Trombocitopenia imunomediada em cães: distúrbio que merece maior atenção

Por Kelly Cristina Teixeira, Fernanda Leme S. B. Varzim

Trombocitopenia imunomediada em cães: distúrbio que merece maior atenção

Resumo

As plaquetas, ou trombócitos, são pequenos fragmentos citoplasmáticos originados de megacariócitos que possuem funções essenciais para manutenção da hemostasia. Distúrbios que levam a trombocitopenia (diminuição plaquetária) podem estar relacionados a diversos fatores, dentre estes, a Trombocitopenia Imunomediada (TIM) relacionada a destruição acelerada das plaquetas, podendo ser primária/idiopática ou secundária quando decorrente de outras afecções. Acredita-se que a TIM seja a maior causadora de trombocitopenia na rotina clínica de cães, por este motivo faz-se necessário entender cada vez mais sobre sua etiologia, diagnóstico e tratamento.

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Palavras chave: imunomediada, plaquetas, TIM, trombocitopenia.

Abstract

Platelets, or thrombocytes, are small cytoplasmic fragments originating from megakaryocytes that have essential functions for maintaining hemostasis. Disorders that lead to thrombocytopenia (platelet decrease) may be related to several factors, including Immunomediated Thrombocytopenia (TIM) related to accelerated platelet destruction, which may be primary/idiopathic or secondary when due to other conditions. It is believed that TIM is the major cause of thrombocytopenia in the clinical routine of dogs, for this reason it is necessary to understand more and more about its etiology, diagnosis and treatment.

Keywords: platelets, TIM, thrombocytopenia.

Introdução

As plaquetas, ou trombócitos, são pequenos fragmentos celulares provenientes da esfoliação do citoplasma dos megacariócitos na medula óssea (REBAR et al., 2003), que possuem forma discoide e várias organelas citosólicas em seu interior (TRHALL et al., 2015). Grande parte está localizada na corrente sanguínea, mais especificamente na periferia dos vasos (KAJIHARA et al., 2007), e o restante armazenada no baço, (CASTRO et. al., 2006).

A produção plaquetária ocorre por estímulo da trombopoietina, hormônio que regula o desenvolvimento dos megacariócitos a partir de células pluripotenciais, porém, sua fonte ainda é incerta, supondo ser originária do fígado, fibroblastos ou endotélio vascular (REBAR et al., 2003). As plaquetas possuem vida média de cinco a dez dias podendo variar entre as espécies, são retiradas da circulação por consumo ou por macrófagos no fígado e baço (STOCKHAM; SCOTT, 2011).

Exercem funções essenciais no processo de hemostasia, como: manutenção da integridade vascular, através de tampão plaquetário e reparação pequenos danos; auxílio na cicatrização endotelial, estimulando a migração de células para produção de músculo liso; favorecem a coagulação e formação de fibrina; e, além disso, atuam na inflamação liberando substâncias vasoativas capazes de controlar a função dos neutrófilos (REBAR et al., 2003).

A trombocitopenia é um distúrbio hematológico caracterizado pela diminuição acentuada no número de plaquetas circulantes, desde que agregados plaquetários estejam ausentes (STOCKHAM; SCOTT, 2011). O valor de referência para cães é de 200.000 a 600.000 ul, valores abaixo da referência indicam trombocitopenia (REBAR et al., 2003), que pode ter como causa a distribuição anormal (maior parte das plaquetas concentrada no baço), produção diminuída (mielossupressão), drogas (agentes quimioterápicos, antimetabólitos, alguns antibióticos e estrógeno excessivo por exemplo), infecções (erlichiose, parvovirose, vírus da imunodeficiência felina e  septicemias) e por fim a causa imunomediada (que pode ser primária ou secundária a outras afecções) (STOCKHAM; SCOTT, 2011).

A Trombocitopenia Imunomediada (TIM) é uma causa comum de acentuada diminuição plaquetária, onde anticorpos ligam-se às plaquetas ocasionando destruição severa pelos macrófagos. Pode ser classificada em primária, destruição idiopática, ou secundária quando induzida por outra afecção. Os sinais clínicos frequentemente observados são petéquias, hematomas, sangramento em cavidade oral, epistaxe e melena. O diagnóstico é feito através do hemograma, com baixo número de plaquetas, onde deverá ser excluido doenças que possam levar à essa condição, testes específicos para identificação de anticorpos antiplaquetários na circulação também podem ser realizados. A terapia baseia-se na imunossupressão e o prognóstico varia de bom à reservado (BRITES, 2007).

Sendo assim, este trabalho visa elucidar a Trombocitopenia Imunomediada, a fim de auxiliar o diagnóstico precoce desta doença e seu tratamento, a fim de melhorar a qualidade de vida dos animais acometidos.

