Pênfigo vulgar em cão jovem sem raça definida: relato de caso

Por Marina Veiga Todeschi¹ Mariana Scheraiber²

Pênfigo vulgar em cão jovem sem raça definida: relato de caso

PEMPHIGUS VULGARIS IN A YOUNG AGE MIXED BREED DOG: CASE REPORT

RESUMO

O pênfigo vulgar consiste em uma doença autoimune rara, pouco relatada na literatura veterinária, caracterizada por lesões eritematosas, erosivas de aspecto bolhoso ou pustular em mucosas, língua, plano nasal e perioculares, cujo diagnóstico se baseia na topografia lesionar, sinais clínicos e exame  histopatológico. O  tratamento da doença baseia-se no uso de medicamentos imunossupressores. Este trabalho tem como objetivo relatar um caso desta doença em uma paciente canina fêmea sem raça definida e a eficácia do tratamento instituído.

{PAYWALL_INICIO}

PALAVRAS CHAVE: dermatologia; autoimune; imunossupressores

ABSTRACT

The pemphigus vulgaris is a rare autoimune disorder, not frequently published in veterinary journals, this disease main clinical signs are erosive erythematous lesions, with blistering or pustular appearance, located mainly in oral mucosa, tongue and around the eyes. The diagnosis is made using the lesions apprehended, clinical signs and histopathological exam, the treatment is based on the use of immunosuppressants drugs. The following paper aims in a case report of this disease in a female dog, of young age and mixed breed and the success in the therapeutic.

KEY WORD: dermatology ; autoimune; immunosuppressant

INTRODUÇÃO

O termo pênfigo refere-se a um grupo de doenças autoimunes raras, sendo dividas em forma superficial, como o pênfigo foliáceo ou profundo, como por exemplo o pênfigo vulgar e vegetante, cuja principal manifestação apresenta-se como lesões bolhosas, pustulares e erosivas, cutâneas ou em membranas mucosas, tais lesões ocorrem devido acantose celular, caracterizada por interrupção ou enfraquecimento dos desmossomos, as unidades celulares responsáveis pela adesão intracelular, anexando um citoesqueleto a outro. (1)

Esta desordem autoimune causa acantose celular, nestas doenças os autoanticorpos (podendo ser IgG, IgA ou IgM) têm como alvo adesões desmossomais, necessárias para manutenção da força do queratinócito intracelular das mucosas ou pele especificamente (2), levando a formação de bolhas, vesículas e lesões contendo queratinócitos acantolíticos. A severidade e desenvolvimento da doença são determinadas pelo tipo de autoanticorpo antidesmossomal, podendo estes   mirarem a desmogleina- 1 (DSG-1), que possue um importante papel na formação dos desmossomos epidérmicos em camadas superficiais ou se estes afetam a desmoglobina-3 (DSG-3) cuja expressão ocorre nas camadas mais profundas do tecido cutâneo.  (3)

Na forma vulgar da doença, em que são encontradas lesões mucocutaneas profundas, erosivas e bolhosas os autoanticorpos atacam tanto a DSG-1 quanto a DSG-3, causando alteração em uma grande quantidade de desmossomos, desta forma levando a uma forma grave e profunda do pênfigo. (3)

Lesões descamativas, alopécicas, eritematosas e erosivas em região de face(4), orelhas e plano nasal estão presentes em 80% dos casos, ulcerações e lesões bolhosas em mucosa oral são bastante frequentes, também podem existir fissuras e hiperqueratose em coxins. (5) 

As raças predispostas são Chow chow, akitas, labradores retrievers, dobberman pinscher, não apresentando predisposição sexual. (6) É mais frequentemente relatado em cães de meia idade, a partir dos 6 anos de idade.

