MANEJO NUTRICIONAL DE CÃES E GATOS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA: REVISÃO DE LITERATURA

Por Giovana Galerani ¹ e Lilian Stefanoni Ferreira Blumer ²

MANEJO NUTRICIONAL DE CÃES E GATOS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA: REVISÃO DE LITERATURA

NUTRITIONAL MANAGEMENT OF DOGS AND CATS WITH CHRONIC KIDNEY DISEASE: A LITERATURE REVIEW

RESUMO

A Doença Renal Crônica é uma enfermidade frequente em cães e gatos idosos, sendo definida por comprometimentos hemodinâmicos e metabólicos progressivos, decorrentes da deficiência renal estrutural e/ou funcional em um período superior a três meses, resultando em prejuízos às funções excretora, regulatória, catabólica e endócrina dos rins.{PAYWALL_INICIO}

Com a progressão da doença, o número de néfrons funcionais decai de forma irreversível, evoluindo para complicações responsáveis pela redução do tempo de vida em animais de companhia. No âmbito da Medicina Veterinária, procedimentos como diálise e transplante renal, ainda não são amplamente acessíveis, fazendo com que o protocolo terapêutico seja baseado em medidas renoprotetoras e conservativa para o controle dos principais sinais clínicos, tais como o fornecimento de dieta terapêutica renal e o manejo nutricional dos pacientes, estabelecidos individualmente.

Palavras-chave: Doença Renal Crônica. Medicina Veterinária. Manejo nutricional.

ABSTRACT

Chronic Kidney Disease is a frequent illness in elderly dogs and cats, being defined by progressive hemodynamic and metabolic impairments, resulting from the structural and/or functional renal deficiency over a period of more than three months, resulting in damage to kidney excretory, regulatory, catabolic and endocrine functions. With the progression of the disease, the number of functional nephrons declines irreversibly, evolving into complications responsible for reducing the life span of companion animals. In the field of Veterinary Medicine, more invasive procedures, such as dialysis and kidney transplantation, are still not widely accessible, making the therapeutic protocol based on renoprotective and conservative measures to control the main clinical signs, such as the provision of a renal therapeutic diet and the nutritional management of patients, individually established. 

Keywords: Chronic Kidney Disease. Veterinary Medicine. Nutritional Management.

INTRODUÇÃO

Cães e gatos são suscetíveis a desenvolverem Doença Renal Crônica (DRC) em qualquer estágio de vida, principalmente na fase geriátrica (FINCH; SYME; ELLIOTT, 2016; PÉREZ; ALESSI, 2018; VERGNANO et al., 2016), sendo que 0,5% a 1,5% dos cães e 1 a 4,5% dos gatos apresentam a enfermidade de forma congênita ou adquirida (HALL et al., 2018; PÉREZ; ALESSI, 2018).

A fisiopatologia da DRC inclui comprometimentos hemodinâmicos e metabólicos progressivos, decorrentes da deficiência estrutural e/ou funcional de um ou dos dois rins em um período superior a 3 meses, resultando em prejuízos à excreção renal e à taxa de filtração glomerular (TFG) (FINCH; SYME; ELLIOTT, 2016; PÉREZ; ALESSI, 2018; VERGNANO et al., 2016). Com a evolução da doença, a perda da capacidade adaptativa dos néfrons remanescentes ocasiona comprometimento das funções renais e promoção dos sinais de uremia. (HALL et al., 2018; ROONEY, 2017).

Clinicamente, em pacientes com DRC, o objetivo principal é controlar ou prevenir a progressão acelerada da doença (PÉREZ; ALESSI, 2018), uma vez que é a terceira maior causa de óbito em cães (GRAUER, 2017; ROONEY, 2017) e a segunda maior razão de morte em gatos com doenças crônicas (VERGNANO et al., 2016), sendo uma síndrome com morbidade e mortalidade consideráveis para as espécies (FINCH; SYME; ELLIOTT, 2016). O diagnóstico precoce da DRC é primordial para estabelecer o tratamento (HALL et al., 2016). Atualmente, medidas como diálise e transplante renal, ainda não são amplamente acessíveis na clínica de pequenos animais (GRAUER, 2017) e o protocolo terapêutico é baseado em medidas renoprotetoras, tais como o fornecimento de dieta terapêutica renal (HALL et al., 2016). Visto que as lesões renais são irreversíveis, a terapêutica dos pacientes é conservativa, com enfoque em preservar a função renal ainda efetiva e aliviar os sinais clínicos, a fim de reduzir o estresse homeostático provocado e limitar os danos metabólicos, permitindo a melhora na qualidade de vida (HALL et al., 2018; ROONEY, 2017; VERGNANO et al., 2016).