Revisão de literatura

A Trombocitopenia Imunomediada (TIM) refere-se a destruição acentuada das plaquetas (BRITES, 2007), que segundo Slauson (2002) ocorre devido a uma resposta de hipersensibilidade tipo II, onde as plaquetas ou megacariócitos são envoltos por anticorpos (IgM ou IgG) desencadeando o complexo de ataque à membrana da via terminal do complemento (lise intravascular), ou sofrem opsonização por IgG e complemento, seguida da fagocitose pelos macrófagos do sistema mononuclear fagocitário no fígado e baço (lise extravascular).

A TIM é classificada como primária quando descartadas outras afecções ou condições que levam a trombocitopenia, portanto, a destruição plaquetária ocorre por autoanticorpos que se ligam a membrana das plaquetas, marcando-as para serem fagocitadas. A formação dos autoanticorpos ainda não é totalmente esclarecida, acredita-se que um desequilíbrio imunológico pode desencadear a união do anticorpo a um determinante estrutural da membrana da plaqueta, causando trombólise (SIMÕES, 2008). Cães das raças Cocker Spaniel, Old English Sheepdog, Poodle Toy e Pastor Alemão são predispostos a desenvolver TIM primária (LEONEL et al., 2008). Há uma maior prevalência em fêmeas de meia idade, em torno de 6 a 7 anos (SIMOES, 2008), porém, animais de qualquer idade, raça e sexo podem ser acometidos (BRITES, 2007).

A Trombocitopenia Imunomediada secundária é a mais frequente causa de trombocitopenia  em cães e está associada a uma doença ou condição base, dentre as quais: doenças infecciosas como erlichiose, anaplasmose, leishmaniose, fiv, felv, febre maculosa, histoplasmose, cinomose, babesiose; neoplasias hematológicas, multissistêmicas ou metastáticas; doença autoimune, como anemia hemolítica imunomediada, pênfigo, lúpus eritematoso e artrite reumatóide (REBAR et al., 2003); transfusões sanguíneas; vacinação e até mesmo administração de fármacos são citadas como possíveis causas (SIMÕES, 2008).

Sendo assim, a fagocitose das plaquetas ocorre por estímulo de anticorpo exógeno (BRITES, 2007), podendo acontecer, segundo Stockham e Scott (2011), por fatores como: deposição de imunocomplexos na membrana plaquetária, ligação de anticorpos a um agente infeccioso que está aderido à membrana da plaqueta, exposição de antígenos ocultos na membrana pelo microrganismo infectante, por reação cruzada de anticorpos ou ainda pela produção de autoanticorpos induzidos por bactérias. Portanto, a TIM secundária, não possui predisposição racial, de gênero ou idade (SIMÕES, 2008).

Animais acometidos pela TIM, seja ela primária ou secundária, podem ser assintomáticos, sendo a trombocitopenia um achado no hemograma, no entanto, os principais sinais clínicos apresentados incluem petéquias, equimoses e púrpuras (principalmente em região abdominal, parte interna dos membros e mucosas), epistaxe, hemorragias gastrointestinais (hematêmese e melena), hematúria, sangramento gengival, vaginal ou ocular, anorexia, letargia e fraqueza. Quando a TIM for secundária, além dos sinais clássicos da trombocitopenia, a sintomatologia da doença ou condição base também estará presente (BRITES, 2007). 

O diagnóstico da Trombocitopenia Imunomediada primária é feito por exclusão, primeiramente descartando a pseudotrombocitopenia (agregados plaquetários) que causa falsa diminuição na contagem das plaquetas, e posteriormente eliminando outras afecções, fármacos, neoplasias, vacinas entre outros já citados que possam levar a esse quadro. No hemograma, quando a trombocitopenia for isolada, sem nenhuma causa de base, associada aos sinais clínicos e histórico, o diagnóstico pode ser definido como TIM primária. Outros testes que detectam anticorpos antiplaquetários na circulação podem ser realizados, porém não são comumente realizados.

Para a TIM secundária, a identificação da doença/condição base é a chave para o diagnóstico, sendo o histórico, exame físico, sintomatologia e exames complementares cruciais para direcionar a possível causa de trombocitopenia. Sorologia e reação em cadeia polimerase (PCR) para detecção de hemoparasitoses são os principais exames que auxiliam no diagnóstico de TIM secundária, já que a maioria dos casos desse distúrbio estão relacionados com microrganismos do tipo riquétsia (REBAR et al., 2003).

A terapia da TIM depende da sua classificação, no entanto, em ambas, fármacos antiplaquetas ou que possam contribuir com a trombocitopenia devem ser evitados, além disso, traumas (incluindo injeções, IV ou IM) também devem ser minimizados. Na TIM primária o tratamento baseia-se na imunossupressão com corticosteróides a fim de reduzir a destruição acelerada das plaquetas pelos macrófagos até que o paciente consiga remissão espontânea. Alguns animais precisam de terapia prolongada para atingir uma quantidade plaquetária mínima do valor de referência e em muitos casos há recidivas constantes, portanto, a resposta de cada animal a terapia é inesperada (BRITES, 2007).

