Suspeita de dermatofitose em porquinho-da-índia

Por Camila Corrêa Nassar, Cristina Fotin e Luís Alberto Balangio

Suspeita de dermatofitose em porquinho-da-índia

Esses animais apresentam comumente lesões dermatológicas geralmente decorrentes de erro de manejo nutricional

RESUMO

Porquinhos-da-índia apresentam comumente lesões dermatológicas geralmente decorrentes de erro de manejo nutricional porhipovitaminose C ou por queda da imunidade por superpopulação. Podem ser portadores assintomáticos do agente fúngico tornando-se um foco potencial de infecção. Deste modo, foi objetivo deste estudo relatar um caso de porquinho-da-índia macho, que apresentou estágioinicial alopecia do focinho, descamação e eritema locais, sendo descartada a possibilidade de ectoparasitas por meio de microscopia direta de raspado cutâneo. Após coleta de material para cultura fúngica que deu resultado negativo, foi instituído tratamento de creme à base de cetaconazol e como não houve a remissão completa do quadro houve a troca pelotalco à base de miconazol (Vodol®) acompanhada a evolução do quadro com remissão completa dasmanifestações cutâneas.

Palavras-chave: Dermatofitose, roedores, porquinho-da-índia, Doença dermatológica.

{PAYWALL_INICIO}

Figura 1 – Porquinho-da-índia (Cavia porcellus) com lesão em focinho. Foto arquivo pessoal 2019

 

1. Introdução

Segundo Coutinho (2017) e Marshall (2003), existem aproximadamente cem mil fungos conhecidos, dos quais cem são patogênicos para animais e homem. Os animais domésticos podem servir como reservatórios de zoonoses sendo que grande parte das infecções fúngicas da pele em humanos podem ser de origem animal.

Os fungos estão espalhados mundialmente, animais e humanos com ambos os sexos acometidos (Coutinho, 2017).

Os porquinhos-da-índia são suscetíveis a Trichophyton mentagrophytes, Microsporum audouinii, M. canis e M. gypseum. As lesões são ovais a irregulares e os pelos se destacam facilmente com áreas alopécicas e com bordas eritematosas elevadas.

A dermatofitose é facilmente transmitida por contato direto com fungos e esporos nos pelos, roupas e cama, solo e fômites. Fatores estressores como superlotação, nutrição e manejo inadequado predispõe ao aparecimento de fungos (Quinton, 2005; Canny e Gamble, 2003; Richardson, 2000).

O diagnóstico é feito exame de raspagem ou cultura fúngica (Coutinho, 2017; Teixeira, 2017).

Este trabalho foi realizado para auxiliar médicos veterinários a reconhecer as manifestações clínicas de dermatofitoses, elaborar diagnósticos diferenciais, diagnosticar e auxiliar no tratamento antifúngico em pequenos mamíferos de estimação, como porquinhos-da-índia e roedores.

2 DESENVOLVIMENTO

Passa-se a desenvolver o trabalho em três subtítulos.

2.1 Dermatofitoses

As dermatofitoses são comuns em chinchilas, coelhos, porquinhos-da-índia e em pequenos roedores (Marshall, 2003). São lesões de pele causadas por três gêneros de fungos: Microsporum sp, Trichophyton sp e Epidermophyton sp sendo que as espécies desses gêneros são queratinofílicas e causam doenças também conhecidas como dermatófitose ou popularmente como micose (Coutinho, 2017).

As principais características observadas são seborreia, alopecia de região nasal, extremidades, cauda, crostas esbranquiçadas, prurido variável, deformidade de orelha. O animal pode ser portador por muito tempo sem apresentar sinais clínicos. É recomendado o uso de luvas ao manipular o animal (Coutinho, 2017; Teixeira, 2017; Paterson, 2006; Canny e Gamble, 2003; Richardson, 2000).

Os fungos invadem estruturas queratinizadas do estrato córneo como a pele, pelos, unhas, cascos e até mesmo chifres não penetrando na pele (Coutinho, 2017; Canny e Gamble, 2003; Marshall, 2003). Os dermatófitos liberam enzimas proteolíticas que induzem respostas inflamatórias e resultam em sinais clínicos típicos de eritema, prurido, crosta, descamação e alopecia (Coutinho, 2017; Marshall, 2003). Micose é comum em pacientes pediátricos e geriátricos devido à diminuição da imunidade do hospedeiro (Marshall, 2003).

Os fungos usam queratinases para invadir o pelo desde o final até ao bulbo capilar. A invasão ocorre em pelos na fase de crescimento e é interrompido quando os pelos entram na fase telógena. Nesse momento a produção de queratina diminui e pode até parar. O crescimento de fungos também cessa porque o dermatófito requer crescimento ativo do pelo para sobreviver (Marshall, 2003). Os pelos, quando tracionados, se destacam facilmente (Coutinho, 2017).