IRIS – SOCIEDADE INTERNACIONAL DE INTERESSE RENAL

Com o propósito de padronização, melhor entendimento e estudo a respeito da Doença Renal Crônica, a Sociedade Internacional de Interesse Renal (IRIS) desenvolveu o estadiamento da doença em cães e gatos (FINCH; SYME; ELLIOTT, 2016; PÉREZ; ALESSI, 2018; VERGNANO et al., 2016), contribuindo para o estabelecimento do diagnóstico, prognóstico e manejo terapêutico dos pacientes (GRAUER, 2017; HALL et al., 2018).

Os estágios da DRC são baseados nos valores séricos da creatinina (Tabela 1), com subdivisões fundamentadas pela mensuração da pressão arterial sistêmica (Tabela 2) e presença ou não de proteinúria (Tabela 3) (HALL et al., 2018; PÉREZ; ALESSI, 2018), sendo que só podem ser estabelecidos em pacientes com níveis de hidratação adequados e com a estabilização da doença em um período superior a duas semanas (GRAUER, 2017). 

EXAME CLÍNICO

O paciente deve ser avaliado de forma individualizada, com o objetivo de evitar a progressão da doença e minimizar as complicações decorrentes da perda de função renal e uremia (ROONEY, 2017). O exame clínico deve incluir o histórico nutricional completo, exame físico direcionado para avaliação corporal e mensurações dos exames complementares necessários (Tabela 4) (CLINE, 2016).

PROTEÍNAS E AMINOÁCIDOS

Os rins são responsáveis pela filtração e excreção dos resíduos de nitrogênio produzidos a partir dos aminoácidos dietéticos e endógenos. Falhas na excreção renal contribuem para o desenvolvimento de azotemia e, a longo prazo, uremia, que contribuem para quadros de anorexia, náusea e vômitos (PÉREZ; ALESSI, 2018). Logo, para esses animais, o acesso a proteínas por meio da alimentação deve ser limitado, uma vez que o acúmulo de metabólitos influencia a progressão da enfermidade, prejudica a função renal e exacerba a uremia (ELLIOTT, 2011; FINCH; SYME; ELLIOTT, 2016).

As dietas para pacientes renais possuem em sua composição de 25 a 55g de proteínas a cada 1000kcal para cães, e de 58 a 82g em 1000kcal para gatos, com margens de adaptação de acordo com as necessidades dos animais (CLINE, 2016). Dentre os benefícios oferecidos pela redução da porcentagem proteica na alimentação, destaca-se o decréscimo de resíduos nitrogenado, pois, dessa forma, é possível diminuir os sinais clínicos de uremia, amenizar os quadros de poliúria e polidpsia pela menor disponibilidade de soluto aos néfrons, e inibir a ocorrência de anemia secundária a ulcerações do trato gastrointestinal e hemorragias, uma vez que os resíduos de nitrogênio reduzem o tempo de vida dos eritrócitos e prejudicam a função dos trombócitos (CLINE, 2016; ROONEY, 2017). A menor ingestão de proteínas diminui em 32% o risco de evolução da doença a condições que exijam terapias de substituição renal ou que promovam o óbito do animal (CHANG; ANDERSON, 2017).

Para a recomendação da dieta terapêutica renal devem ser levadas em consideração a qualidade nutricional e a fonte proteica (CHANG; ANDERSON, 2017; ROONEY, 2017). A origem desse nutriente afeta a função renal tanto quanto a quantidade fornecida, devido à variação dos aminoácidos, à carga de ácidos disponíveis e à influência nos teores de fósforo absorvível, sendo recomendada a escolha por proteínas vegetais, capazes de reduzir a hiperfiltração glomerular e albuminúria (CHANG; ANDERSON, 2017). A qualidade nutricional se refere ao valor biológico dos componentes proteicos, que deve ser suficiente para suprir o requerimento mínimo diário por meio de pequenos volumes de proteína dietética, permitindo que o nutriente consiga exercer suas funções orgânicas e impedindo riscos de má-nutrição proteica e deficiência de aminoácidos essenciais (ELLIOTT, 2011; ROONEY, 2017). Em cães e gatos que recebam dieta renal terapêutica, é necessário considerar a suplementação adicional de aminoácidos, em especial a taurina (ELLIOTT, 2011).

