Lupus eritematoso discoide (led)

Por Bruno Lopes Rovai

Lupus eritematoso discoide (led)

O lúpus eritematoso é uma afecção imunomediada de etiologia desconhecida que pode apresentar-se sob duas formas: uma benigna, com lesões cutâneas bem localizadas e denominada Lúpus Eritematoso Discóide (LED) e outra multissistêmica, afetando vários segmentos do organismo, denominada Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Dentre as dermatopatias, as autoimunes, embora raras, representam de 2 a 5 % da casuística dos atendimentos e têm importância devido ao difícil diagnóstico e similaridade clínica com outras doenças tegumentares (Larsson & Lucas, 2019).

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As diferentes doenças que afetam a pele de caninos podem ser classificadas de acordo com seu mecanismo patogênico em doenças congênitas e hereditárias de diferenciação epidérmica. Danos físico-químicos, hiperpigmentação, deficiências nutricionais, doenças endócrinas, dermatoses imunomediadas, doenças infecciosas (vírus, bactérias, fungos, protozoários, ectoparasitas artrópodes e helmintos), neoplásicos e diversos (Hargis AM, Myers S., 2017), (Mauldin EA, Peters KJ., 2016).

Dermatopatias imunomediadas são aqueles que incluem mecanismos fatores imunológicos na gênese das lesões. Incluindo dermatites por hipersensibilidade, dermatoses autoimunes e outras condições imunológicas de etiologia variada, incluindo sensibilidade a medicamentos, vacinas e vários antígenos (Hargis AM, Myers S., 2017), (Mauldin EA, Peters KJ., 2016).

Figura 1. Aspectos dermatológicos em cão Akita com lúpus eritematoso discoide. Lesões crostosas em região periocular (A) e plano nasal e hiperqueratose em saco escrotal (B).

Nas dermatoses autoimunes, os mecanismos lesões patogênicas são estabelecidas pela existência de anticorpos ou linfócitos ativados contra a própria pele. Dermatoses autoimunes em caninos compreendem as doenças caracterizadas por pústulas, vesículas ou bolhas como lesão primária incluindo o complexo de pênfigo (pênfigo foliáceo, pênfigo vulgar, pênfigo eritematoso, pênfigo paraneoplásico), penfigóide da membrana mucosa, penfigóide epidermólise bolhosa adquirida e doença bolhosa imunoglobulina linear A (Miller WH, Griffin CE, Campbell KL., 2014).

O lúpus eritematoso discoide (LED) canino pertence ao grupo das doenças autoimunes, sendo sua etiopatogenias ainda incerta. Contudo, sabe-se que as lesões lúpicas podem ser iniciadas após exposição a raios UVA e UVB que induzem lesão aos queratinócitos, provocando infiltração de linfócitos e produção de anticorpos reativos, culminando com o desencadeamento de mecanismos citotóxicos e deposição de imunocomplexos com ativação do sistema complemento (Hejazi & Werth, 2016).

Figura 2. Padrões histopatológicos em cão com LED. (A) Dermatite de interface e liquenoide com presença de fenda (estrela) evidenciada na junção dermo-epidérmica em amplificação de 100x. (B) Vacuolização de células epidérmicas basais (seta azul) e incontinência pigmentar (seta preta) em amplificação de 400x. Coloração H&E. Barra: 50m.

O LED apresenta-se, clinicamente, com despigmentação, eritema e crostas, sendo essas lesões localizadas em região dorsal do plano nasal e da pele (Banovic, 2019). A exposição solar agrava a doença em 50% dos casos, sendo sugerido que a fotossensibilidade desempenhe um papel importante na origem da doença (Hejazi & Werth, 2016). Logo, a LED pode apresentar-se de forma mais grave no verão ou em áreas com climas ensolarados.

Em casos de LED o exame histopatológico é imprescindível para o diagnóstico definitivo e prognóstico do paciente. As características histopatológicas em biópsias de pele revelam dermatite de interface, seja hidrópica, liquenóide ou mista, ocorrendo edema intracelular (degeneração hidrópica) da camada basal e inúmeros queratinócitos necrosados na epiderme. (Val, 2006). A inflamação presente no LED canino acomete células basais, desestabilizando a zona da membrana basal (De Lucia et al., 2017).

A função é a sustentação do tecido epidérmico que, quando lesionada, pode gerar uma fenda passível de visualização ao exame histopatológico (Figura 2A). Vale ressaltar que, por vezes, a fenda pode estar associada a erros de técnica histológica. Contudo, a presença de tal alteração associada ao quadro clínico do cão reforça o LED como diagnóstico diferencial (Banovic, 2019). O LED precisa ser diferenciado de patologias fúngicas (Esporotricose, Criptococose, Malassezia), bacterianas (piodermites), alergias (alimentares ou atopia) e protozoárias (Leishmaniose).