A produção de substâncias causadas pelos fungos pode resultar em respostas alérgicas e eczematosas ao hospedeiro. Estudos experimentais demonstraram imunidade adquirida à infecção, pois células linfoides de memória que permanecem na pele após a infecção por micose iniciam uma resposta rápida que leva a um aumento da taxa de eliminação de fungos durante a reinfecção. Uma vez o tratamento realizado de forma efetiva, os pelos voltam a crescer normalmente (Quinton, 2005; Canny e Gamble, 2003; Marshall, 2003; Richardson, 2000).

2.2 Diagnóstico

Pode-se realizar o exame direto de elementos com uma lâmpada de Wood que produz fluorescência esverdeada para Microsporum canis.  M. gypseum raramente é visualizado e Trichophyton mentagrophytes não fluoresce (Coutinho, 2017; Teixeira, 2017; Lane, 2003; Pereira, 2002).

A cultura fúngica é essencial para identificar o dermatófito específico e obter o diagnóstico mais confiável. O meio de teste para dermatófitos (DTM) é frequentemente usado para cultivar organismos a partir de pelos (Lane, 2003; Marshall, 2003). O DTM é um ágar de dextrose de Sabourad com compostos antifúngicos e antibacterianos (ciclo-heximida, gentamicina e clortetraciclina).

No corte histológico das lesões é mostrado uma hiperqueratose e infiltrado mononuclear na derme (Percy e Barthold, 2007; Pereira, 2002).

Nem sempre os resultados negativos da cultura fúngica comprovam a inexistência do fungo (Zanardi et al., 2008). O PCR foi altamente suficiente para diagnóstico de dermatofitose em comparação de microscopia direta e cultura fúngica (Gomes et al., 2012; Uchida et al., 2009).

Os diagnósticos diferenciais são: infestações por ectoparasitas (ácaros e piolhos) que podem ser visualizados macroscopicamente no exame de raspagem no microscópio, muda da pelagem ou autotraumatismo por ordem comportamental (Pereira, 2002).

O porquinho-da-índia pode ter ulcerações por leishmaniose tegumentar (Leishmania enrietti) que não tem potencial zoonótico e pode ser confundido com neoplasia (Teixeira, 2017; Richardson, 2000).

Durante o período gestacional as fêmeas podem ter áreas de alopecia. E em fêmeas idosas podem surgir áreas alopécicas bilateralmente geralmente associadas com cistos ovarianos que somente com a ovariohisterectomia cessariam os sintomas (Richardson, 2000).

2.3 Tratamento

A griseofulvina é o tratamento mais comum, podendo usar 15 a 25 mg/kg BID  ou 50 mg/kg SID  por via oral por quatorze a trinta dias. Mas é contra indicada para animais gestantes por ser tetatogênico (Teixeira, 2017; Quesenberry e Carpenter, 2012; Quinton, 2005; Canny e Gamble, 2003; Marshall, 2003; Richardson, 2003; Richardson, 2000).

O Lufenuron (Program ®) é indicado por VO  na dose de 80-100mg/kg durante três dias consecutivos e em seguida, com intervalos de quinze dias. Segundo Quinton (2005), a forma injetável foi igualmente efetiva e tolerada repetindo a injeção um mês depois com a mesma posologia. É interessante associar com aplicações locais de enilconazol (solução a 0,2% em intervalos de quatro dias).

Shampoos com propriedade antifúngica para gatos são seguros para porquinhos-da-índia. O miconazol tópico pode ser aplicado diariamente por duas a quatro semanas (Marshall, 2003).

Segundo Carpenter (2010), os antifúngicos que podem ser usados por VO são cetoconazol, itraconazol e griseofulvina.

O cetoconazol foi testado, mas os resultados não foram favoráveis, podendo correr risco de intoxicação e idiossincrasias (Teixeira, 2017).

Há vários tipos de tratamento para dermatofitoses por meio de antifúngicos e pomadas tópicas. O nitrato de omoconazol a 1% ou mais inibiu o crescimento de dermatófitos (Marshall, 2003).

A amorolfina é um antifúngico tópico que inibe o crescimento de células fúngicas e possui atividade fungicida limitada (Marshall, 2003).

3 RELATO DE CASO

Um porquinho-da-índia macho com três meses de idade, pesando quatrocentos e cinquenta e uma gramas, com escore corporal magro foi adquirido nove dias antes de ser apresentado para consulta veterinária, via comércio eletrônico. Segundo a anamnese, o animal apresentava uma evolução alopécica de caráter eritematoso, circular, descamante e não pruriginosa em região de plano nasal rostral (Figura 1).