FÓSFORO

Os rins e os intestinos são responsáveis pelo controle dos níveis orgânicos de fósforo, através da absorção e excreção do nutriente adquirido pela dieta (ROONEY, 2017), sendo que a concentração plasmática de fosfato é um dos marcadores utilizados para avaliação da TFG, uma vez que é livremente filtrado pelos glomérulos (VERGNANO et al., 2016). Em quadros de DRC, devido à diminuição da TFG, o paciente se torna suscetível à redução da depuração de fósforo e ao desenvolvimento de hiperfosfatemia e, como consequências, pode apresentar hiperparatireoidismo secundário renal, diminuição dos níveis de calcitriol, mineralização e calcificação dos rins e vasos, além de lesões tubulares, que contribuem para a evolução da enfermidade (CHANG; ANDERSON, 2017; ROONEY, 2017).

Muitos estudos recentes são direcionados à recomendação da restrição de fósforo na dieta de pacientes renais como uma das estratégias para reduzir o declínio da DRC e aumentar a taxa de sobrevivência (CHANG; ANDERSON, 2017; CLINE, 2016; PÉREZ; ALESSI, 2018; ROONEY, 2017; VERGNANO et al., 2016). Enquanto as dietas convencionais oferecem quantidades de fósforo superiores a 1,5g em 1000kcal, as terapêuticas renais contêm entre 0,4 e 1,2g em 1000kcal para cães, e de 0,8 a 1,35g em 1000kcal para gatos, tendo em vista as recomendações do sistema IRIS a respeito das concentrações plasmáticas ideais de fósforo para pacientes com DRC (Tabela 5) (CLINE, 2016; GRAUER, 2017).

  Caso a hiperfosfatemia persista, o sistema IRIS recomenda o fornecimento de ligantes entéricos de fosfato em todas as refeições, sendo o hidróxido de alumínio a principal indicação (PÉREZ; ALESSI, 2018; VERGNANO et al., 2016). Outros possíveis ligantes a serem utilizados são produtos à base de cálcio, lantânio, sevelâmero ou quitosana, capazes de impedir a absorção intestinal do nutriente e o aumento de seus níveis séricos (ROONEY, 2017; VERGNANO et al., 2016).

SÓDIO

Em pacientes com DRC é comum a presença de concentrações séricas de sódio com valores anormais, sendo que a retenção de sódio pode aumentar os riscos de hipertensão arterial sistêmica e evolução do quadro renal, elevando a taxa de mortalidade (CLINE, 2016; HALL et al., 2016). As necessidades nutricionais de sódio e água devem ser avaliadas em cada paciente, pois é indispensável a restrição extrema desses nutrientes em quadros de oligúria ou anúria para minimizar a superidratação e seus efeitos secundários (ELLIOTT, 2011).

As dietas terapêuticas renais contêm entre 0,4 e 1,2g de sódio em cada 1000kcal para cães e 0,5 a 1g a cada 1000kcal para gatos, visto que valores inferiores a esses poderiam resultar em hiponatremia e ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, agravando a DRC (CLINE, 2016).

ANTIOXIDANTES

A suplementação com agentes antioxidantes é preconizada com intuito de reduzir o estresse oxidativo promovido pela elevação na liberação de radicais livres e espécies reativas de oxigênio (EROs) (CLINE, 2016; PÉREZ; ALESSI, 2018; ROONEY, 2017), uma vez que na DRC os sistemas antioxidantes intrínsecos não são capazes de neutralizar os radicais livres produzidos em excesso (HALL et al., 2016; ROONEY, 2017). Possíveis antioxidantes extrínsecos a serem inclusos no protocolo terapêutico são as vitaminas E e C, carotenoides, flavonoides, luteína e L-carnitina (HALL et al., 2016; PÉREZ; ALESSI, 2018), considerados compostos renoprotetores por diminuírem os marcadores de danos ao DNA celular e pelo fato de aumentarem a TFG (ELLIOTT, 2011).

