermatólogo/dermatologista e dermatopatologista traz um diagnóstico assertivo e terapia adequada e sucesso ao paciente.

Não é possível firmar que o pênfigo eritematoso foi predisposto devido a despigmentação ocasionada pelo vitiligo e exposição à radiação solar.

As duas dermatopatias requerem cuidados com radiação solar e uso de protetores solares.

Referências bibliográficas:

YASBEK, A.V.B. Vitiligo. In: LARSSON &LUCAS. Tratado de Medicina Externa Dermatologia Veterinária. São Paulo: Interbook,2016, p. 767-776.

MEDLEAU, L.; HNILICA, K. A. Dermatologia de Pequenos Animais – Atlas Colorido e Guia Terapêutico. São Paulo: Roca, p. 291, 2009.

GROSS, T.L. et al. Doença de pele do cão e do gato: Diagnóstico Clínico e Histopatológico. São Paulo: Roca, p. 225-230, 2009.

CRUZ T.P.S. et al., Vitiligo generalizado em canino – Relato de dois. Enciclopedia Biosfera, Goiana, v.13, n.23; p. 1348, 2016.

Dra. Cintia Moraes

Médica Veterinária - UMESP 2008; Residência clínica médica pequenos animais - UniFeob 2009/2011; Pós-graduação em clínica e cirurgia de pequenos animais - UniFeob 2012; Especialização dermatologia veterinária USP (4°CEDV) – 2013; Aprimoramento em imunologia e alergologia – Dermatovercursos; Médica Veterinária dermatóloga autônoma desde 2013. Contato (11) 99273-9883.

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