Veterinário lança plataforma de ensino online de cirurgia

Por Samia Malas

Dr. Marcelo Candido Portilho Gouveia investe no Projeto Cirurgião para ajudar os profissionais que atuam ou se especializam na área

Graduado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), de Cuiabá-MT, Dr. Marcelo Candido Portilho Gouveia possui mestrado em cirurgia de pequenos animais realizado na UNESP, em Jaboticabal-SP, e lançou uma plataforma online para auxiliar veterinários que aspiram em atuar na área de cirurgia, o Projeto Cirurgião. Confira entrevista que fizemos com ele.   

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UTI, Cirurgia e Anestesia em Foco: Há quanto tempo atua na área de cirurgia veterinária? Poderia compartilhar um pouco da sua trajetória profissional na área? Onde atua hoje, em que hospital?

Dr. Marcelo Candido Portilho Gouveia: Atuo há 6 anos. Sou um goiano, bem do interior, da cidade de Piranhas. Minha vida sempre foi mexer com fazenda. Sou apaixonado pela lida no campo. Tanto é que quando chegou o momento de prestar vestibular não havia outra opção que não fosse a Medicina Veterinária. Pois bem, passei no vestibular na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) em Cuiabá. Porém, logo no primeiro semestre da faculdade, entendi que o que eu gosto em fazenda (lida com o gado e tropa) não é um serviço com boa remuneração. Confesso que fiquei até perdido: “Entrei na faculdade de veterinária para mexer com fazenda. Agora vejo que isso não vai dar muito certo financeiramente. O que eu vou fazer agora?” Observando outras áreas da Medicina Veterinária tive a felicidade de ter um professor que fazia cirurgias ortopédicas, o Prof. Roberto Lopes de Souza. Porém, ortopedia e neurocirurgia não são disciplinas obrigatórias do curso de medicina veterinária. Sendo assim, se o aluno de determinada faculdade não tiver um professor que domina essas áreas, ele pode formar e nunca ter contato com esse tipo de cirurgia mais avançada. Desta forma, eu via o Prof. Roberto operando e pensava comigo: “Eu sirvo para fazer isso!”, pois os princípios da ortopedia lembram muito os princípios da carpintaria, o que é coisa de fazenda. Então, fui me fascinando cada vez mais com a possibilidade de fazer o animal voltar a caminhar. Comecei a frequentar congressos e cursos. Fui me dedicando mais e mais. Até que ao final da minha graduação, fui aprovado na residência de clínica cirúrgica de pequenos animais da UNESP, campus de Jaboticabal-SP, principal instituição, referência histórica, na ortopedia e neurocirurgia veterinária do Brasil. A minha aprovação naquela época foi a maior conquista da minha vida até aquele momento. E foram esses 2 anos de residência que mudaram a minha vida para sempre. Foi lá que aprendi a ortopedia e neurocirurgia de ponta e a operar.

Atuo como cirurgião volante e o meu cliente é o médico-veterinário. Faço isso porque estatisticamente a quantidade de cirurgias complexas que aparecem em um único hospital veterinário é baixa. Desta forma, não é financeiramente vantajoso eu ficar fixo em algum hospital. Há vários prós e contras sobre essa forma de trabalhar. O principal ponto a favor é a liberdade. E a principal desvantagem é a exposição diária nas estradas. Viajo 10 mil quilômetros de carro por mês.

UCA: Quais os desafios de quem atua nessa área no Brasil?

Dr. Marcelo: Ingressar no mercado de trabalho. Bater de porta em porta deixando currículo não é a melhor maneira. Isso acontece porque o terror do dono da clínica se chama complicação cirúrgica. Pensa comigo: uma complicação ortopédica, por exemplo, é no mínimo 1 ano de dor de cabeça, desgaste emocional e financeiro. Ninguém quer isso! Portanto, se o veterinário dono da clínica nunca ouviu falar de você, provavelmente ele irá preferir encaminhar o paciente para outro serviço do que dar oportunidade para quem, do nada, bateu na porta da clínica dele se apresentando e se colocando à disposição. Assim, uma indicação vale mais do que o seu currículo. Deixe-me te contar minha história…

Quando ainda estava na residência em cirurgia na UNESP Jaboticabal-SP, já acompanhava o meu amigo Tiago Prada (cirurgião volante há 8 anos). Quando terminei a minha residência e ingressei no mestrado, já tinha disponibilidade de tempo para começar a fazer cirurgias no “mundo real” (sempre digo isso para me referir que o mundo dentro dos muros da universidade não é real, é uma bolha).

Desta forma, quando o meu grande amigo Tiago não tinha disponibilidade para fazer determinadas cirurgias, ele me mandava. Eu chegava na clínica, me apresentava dizendo que o Tiago havia tido um contratempo e me mandou para fazer aquela cirurgia (isso era de propósito, pois muitas vezes quando o Tiago avisava de última hora que não poderia ir e iria me mandar no lugar dele, o dono da clínica preferia cancelar a cirurgia e esperar o dia que o Tiago pudesse, tamanha era a relação de confiança com ele), ninguém me perguntava sobre o meu currículo. Só me mostravam onde era o centro cirúrgico.

Operar as cirurgias que “sobravam” do Tiago era ótimo. Porém, como sou inconformado e sempre quero mais, comecei a bater nas portas das clínicas me apresentando, deixando currículo com tabela de preços e me colocando à disposição. Pouquíssimas clínicas eu conquistei dessa forma. Para mim, a forma mais eficiente para o colega cirurgião se inserir no mercado é através de indicações.