ÔMEGAS 3 E 6

Com a progressão da DRC, é preconizado a suplementação de ácidos graxos poli-insaturados (AGPI) caso a dieta não seja capaz de suprir os níveis necessários para minimizar o estresse oxidativo (CLINE, 2016). O fornecimento de AGPI apresenta como benefícios a diminuição do colesterol, modulação de processos inflamatórios, controle da pressão arterial, redução da mortalidade, melhora na função renal, restrição de danos renais e diminuição da proteinúria em comparação com pacientes que recebem gorduras saturadas (PÉREZ; ALESSI, 2018; ROONEY, 2017).

Os ácidos graxos da classe dos ômega-3 – ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexaenoico (DHA) – exercem funções renoprotetoras significativas (CLINE, 2016), principalmente quando complementados com substâncias antioxidantes (PÉREZ; ALESSI, 2018), sendo eficientes na redução da síntese de eicosanoides e citocinas pró-inflamatórias, EROs e na expressão de moléculas de adesão, além de retardar o declínio da TFG em pacientes com DRC (HALL et al., 2018; HALL et al., 2016). O fornecimento de ômega 3 na dieta auxilia ainda na prevenção de injúrias secundárias como glomerulosclerose, fibrose túbulo-intersticial e infiltração de células inflamatórias (PÉREZ; ALESSI, 2018).

Para cães e gatos com DRC, a dose padrão recomendada é de 40mg/kg de EPA somada à dose de 25mg/kg de DHA, fornecidas a cada 24 horas. Esses valores correspondem a aproximadamente 1,16 a 1,18g de EPA e DHA em 1000kcal (CLINE, 2016).

VITAMINAS, MINERAIS E FIBRAS

Para promover o equilíbrio entre as necessidades nutricionais e as restrições alimentares necessárias é importante que a dieta terapêutica renal forneça vitaminas hidrossolúveis e suplementação de minerais (PÉREZ; ALESSI, 2018). A ocorrência de hipovitaminose B é comum em pacientes com DRC, interferindo em reações de síntese energética e contribuindo para promoção de anorexia. Sendo assim, as dietas terapêuticas disponíveis são formuladas com valores adicionais de vitaminas do complexo B, suprindo as possíveis deficiências secundárias à enfermidade e eximindo a necessidade de suplementação. Como na DRC os níveis de proteínas séricas ligantes de retinol e vitamina A estão elevados, não é preciso fornecer quantidades adicionais dessa vitamina (ELLIOTT, 2011).

Outra classe de nutrientes essenciais são as fibras solúveis, uma vez que são capazes de promover a proliferação de bactérias do cólon responsáveis pela utilização de nitrogênio e ureia, além de serem benéficas em quadros de constipação, recorrente em gatos com DRC (CLINE, 2016).

ENERGIA

É fundamental a determinação da densidade energética, mensurada em quilocalorias (kcal), e a seleção das fontes de energia, que pode ser obtida através dos macronutrientes – lipídios, carboidratos e proteínas (ROONEY, 2017). Os requisitos energéticos em pacientes renais podem variar com a evolução da doença, sendo indicado o acompanhamento nutricional regular e a monitoração do ECC e peso corporal em todas as avaliações (ELLIOTT, 2011).

A densidade energética é incorporada pelo aumento dos teores de lipídios, já que as gorduras oferecem aproximadamente o dobro de energia por grama em relação aos carboidratos (ELLIOTT, 2011), além de preservarem a massa magra corporal, aumentarem a taxa de calorias ingeridas e manterem a palatabilidade dos alimentos não-proteicos (CLINE, 2016), garantindo que o animal obtenha suas necessidades nutricionais consumindo menores volumes, o que auxilia no controle de náusea e vômitos decorrentes da distensão gástrica (ELLIOTT, 2011).

A limitação na ingestão calórica pode resultar em perda de massa magra corporal pelo catabolismo muscular, na intenção de extrair aminoácidos (ELLIOTT, 2011; ROONEY, 2017). O colapso muscular promove a elevação sérica dos níveis de precursores de ureia, contribuindo para o agravamento da azotemia (ROONEY, 2017).