O dano tecidual pode ainda deixar lacunas para a passagem de componentes da epiderme para a derme, como a melanina, resultando na incontinência pigmentar, a qual foi observada na (Figura 2B). A progressão do processo inflamatório culmina com a desorganização e a disfunção das fibras colágenas, as quais são responsáveis pela manutenção da estrutura tecidual, o que a caracteriza como uma doença do colágeno. Logo, tais alterações se manifestam, clinicamente, através da despigmentação e perda da arquitetura nasal (De Lucia et al., 2017).

O LED é a forma clínica mais comum de lúpus, representando, dentre as variantes lúpicas, a de menor risco para o desenvolvimento do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) (Larsson & Lucas, 2019). Entretanto, quando há acometimento generalizado, o envolvimento cutâneo está presente em até 90% dos pacientes, sendo estes os primeiros sinais de LES em até 28% dos casos (Hejazi & Werth, 2016).

Com isso é necessário a realização de exames clínicos, hemato-bioquímicos e ultrassonográficos na intenção de descartar outras alterações no animal. Diagnóstico diferencial para LCan devido à semelhança dos sinais dermatológicos, visto que alterações cutâneas como lesões alopécicas, hiperêmicas e a ocorrência de hiperqueratose em plano nasal são sinais comuns à LCan e LED (De Lucia et al., 2017).

O grande desafio desta dermatopatia está na dificuldade de diagnóstico, pela sua sintomatologia generalista, podendo se assemelhar a diversas patologias dermatológicas, dificultando o tratamento e regressão das lesões. Por isso, é de grande importância se fazer a análise laboratorial das lesões, seja por citologia para descarte de outras patologias ou por histopatológico para confirmação do diagnóstico.

O LED pode ser controlado com a utilização de corticoterapia tópica associada a tratamentos de suporte, como anti-inflamatórios, vitamina E, protetor solar (Miller et al., 2013). O uso da pentoxifilina pode auxiliar no tratamento do animal, visto que essa droga possui atividade imunomodulatória por inibir a síntese de citocinas pró-inflamatórias (Larsson & Lucas, 2019).

REFERENCIAS

Banovic, F. (2019). Canine Cutaneous lupus erythematosus: Newly discovered variants. Veterinary Clinics: Small Animal Practice, 49(1):37-45.

De Lucia, M., Mezzalira, G., Bardagí, M., Fondevila, D. M., Fabbri, E. & Fondati, A. (2017). A retrospective study comparing histopathological and immunopathological features of nasal planum dermatitis in 20 dogs with discoid lupus erythematosus or leishmaniosis. Veterinary Dermatology, 28(2):200-e246.

Hargis AM, Myers S. 2017. The integument. In: Pathologic basis of veterinary disease (Zachary J F, McGavin M D, Edit.), 6º ed., Elsevier, St. Louis, Missouri, p. 1009-1146.

Hejazi, E. Z. & Werth, V. P. (2016). Cutaneous lupus erythematosus: an update on pathogenesis, diagnosis and treatment. American Journal of Clinical Dermatology, 17(2):135-146.

Larsson, C. E. & Lucas, R. (2019). Tratado de medicina externa: dermatologia veterinária. São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil: Interbook.

Mauldin EA, Peters KJ. 2016. Integumentary system. In: Pathology of domestic animals (Jubb KV, Kennedy PC, Palmer NC, Edit.), 6º ed., Elsevier, St. Louis, Missouri, vol. 1, p. 509-736.

Miller, W. H., Griffin, C. E., Campbell, K. L. & Muller, G. H. (2013). Muller and Kirk’s Small Animal Dermatology. Philadelphia, USA: Elsevier Health Sciences.

Miller WH, Griffin CE, Campbell KL. 2014. Dermatosis autoinmunes e inmunomediadas. En: Dermatología em pequeños animales (Muller & Kirk Edit.), 3º ed., Intermédica, Buenos Aires, p. 478-552.

Pinho, R. M., Monzón, M. F. & Simões, J. (2015). Dermatologia veterinária em animais de companhia.

Val, A. C. 2006. Doenças cutâneas autoimunes e imunomediadas de maior ocorrência em cães e gatos: revisão de literatura. Clínica Veterinária, 60, 68-74.

M.V. Bruno Lopes Rovai

•CRMV SP 48792 •Formado na Faculdade Anhanguera de Campinas Unidade 3
•Clínico Veterinário de Pequenos Animais na Empresa Animal Center- Norte Sul, desde 2019.

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