Já a terapêutica da TIM secundária consiste na eliminação ou controle da doença inicial e o tratamento suporte é fundamental para que o animal seja capaz de responder a produção plaquetária adequada (SIMÕES, 2008). O prognóstico da TIM primária/secundária pode variar de bom a reservado dependendo do quadro do animal e cerca de 20% dos casos podem evoluir para óbito por hemorragia, por este motivo devemos conhecer e explorar a TIM para seu diagnóstico e tratamento precoce (BRITES, 2007).

Considerações finais

A Trombocitopenia Imunomediada é um distúrbio comum na rotina clínica veterinária e seu diagnóstico torna-se complexo, pois pode acontecer sem causa prévia aparente (primária) ou precedida por outra afecção (secundária), sendo necessária maior atenção para que seja esclarecida sua etiologia.

Apesar do prognóstico variar de bom a reservado, esse transtorno hematológico merece maior atenção, uma vez que pode progredir para casos graves de hemorragia, portanto, conhecer as causas de trombocitopenia, principalmente a TIM, auxilia para um diagnóstico mais rápido e preciso, sendo possível estipular terapia adequada para melhor qualidade de vida dos animais acometidos.

Referências

BRITES, M. G. Trombocitopenia Imunomediada em cães – revisão bibliográfica e relato de casos. 2007. 31 f. Monografia (Pós graduação em análises clínicas). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande de Sul. Porto Alegre, 2007. Disponível em: < https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13361 > Acesso em: 04 jun.

CASTRO, C. H.; FERREIRA, B. L. A.; NAGASHIMA, T.; SCHUELER, A.; RUEFF, C.; CAMISASCA, D.; MOREIRA, G.; SCOVINO, G.; BORGES, L.; LEAL, M.; FILGUEIRA, M.; PASCHOAL, P.; BERNARDO, V.; BOURGUINHON, S.; RODRIGUES, C. R.; SANTOS, D. O. Plaquetas: ainda um alvo terapêutico. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 42, n. 5, p. 321-332, 2006. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/jbpml/v42n5/a04v42n5.pdf > Acesso em: 04 jun.

KAJIHARA, M.; OKAZAKI, Y.; KATO, S.; ISHII, H.; KAWAKAMI, Y.; IKEDA, Y.; KUWANA, M. Evaluation of platelet kinetics in patient with liver cirrhosis: similarity to idiopathic thrombocytopenia purpura. Journal of Gastroenterology and Hepatology; v. 22, p. 112-118, 2007. Disponível em: < https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17201890 > Acesso em: 04 jun.

LEONEL, R. A. B.; MATSUNO, R. M. J.; SANTOS, W.; VERONEZI, A. H. M.; COSTA, D. R.; SACCO, S. R. Trombocitopenia em animais domésticos. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária. Garça, v. 6, n. 11, p. 1-5, 2008. Disponível em: < http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/oc5RswoW2RbN0EJ_2013-6-13-15-14-1.pdf > Acesso em: 04 jun.

REBAR, A. H.; MACWILLIAMS, P. S.; FELDMAN, B. F.; METZGER, F. L.; POLLOCK, R. V. H.; ROCHE, J. Guia de Hematologia para cães e gatos. 1ª edição. São Paulo: Roca, 2003.

SIMÕES, C. I. C. P. M. Trombocitopenia Imuno-mediada na clínica de animais de companhia. 2008, 121 f. Tese (Mestrado). Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa, 2008.  Disponível em: < https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/1493 > Acesso em: 04 jun.

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STOCKHAM, S. L.; SCOTT, M. A. Fundamentos de Patologia Clínica Veterinária. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

TRHALL, M. A.; WEISER, G.; ALLISON, R. W.; CAMPBELL, T. W. Hematologia e Bioquímica Clínica Veterinária. 2ª edição. São Paulo: Roca, 2015. cap 16. p 414-430.

Kelly Cristina Teixeira

Médica-veterinária graduada pela Fundação de Ensino Octávio Bastos - UNIFEOB em 2018. Pós-graduação latu-sensu em Propedêutica Complementar, no programa de aprimoramento veterinário da Fundação de Ensino Octávio Bastos - UNIFEOB (2019-cursando). Pós-graduanda em Propedêutica Complementar do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos, UNIFEOB, São João da Boa Vista/SP. Área de atuação: medicina veterinária diagnóstica. (35) 991866263, [email protected]

Fernanda Leme S. B. Varzim

Mestre em Parasitologia pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Docente de Patologia Clínica do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos, UNIFEOB, São João da Boa Vista/SP. Área de atuação: Patologia Clínica.

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