POTÁSSIO

Em alguns animais pode-se observar a ocorrência de hipocalemia. Gatos com DRC são propensos ao desenvolvimento de hipocalemia, logo as dietas terapêuticas renais desenvolvidas para essa espécie contêm quantidades suplementares de potássio, com variações de 1,4 a 2,6g para cada 1000kcal (CLINE, 2016; GRAUER, 2017). Caso a hipocalemia persista, é necessário fornecer agentes alcalinizantes capazes de controlar a acidose metabólica decorrente da DRC, tais como gluconato de potássio ou citrato de potássio (CLINE, 2016).

ESTIMULAÇÃO DO APETITE E CONTROLE DOS SINAIS GASTROINTESTINAIS

A perda de apetite é um sinal clínico comum em cães e gatos com disfunções renais (PÉREZ; ALESSI, 2018; ROONEY, 2017), podendo estar relacionada a fatores como desidratação, hemorragias gastrointestinais, acidose metabólica, hipocalemia, infecções do trato urinário, anemia e inflamações crônicas, que devem ser identificadas e corrigidas antes da intervenção relativa à apetência (ELIOTT, 2011; PÉREZ; ALESSI, 2018).

Pacientes com DRC podem apresentar quadros de náuseas e anorexia por diversas causas, incluindo desidratação, acidose metabólica, alterações em paladar e olfato, inflamações e ulcerações orais, gastrite, desequilíbrios eletrolíticos e retenção de toxinas ureicas, sendo imprescindível o manejo alimentar com o objetivo de estimular a ingestão e auxiliar a adaptação dos receptores gustativos às alterações nutricionais propostas no protocolo terapêutico (FINCH; SYME; ELLIOTT, 2016). Para isso, é possível utilizar estratégias que incentivem o consumo voluntário da dieta, como o fornecimento de alimentos aquecidos e/ou altamente odoríferos, porções menores e regulares e o oferecimento manual pelos tutores (ELLIOTT, 2011; PÉREZ; ALESSI, 2018).

O uso de fármacos antieméticos e inibidores da secreção gástrica é indicado em pacientes com sinais gastrointestinais decorrentes da uremia, com o objetivo de controlar quadros de náuseas e estimular o apetite. As principais opções de antieméticos disponíveis para cães e gatos incluem Maropitant, Ondansetrona, Metoclopramida e Mirtazapina. A redução da acidez gástrica pode ser promovida pelo uso de Omeprazol ou pela administração de antagonistas de receptores H2, como Famotidina ou Ranitidina. Se houver suspeita de ulceração e hemorragias gastrointestinais, pode-se incluir Sucralfato no protocolo terapêutico para promover proteção da mucosa (CHEW, 2011; POLZIN, 2011; POLZIN, 2013).

Caso o paciente apresentar seletividade quanto à dieta terapêutica, é possível formular uma dieta caseira balanceada de acordo com suas necessidades (CLINE, 2016). A administração de fármacos orexígenos para estimular o apetite dos animais é uma alternativa em determinados casos, porém é pouco efetiva ao se considerar a quantidade de calorias diárias que o paciente precisa ingerir para suprir suas necessidades energéticas e metabólicas (ELLIOTT, 2011).

RAÇÕES TERAPÊUTICAS

O manejo dietético é essencial nos cuidados conservativos de cães e gatos com DRC (ROONEY, 2017) sendo benéfico quando realizado de forma adequada em pacientes em estágios iniciais e retardando a velocidade de progressão da doença para fases mais avançadas (HALL et al., 2016). Os princípios da introdução da dieta terapêutica renal incluem a compreensão das modificações nutricionais proporcionada e dos benefícios ao paciente, a necessidade de esclarecimentos e suporte a longo prazo aos tutores e a realização de avaliações nutricionais regulares (ROONEY, 2017). Previamente ao início dessas medidas, deve-se fazer uma avaliação nutricional completa e o correto estadiamento da DRC (CLINE, 2016), além de analisar a necessidade de suplementação com substâncias específicas, como ligantes de fósforo e agentes alcalinizantes (ROONEY, 2017; VERGNANO et al., 2016).