Após avaliação, foi realizado raspado de pele e analisado em microscopia direta, apresentando resultado negativo para presença de ácaros. Foram coletados pelos da região da borda da lesão, assim como material do raspado de pele, para envio para cultura fúngica (Anexo A). Foi orientado manejo nutricional à base de feno, ração comercial e verduras durante a consulta.

Foi prescrito o uso de cetaconazol creme SID por vinte dias. O tutor retornou em sete dias quando apresentou melhora da lesão inicial, porém, houve surgimento de outra área alopécica circular, descamante, em região cervical lateral.

Neste momento foi suspenso o uso de cetaconazol creme e instituído talco à base de miconazol pó (Vodol ®) a ser aplicado em toda a pelagem diariamente durante quinze dias. Ao retorno, foi observado a remissão completa das lesões com surgimento de pelos em crescimento e sem presença de descamação.

A cultura fúngica não indicou crescimento de fungos e pode ser vista no Anexo

Anexo A – Resultado de cultura fúngica

4 DISCUSSÃO

Com o aumento da aquisição de porquinhos-da-índia como animal de estimação, se faz cada vez mais necessário mais publicações para conhecimento de médicos veterinários e tutores sobre os hábitos desses animais, manejo, nutrição, principais doenças e prevenção.

O animal já foi adquirido com a lesão, com escore corporal magro havendo a suspeita que a instalação de lesão fúngica poderia estar relacionada a uma imunossupressão em decorrente a um manejo nutricional inadequado com hipovitaminose C, assim com a outros erros de manejo como, por exemplo, o manejo higiênico, que não puderam ser confirmados, uma vez que o animal foi proveniente de uma transação comercial eletrônica, onde não se pode observar o animal previamente à aquisição.

Outros fatores predisponentes seria a idade do animal sendo mais comum em filhotes e idosos, superlotação, stress, uso prologado de cortisona e qualquer outra situação onde haja um declínio do sistema imune.

Durante a consulta foi realizado cuidadosamente o raspado de pele para avaliação microscópica direta e a coleta para o exame de cultura fúngica. Foi instituído o tratamento sem a confirmação do diagnóstico pois as lesões eram bem sugestivas de dermatofitose e visando a prevenção do potencial zoonótico da doença, descartando a presença de ácaros.  O animal apresentou melhora e remissão do quadro mesmo antes do resultado negativo da cultura, o diagnóstico foi presuntivo e medicamentoso.

O tratamento baseado no uso de talco surtiu maior efeito, pois abrangeu o corpo do animal como um todo, resultando em um resultado mais eficaz e evitando o uso de medicamentos por VO que poderiam apresentar efeitos colaterais. Podemos observar a diferença de resultados entre a pomada de cetoconazol e o talco com miconazol pó (Vodol ®).

5 CONCLUSÃO

Os proprietários de roedores deveriam buscar um veterinário especializado no atendimento em animais silvestres e exóticos uma vez que eles são adquiridos em lojas especializadas e por particulares, nem sempre o criador ou o estabelecimento indica o manejo correto do animal. É de suma importância obter mais informações sobre alimentação, hábitos da espécie adquirida devido a diversidade dos animais, manejo e cuidados especiais para os seus animais de estimação podendo lhe fornecer um melhor bem estar e uma qualidade de vida saudável.

Em relação ao diagnóstico e ao tratamento da dermatofitose neste caso, pode-se deduzir que uma suspeita diagnóstica pode ser tratada, mesmo antes de um diagnóstico definitivo, podendo-se evitar uma infecção dos tutores com doença zoonótica além do agravamento do quadro. Conclui-se também que a utilização do tratamento à base de talco com miconazol alcançou uma região maior do animal do que a pomada e obteve um resultado eficaz no animal como um todo. O animal não obteve efeitos colaterais e apresentou a remissão total do quadro.

SUSPECTED DERMATOPHYTOSIS IN GUINEA PIGS: a case report

ABSTRACT

Guinea pigs easily have dermatological lesions usually from mismanagement or nutrition due to lack of vitamin C, age or decreased immunity by overcrowding. They may be asymptomatic carriers of the fungal agent becoming a potential focus of infection. Thus, the objective of this study was to report a case of a male guinea pig who initially presented local muzzle alopecia, scaling and erythema. The possibility of ectoparasites by direct scraping microscopy was ruled out. After collection of material for fungal culture that gave a negative result, treatment with a cream based on ketaconazole was instituted and as there was no complete remission of the condition there was an exchange for talc based on miconazole (Vodol®) accompanied by the evolution of the condition with remission cutaneous manifestations.

