A importância do médico veterinário anestesista

Por Tiago Machado Carneiro Lucera

A importância do médico veterinário anestesista

Anestesia é a condição na qual há perda temporária, seja ela parcial ou total, da sensibilidade, induzida por fármacos anestésicos. Uma anestesia geral por exemplo, deprime o sistema nervoso central (SNC) devido a hipnose, ocasionando inconsciência, perda da percepção dolorosa (apesar de não possuir características analgésicas), relaxamento muscular, perda dos reflexos protetores e amnésia.

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Além da anestesia geral (intravenosa e inalatória), existem várias outras técnicas e fármacos que podem ser utilizados, e que visam permitir conforto durante o procedimento cirúrgico, mas nem sempre foi assim. É difícil imaginar que antes de tudo que sabemos hoje sobre anestesiologia, os pacientes eram submetidos a procedimentos cirúrgicos sem estarem anestesiados. Relatos dessa época descrevem como eram as estratégias utilizadas durante o ato cirúrgico, variando desde concussão cerebral até contensão física, evitando assim, que o paciente se movesse caso o procedimento fosse doloroso.

Avaliação prévia do paciente (antes da anestesia)- Foto: Arquivo pessoal

O advento da anestesia foi um dos maiores marcos históricos da humanidade, sendo considerado recente, uma vez que, seu surgimento remete há pouco mais de 150 anos. Nos Estados Unidos, no ano de 1846, o então dentista William Thomas Green Morton realizou a primeira anestesia pública bem sucedida para procedimento cirúrgico que se tem relato na história, cujo anestésico utilizado foi o éter (que sucedeu o óxido nitroso), administrado pela via inalatória. Já no Brasil, a primeira anestesia foi realizada algumas décadas depois, se difundindo posteriormente.

Mais importante do que o tipo de anestesia em si e suas associações, é o profissional que as realiza. Isto porque, com o crescimento das habilidades cirúrgicas e a realização de procedimentos cada vez mais invasivos, a utilização de óxido nitroso ou mesmo do éter passou a não ser suficiente para promover as condições propícias para o procedimento, o que culminava potencialmente em maiores complicações ou até mesmo no óbito de alguns pacientes. Deste modo, houve a necessidade da especialização médica em anestesiologia, promovendo conhecimento e habilidades específicas das diferentes técnicas anestésicas e estudos de novas substâncias com potencial anestésico e analgésico.

Com os avanços tecnológicos e estudos na área, a anestesiologia evoluiu, proporcionando, atualmente, segurança e comodidade. A anestesiologia tomou grandes proporções e hoje é impossível pensar em cirurgia e não a correlacionar com o procedimento anestésico.

Bombas de infusão funcionando durante anestesia parcial intravenosa (PIVA) – Foto: Arquivo pessoal

Tipos de anestesia

A anestesia mais difundida e conhecida ainda é a anestesia inalatória, talvez pelo fato histórico de ser a primeira técnica demonstrada para o mundo se tornando, com o passar dos anos, cada vez mais segura. Além da anestesia inalatória, outras técnicas também foram surgindo, como a anestesia intravenosa, dissociativa, locorregional e até mesmo a associação de duas ou mais destas. Esse é o caso da anestesia parcial intravenosa (PIVA), associação das técnicas inalatória e intravenosa, cuja função é proporcionar inconsciência e analgesia ao paciente, através da administração de fármacos voláteis e intravenosos, reduzindo a dose de ambos e consequentemente, reduzindo seus efeitos colaterais.

A anestesia inalatória é uma técnica anestésica que consiste na administração de um anestésico volátil pela via respiratória, o qual produz anestesia geral, diferente da anestesia dissociativa. Esta, por sua vez, é utilizada na contenção química do paciente, sendo útil em animais agressivos, já que pode ser administrada pela via intramuscular. Sua ação promove, ao mesmo tempo, depressão de uma porção específica do sistema nervoso e estimulação de outra resultando em uma anestesia sem hipnose, ou seja, o paciente não fica inconsciente durante a cirurgia. Por essa razão, a anestesia dissociativa pode ser aplicada apenas em procedimentos ambulatoriais que não envolvam dor moderadaa alta. De modo que, em todo procedimento que promove elevado grau de dor, como a castração de uma fêmea ou uma cirurgia ortopédica, torna-se apropriada autilização da anestesia geral, uma vez que não haverá redução suficiente da percepção dolorosa apenas com o uso da modalidade dissociativa.

