Inteligência emocional canina: o que sabemos sobre ela?

Por Samia Malas

Consultores apontam como é possível ter um animal emocionalmente equilibrado

Muitos entendem que garantindo a saúde física do animal, com check-ups regulares no médico-veterinário, eles terão um cão 100% saudável. Contudo, muitos esquecem que o lado emocional, cognitivo e social do pet também precisa ser desenvolvido para que o animal não tenha problemas como falta de confiança, ansiedade, depressão, compulsões, entre muitas outras desordens de origem emocional. Assim, a inteligência emocional do cão não pode ser deixada de lado na criação e manejo do pet.

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Segundo a médica-veterinária Ceres Berger Faraco, de Porto Alegre, diretora científica e professora do Instituto de Saúde e Psicologia Animal e presidente da Associação Latinoamericana de Zoopsiquiatria (AVLZ), a inteligência emocional do cão expressa a forma com que ele identifica as suas próprias emoções e de outros cães ou humanos. “Um exemplo é sua habilidade para entender e interpretar o que as pessoas sentem, e reagir de acordo. Para isso, utilizam processos cognitivos ao assimilar, perceber, entender, regular as próprias emoções e ajustar com as dos outros ao comunicar-se”, explica. “Cabe lembrar que a espécie canina tem uma organização social sofisticada, é gregária por natureza, o que a faz necessitar da vida social com as pessoas e os da mesma espécie. Além disso, sofreu uma pressão evolutiva ao conviver, provavelmente, por mais de 35.000 anos de forma íntima com os humanos, ampliando suas capacidades perceptivas e comunicativas”, ressalta.

Joyce Magalhães, de Teresina, médica-veterinária da clínica Bichos e Mimos, explica que a inteligência emocional é crucial no desenvolvimento dos cães. “É através dela que eles constroem suas experiências. A referência mais antiga sobre inteligência emocional foi feita por Charles Darwin, que destaca a importância da expressão emocional para a sobrevivência e adaptação ao meio”, ressalta Joyce, que é idealizadora do projeto “Cápsulas de amor”, que consiste no tratamento da saúde emocional de pacientes assistidos através do toque, musicoterapia e contação de histórias.

Como desenvolvê-la?

Joyce explica que cães têm a capacidade de reconhecer suas próprias emoções (autoconsciência) para controlar seus estados de ânimo (autorregulação), tomar uma atitude (motivação), entender as emoções de quem os rodeia (empatia) e construir relações sociais. “Por esse motivo, o comportamento do tutor, das pessoas que moram com o animal ou ambientes inadequados podem provocar ansiedade, estresse e depressão. A saúde emocional de um cão depende do lazer, da atenção que o tutor dá às características e necessidades dele”, enfatiza. “Obrigatoriamente, os animais devem receber estímulos físicos, sociais, sensoriais, cognitivos, entre outros”, completa.

A inteligência emocional canina, segundo Ceres, está ligada à mesma estrutura cerebral que nós, humanos, temos, chamada de sistema límbico, que controla as respostas aos estímulos, provocando alterações orgânicas nervosas e hormonais. “É um conjunto de conexões entre órgãos responsáveis pela memória, medo, estresse, instinto sexual, personalidade, comportamento entre outros”, explica. Portanto, para que seu cão desenvolva tais capacidades, Ceres diz ser preciso seguir as diretrizes preconizadas pela Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais. “Tais princípios garantem que os cães tenham qualidade de vida e suas necessidades espécie-específicas atendidas. Com isso, são ofertadas as condições necessárias para que a saúde emocional esteja equilibrada e o cão possa crescer estruturado e seguro para enfrentamento dos desafios da vida diária”, comenta. Algumas recomendações são:

1.Dieta de qualidade: deve suprir as necessidades fisiológicas e comportamentais do cão, evitando sobrepeso, obesidade e desnutrição.

2.Ambiente adequado: com proteção, conforto e acesso regular a locais para eliminação dos dejetos, além de oferecer a possibilidade de movimento e exercício em instalações higiênicas.

3.Convivência com outros cães: a vida em grupos sociais caninos é essencial para os cães. Além disso, a convivência do filhote com a mãe e irmãos deve ser respeitada até pelo menos 8 semanas de vida.

4.Proteção: ele deve estar livre de dor, sofrimento, trauma e doenças.

5.Ser cão: deve ser permitido que ele expresse padrões normais de comportamento da espécie.

Sociabilização sempre

Novamente, a necessidade de sociabilizar os cães é uma das dicas mais importantes para que ele tenha sua inteligência emocional bem estruturada. “Cães precisam ser socializados de maneira correta, sendo apresentados a barulhos de diferentes intensidades, outras pessoas e animais. Isso vai ajudá-los a diminuir o medo e a ansiedade. Se não souber por onde começar, a ajuda profissional é sempre bem-vinda”, aconselha Joyce.