Key words: Dermatophytosis, rodents, Guinea pig, Mycoses, Skin disease.

REFERÊNCIAS

Carpenter, J. W. Formulário de animais exóticos. 3. ed. São Paulo: Editora Medvet, 2010.

Canny, C. J.; Gamble C. S. Fungal diseases of rabbits. Veterinary Clinics Exotic Animal Practice, v. 6, n. 2, p. 429–433, May 2003. 

Coutinho, S. D. Dermatofitoses. In: Cubas, Z. S; Silva, J. C.R; Catão-Dias, J. L. (eds.). Tratado de animais selvagens. 2. ed. v. 2. São Paulo: Roca, 2017; cap. 71; p. 1.412-1.418.

Gomes, A. R.; Madrid, I. M.; Matos, C. B.; Telles, A. J.; Waller, S. B.; Nobre, M. O. N.; Araújo, M. C. A. Dermatopatias fúngicas: aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos. Acta Veterinária Brasílica, v. 6, n.4, p. 272-284, 2012.

Lane, R. F. Diagnostic testing for fungal diseases. Veterinary Clinics Exotic Animal Practice, v. 6, n. 2, p. 301-14, May 2003.

Marshall, K. L. Fungal diseases in small mammals: therapeutic trends and zoonotic considerations. Veterinary Clinics of North America Exotic Animal Practice, v. 6, n. 2, p. 415-27, May 2003.

Teixeira, V. N. Rodentia – roedores exóticos (rato, camundongo, hamster, gerbilo, porquinho-da-índia e chinchila). In:  Cubas, Z. S; Silva, J. C.R; Catão-Dias, J. L. (eds.). Tratado de animais selvagens. 2. ed. v. 1. São Paulo: Roca, 2017; cap. 55, p. 1.191-1.195

Paterson, S. (ed.). Skin diseases of exotic pets. Oxford: Blackwell Science, 2006; p. 234-36. 

Percy, D. H.; Barthold, S. W. Rats. In: Percy, D. H.; Barthold, S. W. (eds.). Pathology of laboratory rodents and rabbits. 3rd ed. Ames (IA): Blackwell Publishing, 2007; p. 25-177.

Pereira, A. M. Principais doenças dos coelhos. In: ANDRADE, A.; PINTO, SC.; OLIVEIRA, RS. (orgs). Animais de laboratório: criação e experimentação [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002.

Quesenberry, K.; Carpenter, J. W. Ferrets, rabbits and rodents: clinical medicine and surgery. 3rd ed. St. Louis, Missouri: Elsevier Saunders, 2012; p. 236.

Quinton, JF. Novos animais de estimação: pequenos mamíferos. Prefácio de Susan A. Brown; tradução Roberta Ferro de Godoy; revisão José Jurandir Fagliari. São Paulo: Roca, 2005.

Richardson, V. C. G. Diseases of Small Domestic Rodents. 2nd ed. Oxford: Blackwell Publishing Ltda., 2003; p. 8-12.

Richardson, V. C. G. Diseases of Domestic Guinea Pigs. 2nd ed. Oxford: Blackwell Publishing Ltda., 2000; p. 1-8.

Uchida, T.; Makimura, K.; Ishihara, K.; Goto, H.; Tajiri, Y.; Okuma, M.; Fujisaki, R.; Uchida, K.; Abe, S.; Iijima, M. Comparative study of direct polymerase chain reaction, microscopic examination and culture-based morphological methods for detection and identification of dermatophytes in nail and skin samples. J Dermatol., v. 36, n. 4, p. 202-8, Apr. 2009.

Zanardi, D.; Nunes, D. H.; Pacheco, A. D.; Tubone, M. Q.; Souza Filho, J. J. Avaliação dos métodos diagnósticos para onicomicos. An Bras Dermatol., v. 83, n. 2, p. 119-24, 2008.

 

Camila Corrêa Nassar

Graduada pela PUC Minas, campus Poços de Caldas (2010) e pós-graduada em Vigilância Sanitária e Controle de Qualidade dos Alimentos pelo Instituto Qualittas (2012). Pós-graduação em Clínica de Animais Silvestres pelo IBRA (2020).

Cristina Fotin

Coordenadora do curso de pós-graduação em “Animais Silvestres na Clínica Veterinária” da Anclivepa-SP (Associação Nacional dos Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo) desde 2006. Membro da Comissão de Animais Selvagens do Conselho Regional de Medicina Veterinária e Zootecnia de São Paulo e da Comissão Científica ABRAVAS.

Luís Alberto Balangio

Graduado em Odontologia pela UNISA (1983), com especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial pela Universidade Metodista (1988 - 1990 ). Mestrado em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial na UNIP (1998 - 2000).

{PAYWALL_FIM}