O diagnóstico é realizado a partir da anamnese, histórico clínico e topografia lesional, podendo ser realizadas citologia por decalque e imprinting, buscando-se agentes patológicos secundários (bactérias e malassezia sp.), também pode-se realizar a citologia aspirativa por agulha fina, porém o método para diagnostico definitivo da-se por histopatológico, ao qual presença de acantólise nas camadas profundas da epiderme e vesículas suprabasilares, quando realizada imunofulorescência observa-se agregação de imunoglobulinas na  DSG-3 da superfície celular. (7)

Uma vez confirmado o diagnóstico o tratamento baseia-se na administração de drogas imunossupressores continuamente, como por exemplo prednisolona ou metilprednisolona, diariamente, por aproximadamente 4 semanas, buscando a cura das lesões, reduzindo a dose gradativamente buscando alcançar o uso de dose mínima em dias alternados mantendo ainda assim a remissão dos sinais mucocutaneos. Deve-se reavaliar o paciente entre duas a quatro semanas após o início da terapia imunussupressora com corticosteroide, se não houver melhora devem ser consideradas outras opções de medicações imunossupressoras não esteroidas, como azatioprina, ciclofosfamida e ciclosporina, espera-se uma boa resposta entre 2 a 3 meses de tratamento.(8)  Quando alcançada a total remissão dos sinais clínicos deve-se reduzir a dose e a frequência de administração da medicação de escolha para utilização de longa duração. (9)

RELATO DE CASO

Uma paciente, canina, fêmea, sem raça definida, de três anos de idade, pesando 29,3 KG, compareceu para atendimento eletivo na clínica escola de medicina veterinária da universidade Tuiuti do Paraná, apresentando hiperemia conjuntival, com prurido peri-ocular, despigmentação nasal, com presença de crostas e lesões erosivas eritematosas(figura 1), discreta alopecia em região de sobrancelha(figura1),  com evolução de 15 dias. Os parâmetros fisiológicos da paciente encontravam-se dentro da normalidade, apresentando apenas linfonodos submandibulares reativos.  Foi realizado exame citológico da lesão nasal, através de decalque, ao qual foram encontradas raras bactéria, realizou-se teste de fluoresceína bilateralmente, não existindo a presença de úlceras de córnea, desta forma foi realizada a prescrição de acetato de prednisolona 1,0% colírio, instilando-se uma gota em cada olho a cada 8 horas, durante 7 dias, foram solicitados exames complementares hematológicos (hemograma, ALT, FA, albumina, creatinina e ureia), aos quais paciente apresentava trombocitopenia e realização de exame histopatológico de fragmentos nasais retirados através de biopsia por punch, não foram prescritas demais medicações neste primeiro momento, buscando uma terapia mais assertiva e específica.

Figura 1- Imagens da paciente no dia da consulta.A1: Lesão descamativa, erosiva, eritematosa com despigmentação em região nasal.A2: Alopecia circunscrita em região de sobrancelha e hiperemia conjuntival. Fonte: o autor.

Paciente retornou ao hospital dois dias depois e após anestesia, foram retirados 3 fragmentos cutâneos da região nasal, medindo aproximadamente 7 x 7 x 5mm, armazenados em formol 10% sendo estes encaminhados para o exame histopatológico, o qual  ao diagnóstico definitivo de pênfigo vulgar.

O tratamento instituído foi de prednisolona 2 mg/kg, por via oral, a cada 24 horas, uso de protetor solar em gel FPS 30, principalmente na região nasal, orelhas, abdômen e região axilar diariamente, evitando a exposição solar das 10:00 horas da manhã às 16:00 horas da tarde, foram solicitados acompanhamentos e exames hematológicos semanais. Após 28 dias de tratamento, paciente retornou a Clínica escola de medicina veterinária da universidade Tuiuti do Paraná, para o  acompanhamento, apresentando melhora das lesões cutâneas, porém ainda não apresentando remissão completa, paciente havia ganhado peso, tutora referia polifagia, poliuria, polidipsia e apatia. Aos exames hematológicos paciente apresentava leucocitose por neutrofilia, com desvio a esquerda severo, ALT e FA aumentadas, prescreveu-se cefalexina 20mg/kg a cada 12 horas, durante 10 dias, juntamente com omeprazol 1 mg/kg a cada 12 horas. Devido aos efeitos deletérios colaterais ao corticosteiroide e a  não remissão completa das lesões, porém com melhora, apresentando menor quantidade de crostas, diminuição do eritema e melhora na despigmentação nasal (figura2) foi realizado o desmame, com  diminuição de dose e aumento de tempo entre administrações da prednisolona, durante 4 semanas. 