Até os 5 meses de idade, cães devem ter contato com o maior número de estímulos, sons, pessoas e situações para que não se torne um cão ansioso e estressado. “Ofereça enriquecimento ambiental enquanto ele estiver sozinho em casa (brinquedos, maneiras diferentes de ofertar comida, entre outros). Momentos de lazer e diversão são indispensáveis, assim como atenção e carinho”, ensina Joyce, que faz um alerta: “É importante não confundir amor, carinho e atenção com deixar o cão fazer o que quiser. Assim como as crianças, os cães precisam ser educados e ter limites. Mas nunca utilize agressão física como punição, isso pode reforçar a agressividade ou acabar tornando o animal estressado, causando sofrimento emocional”.

E os cães mais velhos?

Ceres destaca que até os animais mais velhos podem ter sua inteligência emocional desenvolvida, embora o processo talvez seja mais lento nessa faixa etária. “A menos que o animal tenha alguma doença específica, sua cognição está preservada. Os métodos utilizados são idênticos aos das demais idades: habituação, associações positivas, entre outras. O importante é que os tutores tenham paciência para que possam excluir padrões de comportamento já estabelecidos e adotar novas estratégias. Sempre é bom lembrar que punições não devem ser utilizadas”, afirma.

Causas de problemas

As maiores causas de problemas emocionais em cães, segundo Ceres, são: ambiente conflitivo entre pessoas ou entre cães, local inadequado, punições, atitudes inconsistentes e contraditórias em relação ao que o cão pode ou não fazer, falha na sociabilidade, isolamento, negligência nos cuidados de saúde e monotonia. “Por consequência, o animal ficará inseguro, ansioso, potencialmente agressivo e vulnerável a doenças orgânicas”, diz. Joyce concorda, e ressalta que a falta de consistência dos tutores deixa os pets confusos, inseguros e atrapalha o convívio familiar. “O que for consentido uma vez deverá ser consentido sempre. E o que não é permitido não deverá ser permitido nunca”, ensina.

Sinais de alerta

Segundo Joyce, se o cão começar a latir demais, demonstrar inquietação, comportamentos destrutivos quando é deixado sozinho em casa, perda de apetite, não dormir direito ou dormir em excesso, cuidado! Investigue as possíveis causas desses comportamentos. “A Medicina Veterinária Integrativa tem ajudado no tratamento de doenças emocionais, ela acalma e estimula a sensação de bem-estar”, aponta Joyce, que há 2 anos tem aplicado técnicas como reiki, musicoterapia, aromaterapia, florais quânticos, colinho, carinho e passeios no jardim em animais em ambiente hospitalar, e tem obtido resultados muito positivos. “Tudo isso faz com que eles melhorem mais rápido, pois se sentem acolhidos, calmos e felizes, liberando hormônios que desencadeiam a sensação de bem-estar. O tempo de internação acaba sendo uma experiência prazerosa e o cão fica menos tempo internado. Além disso, mesmo após um longo período de internação, os cães ficam felizes em retornar à clínica, o que é muito gratificante”, finaliza.

O que a Ciência sabe sobre o assunto?

Inúmeros estudos tentam compreender a inteligência emocional ou social, que alguns denominam de habilidades sociocognitivas, explica a médica-veterinária Ceres Berger Faraco. “Nas últimas duas ou três décadas surgiram muitas pesquisas com foco em comunicação e cognição dos cães. Dentre vários fatores que culminaram nesse interesse estão o reconhecimento da intensa sociabilidade canina e o vínculo diário estabelecido entre pessoas e cães. Foi consequência a necessidade de entender melhor essa relação e como se estabelece o intercâmbio afetivo entre as duas espécies”, conta.

A seguir, Ceres destaca alguns temas de pesquisa que comprovam aptidões únicas dos cães e resultam de estudos científicos robustos:

– vida social canina pode ocorrer em grupos de espécies mistas;

– comunicação complexa que ocorre entre cães e outras espécies;

– caninos têm competência em extrair informações de experiências sociais;

– aptidão dos cães em integrar informações do ambiente e situações sociais vividas para planejar o comportamento;

– leitura de pistas sociais humanas.

Ceres Berger Faraco

Diretora científica e professora do Instituto de Saúde e Psicologia Animal e presidente da Associação Latinoamericana de Zoopsiquiatria (AVLZ).

Joyce Magalhães

Médica-veterinária da clínica Bichos e Mimos.

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