Monitoração anestésica durante a cirurgia de uma ave – Foto: Arquivo pessoal

Por outro lado, outras técnicas como a anestesia intravenosa e a PIVA também têm sido empregadas no cenário veterinário, tais técnicas promovem inconsciência, atuando como anestésicos gerais. Apesar de serem recomendadas para procedimentos que causam elevado grau de dor, os anestésicos gerais devem ser associados a outras técnicas, como a infusão de analgésicos e/ou aos bloqueios locorregionais, complementando a analgesia. Nesse último caso, administra-se um anestésico local em uma região específica, que impedirá a transmissão do impulso nociceptivo (“impulso doloroso”) durante o procedimento, mesmo que o animal esteja consciente.

Organização dos equipamentos antes do procedimento anestésico – Foto: Arquivo pessoal

Presença do anestesista na equipe

Vários são os tipos e as técnicas anestésicas, mas qual é a mais segura? Esse questionamento é feito por diversos tutores, contudo muitos deles requerem para seu animal de estimação a utilização de técnicas específicas, como a anestesia inalatória ou dissociativa. Isso acontece por informações errôneas adquiridas ou por serem mal instruídos por profissionais sem conhecimento na área. Portanto, a presença de um veterinário anestesista sempre se faz necessária, já que seus conhecimentos em anatomia, fisiologia e farmacologia o tornam apto para escolher quais técnicas e fármacos utilizar em cada caso específico. Logo, a anestesia não deve ser tratada como uma receita pré-definida que pode ser utilizada em qualquer paciente e em qualquer situação, devendo ser tratada de forma específica e individual.

O anestesista veterinário tem como objetivo controlar todos os processos que antecedem a anestesia, assim como os eventos durante e após o procedimento. A avaliação inicial do paciente, através de exames, contribui para a compreensão dos parâmetros físicos e clínicos que ajudam a classificar os riscos e entender as necessidades do animal perante a anestesia. Características como espécie, raça, idade, peso corpóreo, gravidade e tipo de procedimento cirúrgico são alguns dos fatores também avaliados, permitindo ao veterinário anestesista escolher, dentre as inúmeras opções anestésicas, aquela que melhor adequa-se ao animal em particular.

O anestesista também é responsável por zelar pela vida do animal durante a cirurgia, através da monitoração contínua dos parâmetros fisiológicos como: frequência cardíaca e respiratória, pressão arterial, temperatura, eletrocardiografia, capnografia, saturação sanguínea de oxigênio, nível de consciência (profundidade anestésica), nível de analgesia, etc.

Mas afinal, por que com todas as vantagens, benefícios e necessidades do anestesista durante o procedimento cirúrgico, ainda são realizadas muitas cirurgias na veterinária sem a presença do profissional especializado na área? Será que todos os esforços, contribuições e estudos em anestesiologia são em vão?

Pois bem, considerando a explanação até o momento, mesmo sendo claro a importância do anestesista veterinário, ainda há um grande entrave em sua atuação: a desvalorização deste profissional especializado.  Algumas vezes, nota-se a preferência em se arriscar a vida do paciente, (utilizando técnicas e monitorações anestésicas inadequadas) a contratar o serviço anestésico específico, simplesmente visando o lucro do procedimento. Uma realidade triste que precisa ser dita, mas acima de tudo, precisa ser modificada.

Essa mudança começa com a conscientização dos colegas, visando o trabalho em equipe e a complementação das áreas, de modo a beneficiar tanto a classe veterinária, como o paciente. A mudança já pode ser notada em comparação com os anos anteriores, principalmente com a instrução vinda das universidades, mas ainda há muito a ser alcançado.

Referências:

Aguiar, A. J. A. História da Anestesia. In: Fantoni D. T., Cortopassi, S. R. G. Anestesia em Cães e Gatos. Ed Roca. 2ed. 2010, 3-10.

Maia, R. J. F., Fernandes, C. R. (2002). O alvorecer da Anestesia Inalatória: uma perspectiva histórica. Revista Brasileira de Anestesiologia, 52(6).

Wildsmith, T., Kelleher, E. (2012). The historyofanaesthesia. RCoAHonoraryCollegeArchivist. Disponível em: <www.rcoa.ac.uk/about-college/heritage/history-anaesthesia> Acesso em: 15/12/2020.

Tiago Machado Carneiro Lucera

Médico Veterinário graduado pela Universidade de São Paulo (USP/FZEA – Pirassununga-SP). Possui Residência em Anestesiologia Veterinária e Intensivismo nas áreas de Pequenos e Grandes Animais, além de Silvestres pela Universidade de Franca (UNIFRAN – Franca-SP). Mestrado em Ciência Animal, com ênfase em Anestesiologia Veterinária e Intensivismo, pela mesma instituição. Atuação e experiência em Anestesiologia e Intensivismo, exercendo atendimento especializado na área.

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