Figura 2: Imagens da paciente em retorno, com 28 dias de tratamento. A: lesão em plano nasal de aspecto ressecado, com presença de leve descamação e alopecia. B: Região nasal discretamente despigmentada, com presença de lesões erosivas. Fonte: o autor

Após a finalização do desmame da prednisolona, a paciente encontrava-se sem alterações em exames complementares, desta forma iniciou-se administração de azatioprina 2mg/kg, a cada 24 horas, por 14 dias, após 0,5 mg/kg a cada 24 horas, conseguindo-se espaçar as administrações a cada 48 horas, continuamente, a paciente realizou hemogramas semanalmente, atualmente encontra-se sem alteração oftalmológicas, com melhoradas lesões cutâneas, apresentando pigmentação nasal normal, porém com discreto eritema em plano nasal ( figura 3) e clinicamente estável.

Figura3: Imagem da paciente em retorno após 21 dias de início da azatioprina. C1: lesão discretamente eritematosa e alopécica em plano nasal. Fonte: o autor.

DISCUSSÃO

A paciente  acima relatada é uma canina de idade jovem, com 3 anos de idade, fatos que destoam da literatura e relatos existentes sobre a doença, que apresenta maior predisposição a pacientes machos, de idade entre 6 e 8 anos(9). As lesões apresentada pela paciente, presentes em região facial, principalmente em plano nasal e sobrancelha, corroboram com a literatura, que aponta estes os locais mais frequentemente relatados como topografia lesionar no pênfigo vulgar, porém esta doença também frequentemente  afeta mucosas e língua, formando lesões bolhosas e ulceradas, podendo também afetar região periocular e coxins(8).

O exame histopatológico foi de vital importância para o diagnóstico certeiro, pois devido a topografia e aparência das lesões, Foram levantados os diagnósticos diferenciais de lúpus eritematoso discoide, dermatite solar e pênfigo foliáceo, em primeiro momento.

À histopatologia apresentou dermatite lliquenoide linfoplasmocitária moderada a acentuada com formações de bolhas, pústulas intracórneas e com apoptose de queratinócitos, tais alterações e  características lesionais, são utilizadas na literatura para descrever as alterações encontradas  no pênfigo vulgar(10).

O tratamento instituído em primeiro momento, foi com prednisolona, sendo utilizada para o pênfigo vulgar, assim como o de outras doenças autoimunes, se baseia na utilização de imunossupressores e imunomoduladores. Podem ser utilizados os glicocorticoides, como a prednisolona, ou prednisona, utilizados por via oral, em dose de imunossupressão, de 2 a 4 mg/kg a cada 24 horas, (6) uma significativa melhora clínica costuma ocorrer em 10 a 14 dias do início da terapia, após pôde-se gradualmente reduzir a dose da medicação, buscando alcançar a dosagem de 1mg/kg a cada 48 horas.  É importante manter avaliação físicas e hematológicas semanalmente destes pacientes, devidos aos numerosos efeitos colaterais causados pelos corticoide, como ganho de peso, poliuria, polidipsia, polifagia, como as encontradas na paciente do relato de caso.

Buscando outras alternativas terapêuticas para a paciente instituiu-se o uso de  azatioprina, é uma droga imunossupressora, que age como antagonista das purinas, muito utilizada em desordens autoimunes, desta forma também pode ser utilizada no pênfigo vulgar, tanto associada a prednisolona, principalmente em casos refratários, como em terapia única. Esta medicação apresenta diversos efeitos colaterais, como êmese, hiporexia, perda de peso, diarreia,principalmente nos primeiros dias de uso, também existem relatos de hepatotoxicidade (10). A mielossupressão também é um feito colateral frequentemente relatado, portanto é de vital importância acompanhar semanalmente o paciente com realizações de hemogramas.