A dieta é estabelecida com base em diversos objetivos, englobando a prevenção da síndrome urêmica, a manutenção do equilíbrio ácido-básico e eletrolítico, a diminuição da progressão da doença, a melhora da qualidade de vida e aumento da expectativa de vida (CLINE, 2016; PÉREZ; ALESSI, 2018; ROONEY, 2017; VERGNANO et al., 2016). O manejo dietético também é fundamental para estabilização da condição corporal e massa muscular, a fim de evitar complicações críticas da DRC, como a ocorrência de anorexia e má nutrição, que influenciam o tempo de sobrevivência, aumentando as taxas de morbidade e riscos de mortalidade, além do desenvolvimento de anemia e hiperparatireoidismo secundário renal (PÉREZ; ALESSI, 2018).

Muitos estudos são realizados com a utilização de dieta renal para redução de sinais de uremia e morte prematura como complicações da DRC em pequenos animais (HALL et al., 2016), sendo que diminui em 72% os riscos de crises urêmicas em gatos e aumenta 2,5 vezes o tempo sem sinais de uremia em cães (PÉREZ; ALESSI, 2018). Animais geriátricos em Estágio 1 da DRC, sem proteinúria ou hiperfosfatemia, que recebem dietas adequadas às suas condições, apresentam função renal mais estável e menores chances de desenvolverem insuficiência renal progressiva (HALL et al., 2018).

Hall et al. (2018) desenvolveram uma pesquisa utilizando gatos com DRC com os objetivos de diminuir a progressão da doença e suas consequências clínicas e bioquímicas, além de manter a nutrição adequada nos pacientes, concluindo que os animais que receberam dieta renal tiveram tempo médio de sobrevida de 16 meses, enquanto os que receberam dieta convencional tiveram apenas 7 meses. Os pesquisadores também constataram que os gatos que receberam alimentação comercial apresentaram redução do peso corporal e de massa magra, uma vez que a dieta oferecia menor quantidade de calorias.

NUTRIÇÃO ENTERAL E PARENTERAL

Estudos recentes sugerem que, em pacientes anoréxicos com DRC, a fixação de tubo de alimentação esofágico ou gástrico auxilia a limitar a perda de peso secundária à enfermidade, através do suporte nutricional a longo prazo (ELLIOTT, 2011; PÉREZ; ALESSI, 2018; ROONEY, 2017). A nutrição enteral permite a administração de dietas líquidas e medicações necessárias (CLINE, 2016). Esse método é indicado principalmente em pacientes com crises urêmicas ou com relutância em se alimentar de forma voluntária, mas pode ser aplicado em todos os pacientes com DRC capazes de aceita-lo, uma vez que auxilia na manutenção da barreira gastrointestinal e prevenção de translocações bacterianas capazes de promover infecções sistêmicas (CLINE, 2016; ELLIOTT, 2011).

Em animais com disfunções gastrointestinais ou neurológicas severas que impossibilitem a nutrição enteral, há a possibilidade de realizar alimentação parenteral considerando a carga adicional de fluidos. De forma geral, esse método é classificado em nutrição parenteral parcial (PPN) ou nutrição parenteral total (TPN), sendo individualmente recomendado de acordo com o estágio da doença (ELLIOTT, 2011).

DIETA CASEIRA

Dietas caseiras, muitas vezes, não possuem quantidades e variações de nutrientes adequadas, sendo fundamental que a formulação seja feita por um médico veterinário nutricionista, caso contrário, o animal pode ser prejudicado por fatores como falta de ingredientes e suplementos, ausência de especificidade quanto ao tipo e estágio da doença, deficiência de proteínas ou aminoácidos essenciais e desequilíbrios dos teores de minerais como o cálcio (CLINE, 2016; ROONEY, 2017).