UCA: Para se especializar em Cirurgia Veterinário é preciso realizar que tipo de cursos ou práticas?

Dr. Marcelo: Você sabia que para um médico-veterinário atuar como cirurgião, ao contrário do médico humano, ele não é obrigado a ter uma especialização e/ou título de especialista pelo colégio brasileiro de cirurgia veterinária?

Sendo assim, qualquer médico-veterinário formado que está com o seu CRMV ativo está autorizado a fazer cirurgias. Agora, se ele está capacitado a realizar determinadas cirurgias vai depender da integridade e consciência de cada profissional. Essa capacitação pode ser adquirida em cursos e programas de pós-graduação em cirurgias veterinárias.

UCA: Quais os maiores Congressos da área no Brasil e no mundo?

Dr. Marcelo: No Brasil temos o Congresso Vet em Foco e o Congresso Brasileiro de Cirurgia Veterinária. No mundo temos o Congresso do ACVS (Colégio Americano de Cirurgia) e o World Veterinary Orthopaedic Congress.

UCA: Por que teve a ideia de fundar a plataforma de ensino online para a área de cirurgia? No que esse projeto consiste?

Dr. Marcelo: Tenho consciência de que fui muito privilegiado em ter uma excelente formação cirúrgica aqui no nosso cenário nacional e que a maioria dos colegas veterinários não tem e não terão esse acesso que eu tive! Desta forma, o Projeto Cirurgião nasceu com o objetivo de quebrar as barreiras geográficas do ensino. Através dos vídeos, com excelente qualidade audiovisual, nós conseguimos levar conhecimentos para os quatro cantos do Brasil e, futuramente, do mundo.

No início, uma forte objeção que tínhamos era: “Como vou aprender cirurgia de forma online?”. Hoje essa objeção já foi quebrada por inúmeros depoimentos dos nossos mais de 1.000 alunos.

Eu sei que não é possível formar um cirurgião de forma 100% online (pegar um aluno que nunca operou e transformar ele em um cirurgião). Mas é absolutamente possível elevar o nível dos colegas cirurgiões que já operam.

UCA: Esse conteúdo online da sua plataforma é voltado para estudantes ou veterinário já experientes e atuantes em cirurgia?

Dr. Marcelo: Dentro da nossa plataforma temos todos os níveis de alunos.

Desde os alunos da graduação que já despertaram o interesse pela cirurgia, então nos acompanham para ter mais contato com a nossa rotina de cirurgias reais.

Tem os colegas recém-formados que já fizeram cursos práticos ou pós-graduação em cirurgia e usam a plataforma para tirar dúvidas e se encorajar, pois mostramos na íntegra nossas cirurgias em pacientes reais da nossa rotina. Até colegas cirurgiões que já operam e vêm em busca de aperfeiçoamento de suas técnicas, vendo como fazemos as nossas cirurgias, ouvindo os macetes, pontos de atenção e como lidar com possíveis complicações.

UCA: Como avalia a evolução do mercado de tecnologias desenvolvidas para cirurgia veterinária nos últimos 10 anos? O que mais evoluiu?

Dr. Marcelo: Atualmente, não perdemos em quase nada para a medicina humana.

O que mais evoluiu foi o acesso ao conhecimento, equipamentos e instrumentais. Eu não sou dessa época, mas há poucos anos só faziam osteossíntese com pinos, cerclagem e fixadores externos. Não haviam placas e parafusos no nosso mercado nacional. Atualmente, existem inúmeras empresas de implantes, fora as marcas importadas, que também já são uma realidade na nossa rotina.

UCA: O mercado de trabalho na área é muito concorrido ou ainda há muito espaço para trabalhar e investir?

Dr. Marcelo: O mercado está desesperado por bons profissionais! Sempre haverá espaço para pessoas boas! Acredito que há sim espaço para trabalhar e investir.

Para se destacar não basta só ser bom tecnicamente. Se destaca quem faz o básico bem feito:

-Postura e vestimentas profissionais;

-Dominar técnicas de vendas;

-Demonstrar valor para o cliente;

-Reunir e mostrar provas sociais (exemplo: depoimentos de clientes);

-Estar disponível mesmo que virtualmente para sanar dúvidas e acompanhamento.

Atualmente temos também dentro da plataforma cursos para ajudar no desenvolvimento pessoal do cirurgião, ancorados em 3 pilares:

-Construção de uma mentalidade de alto valor;

– Criação de um posicionamento estratégico;

– E como se vender.

UCA: As cirurgias para animais de estimação têm ficado mais acessíveis aos clínicos e tutores? Que tipos de cirurgias são mais comuns?  Quais ainda são desafios?

Dr. Marcelo: Sim, têm ficado mais acessíveis. Um dos principais motivos é a quantidade de bons profissionais que chegam no mercado anualmente.

As cirurgias mais comuns são as de tecidos moles: castrações (ovário histerectomia, orquiectomia), gastrotomia, enterectomia, cistotomia, uretrostomias, esplenectomia e mastectomia. Na minha rotina, em específico, as principais cirurgias são as osteossínteses (“consertar ossos quebrados”). As mais desafiadoras, se falando de cirurgias ortopédicas, são as osteossínteses de úmero distal e acetábulo.

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