A dosagem utilizada inicial é de 2 mg/ kg a cada 24 horas, durante 14 dias, diminuindo-se a dose para 0,5 mg/kg a cada 24 ou 48 horas. A paciente anteriormente relatada apresentou êmese nos 3 primeiros dias de uso da droga, corrigidas com o uso de protetor gástrico, omeprazol 1 mg/kg a cada 12 horas e uso de antiemético, ondansetrona 0,5 mg/kg a cada 12 horas, após não apresentou mais efeitos colaterais, após 3 semanas de uso da medicação a paciente apresentou remissão completa das lesões, o que permitiu o espaçamento da utilização da medicação para 0,5 mg/kg a cada 48 horas, esta paciente não apresentou alterações em hemograma em nenhum momento do tratamento.

CONCLUSÃO

Sendo o pênfigo vulgar uma afecção rara na dermatologia veterinária, conclui-se a importância dos exames complementares, em especial o exame histopatológico, para a diferenciação do lúpus eritematoso discoide, da dermatite solar e tratamento específico da doença. Também se conclui a importância da colaboração do tutor, principalmente após este compreender a severidade da doença, para acompanhamentos frequentes, evitando efeitos adversos que podem ser causados pelas terapias instituídas.

REFERÊNCIAS

1 BALDA, A. C. et al. Pênfigo foliáceo canino: estudo retrospectivo de 43 casos clínicos e terapia (2000-2005). Pesq. Vet. Bras, v.28, n. 8, p. 387-392, 2008.

2 HAYA, S.R, ET AL.  Gene expression Analysis in Four Dogs With Canine Pemphigus Clinical Subtypes Reveals B Cell Signatures and Immune Activation Pathways Similar to Human Disease. Frontiers in medicine, 29 setember,2021.

3 HENG, L. ET AL. Deep pemphigus (pemphigus vulgaris, pemphigus vegetans and paraneoplastic pemphigus) in dogs, cats and horses: a comprehensive review.BMC veterinary research, n.457, p.16-41. 2020

4 SOUZA, L. ET AL. Complexo pênfigo em pequenos animais-revisão de literatura.  Anais CIC universidade de ourinhos, p.1, 2015

5 ZHOU, Z, ET AL. Clinical presentation, treatment and outcome in dogs with pemphigus foliaceus with and without vasculopathic lesions: an evaluation of 41 cases. Veterinary dermatology, v 503, p 32.2021

6 ROSENKRANTZ, w,s. Pemphigius: current terapy. Veterinary dermatology, v. 15, p90-98, 2004.

7 SEVERO, J.S,  Comparative study of direct and indirect immunofluorescence for diagnosis of canine pemphigus foliaceus. Arquivo brasileiro de medicina veterinaria e zootecnia , v.70, n.3, p.649-655, 2018

8 MORAES, L,R,S, ET AL. Pênfigo vulgar em cão jovem-relato de caso. ANAIS COMDEV  – congresso medvep internacional de dermatologia veterinária p.60-61.2018

9 MONTEIRO, V.P, ET AL.Pemphigus Foliaceous in a dog- Clinical and Laboratorial Assessment. Acta Scientiae Veterinariae,v.48, 2020.

10 NAKAMURA, T,Y, SAUNITI, T,P,S, FRANCO, R,P. Associação de Prednisolona e Azatioprina na Terapêutica De Cães Portadores de Anemia Hemolitica Imunomediada. VI fórum de pesquisa e extensão de marília, v 5, p 45-49. 2020

Marina Veiga Todeschi

Formada em medicina veterinária pela Universidade Tuiuti do Paraná, atualmente aprimoranda nível 2 em clínica médica de animais de companhia.

Mariana Scheraiber

Formada em Medicina Veterinária pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) (2011/2). Mestrado (2014) e Doutorado (2018) em Fisiologia Animal Comparativa e dos Animais Domésticos, com ênfase em Fisiologia Gastrointestinal e Nutrição de Cães e Gatos pela Universidade Federal do Paraná. Período de análises laboratoriais (março a setembro de 2016) na Freie Universität Berlin, com ênfase em análises de dietas, microbiota fecal e produtos de fermentação intestinal de cães. Atualmente, professora do curso de Medicina Veterinária da UTP, nas disciplinas de Fisiologia Veterinária, Doenças Infecciosas e Parasitárias, Nutrição de Pequenos Animais e Clínica Médica de Pequenos Animais. Também é professora do curso de pós-graduação em Nutrição de Cães e Gatos, da Faculdade Qualittas.

{PAYWALL_FIM}