Essa alternativa pode ser considerada em cães com DRC que apresentem hipercalemia persistente ou em pacientes com apetite seletivo (CLINE, 2016), sendo que, assim como a terapêutica, essa alimentação deve ser preferencialmente úmida para garantir o suprimento hídrico necessário (ROONEY, 2017). Também deve-se avaliar a necessidade de suplementação de vitaminas do complexo B, para garantir o suprimento diário indicado para o animal (ELLIOTT, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o correto manejo nutricional do paciente com DRC, inicialmente é necessário realizar o estadiamento de acordo com o sistema IRIS, já que o protocolo terapêutico é feito de forma individualizada (PÉREZ; ALESSI, 2018). Visto que a DRC pode promover diminuição do apetite, a dieta terapêutica renal é essencial para manutenção do peso corporal, ECC e massa magra corporal, sendo considerada padrão de atendimento em cães e gatos com DRC desde os Estágios 1 e 2 (HALL et al., 2018). Os especialistas também recomendam introduzir a dieta antes da ocorrência de uremia quando possível (CLINE, 2016), caso contrário, deve ser feita a correção dos sinais clínicos da uremia antes das mudanças nutricionais, sendo que em alguns casos é indicada a alimentação assistida a fim de prevenir crises urêmicas ou óbito, pois assim, evita-se longos períodos de anorexia e adipsia (PÉREZ; ALESSI, 2018).

Devem ser feitos atendimentos para acompanhar a terapia dietética, efetuando ajustes de forma contínua, tendo em vista a prevenção de má nutrição nos pacientes. Após avaliação e determinação da quantidade correta de calorias diárias que o animal deve receber, é estabelecida a frequência com que será alimentado, sendo possível fracionar em pequenas porções ao longo do dia (ELLIOTT, 2011).

Atualmente a disponibilidade de dietas terapêuticas renais para cães e gatos é bastante ampla, havendo diversas formas e texturas (CLINE, 2016), contudo, considerando que a dor na região oral é comum, o mais apropriado é fornecer dietas úmidas, pois, além de auxiliarem na manutenção do estado hídrico, aumentam a aceitação do alimento (ROONEY, 2017). Outras estratégias são levadas em consideração, como o oferecimento de diferentes amostras de rações para estabelecer a preferência do paciente, e orientações aos tutores para que, sempre que possível, não adicionem medicações nos alimentos (CLINE, 2016; ROONEY, 2017).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHANG, A. R.; ANDERSON, Cheryl. Dietary phosphorus intake and the kidney. Annual Review of Nutrition, v. 37, p. 321-346, 2017.

CLINE, M. G. Nutritional management of chronic kidney disease in cats & dogs. Today’s Veterinary Practice, p. 58-66, 2016.

ELLIOTT, D. A. Nutritional considerations for the dialytic patient. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, v. 41, p. 239-250, 2011. 

FINCH, N. C.; SYME, H. M.; ELLIOTT, J. Risk factors for developmnet of chronic kidney disease in cats. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 30, p. 602-610, 2016.

GRAUER, G. F. Treatment guidelines for chronic kidney disease in dogs & cats: International Renal Interest Society Recommendations. Continuing Education, p. 41-51, 2017.

HALL, J. A. et al. Cats with IRIS stage 1 and 2 chronic kidney disease maintain body weight and lean muscle mass when fed food having increased caloric density, and enhanced concentrations of carnitine and essential amino acids. Veterinary Record, p. 1-10, 2018.

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ROONEY, Helen. Chronic Kidney Disease – dietary management role in dogs. Vet times, p. 1-11, 2017.

VERGNANO, Diana et al. Effectiveness of a feed supplement in advanced stages of feline chronic kidney disease. Acta Scientiae Veterinariae, n. 44, v. 1375, p. 1-8, 2016.

 

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Lilian Stefanoni Ferreira Blumer

•Graduação em medicina veterinária pela Unesp Araçatuba;
•Residência em clínica médica de pequenos animais pela Unesp Jaboticabal;
•Mestre em medicina veterinária com ênfase em Nefrologia de cães e gatos pela Unesp Jaboticabal;
•Professora de graduação e pós-graduação em cursos de medicina veterinária;
•Atendimento autônomo em nefrologia de cães e gatos em clínicas e hospitais veterinários.

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Giovana Galerani

Cursando 9º semestre de Medicina Veterinária (UNIP). Bolsista de Iniciação Científica do CNPq – FMVZ USP – 2020. Estágio Extracurricular em Clínica Médica e Internação de Pequenos Animais da Clínica Veterinária Cat e Dog e outros bichos (Dezembro de 2020 – atual).

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