Ventilação mecânica em pequenos animais, quando indicar?

Por Maria Clara Magagnin de Aguiar e Alessandro Rodrigues de Carvalho Martins

Ventilação mecânica em pequenos animais, quando indicar?

Frequentemente, na rotina das Unidades de Terapia Intensiva e atendimentos de emergência, nos deparamos com situações críticas correlacionadas ao desconforto e angústia respiratória. A respiração consiste no processo fisiológico responsável pelas trocas gasosas, que envolve a entrada de oxigênio, e a remoção de gás carbônico, e isso depende do adequado funcionamento do sistema respiratório que compreende vias aéreas, traqueia, pulmões, diafragma, do funcionamento do sistema nervoso central e periférico,  e sistema circulatório, a interação desses sistemas permite que haja um volume adequado de ar para chegar até os alvéolos, e o fluxo sanguíneo no capilar pulmonar, o que resulta na troca gasosa. A falta de homeostase nesse processo resulta em insufiência respiratória. {PAYWALL_INICIO}

Paciente em Ventilação mecânica após Insuficiência respiratória tipo 2 – Parada cardiorrespiratória. Foto: Arquivo pessoa

A insuficiência respiratória pode ser classificada em:

Tipo 1: quando há insuficiência hipoxemica, onde há alterações nas trocas gasosas pulmonares na região da barreira alveolocapilar, acarretando hipoxemia. Pode ser causada por desequilíbrio na relação ventilação/perfusão – onde não ocorre perfusão sanguínea no capilar e ventilação nas unidades pulmonares estando algumas unidades altamente perfundidas, e outras sem perfusão adequada. Nas áreas de baixa perfusão o O2 alveolar é extraído pelo fluxo sanguíneo capilar, acarretando a diminuição da pressão alveolar de O2, havendo então uma mistura de sangue entre as áreas pouco perfundidas, com as áreas perfundidas corretamente. O resultado dessa mistura acarreta hipoxemia. O desequilíbrio na relação ventilação/perfusão é a principal causa de hipoxemia. Distúrbios de difusão também são comumente observados nas insuficiências respiratórias tipo 1, em que há incapacidade do sangue em se equilibrar com o gás alveolar, quando há diminuição da área de troca alveolocapilar redução do débito cardíaco e espessamento da barreira alveolocapilar, como ocorre nos quadros de edema pulmonar, e pneumonias, bem como sepse e distúrbios ácido – básicos.

Tipo 2:  é determinada quando a ventilação alveolar não pode ser mantida em valores satisfatórios para a demanda metabólica acarretando aumento da pressão parcial de CO2. Pode ocorrer quando há depressão do drive respiratório causado por alterações no sistema nervoso central como aumento da pressão intracraniana, meningoencefalites, parada cérebro-cardiorrespiratória traumas cranioencefálicos, efeito de fármacos, dentre ele os opióides, benzodiazepínicos, barbitúricos, uso de bloqueadores neuromusculares, anestésicos em geral. Distúrbios do sistema nervoso periférico junto a junção neuromuscular ou musculatura esquelética como polineuropatias, tétano, miastenias, intoxicações por rodenticidas. Aumento da demanda ventilatória ocasionada por politraumas, pneumotórax, efusão pleural, presença de corpo estranho, estenose ou colapso de traqueia, todos contribuindo para retenção de CO2 no organismo.

Foto 2: Paciente intubado devido a insuficiência respiratória Tipo 2 – narcose. Arquivo: UFAPE – Foto: Arquivo pessoal

A Ventilação com pressão positiva intermitente, com o auxílio de ventiladores mecânicos, tem sido a base para tratamento das insuficiências respiratórias tipo 1 e tipo 2, suas indicações consistem após a falha no uso de terapias com oxigênio de forma não invasiva (cateter nasal, terapias com alto fluxo) havendo manutenção da hipoxemia, bem como aumento da pressão parcial de CO2.

A oxigenação do paciente é avaliada através da hemogasometria observado os valores de PaO2 na amostra de sangue arterial, ao nível do mar, valores inferiores a 80 mmHg são entendidos como hipoxemia, quando abaixo de 60 mmHg são considerados hipoxemia grave, caso não haja possibilidade de avaliação hemogasometrica, a oximetria de pulso (spO2) pode ser de grande valia, espera-se que a oximetria esteja acima de 95%, valores próximos ou abaixo de 90% são considerados hipoxemia grave. Nesses casos quando há refratariedade no uso da oxigenoterapia convencional, há a indicação de sedação, intubação e ventilação mecânica com pressão positiva.

Hemogasometria arterial em paciente com insuficiência respiratória tipo 2 – pós parada cardíaca. – Foto: Arquivo pessoal

Outro ponto a se considerar na decisão de indicar um paciente a ventilação mecânica, está correlacionado à hipoventilação, onde por definição há um aumento na pCO2 (pressão parcial de oxigênio alveolar) chamada de hipercapnia. A hipoventilação é definida por uma pCO2 maior que 50 mmHg, pode ser observada em casos de trauma cranioencefálico, uso de opioides, sedativos ou anestésicos, bem como nas paradas cardiorrespiratórias e choques circulatórios. As elevações da pCO2 podem estar associados a aumento da pressão intracraniana, nesses casos a indicação da ventilação não está para suprir a hipoxemia, diretamente, mas para corrigir o aumento da pCO2, posteriormente ajustando os valores de pO2.

Animais que apresentam taquipneia, ortopneia, onde há uma dificuldade excessiva do processo respiratório, podem desenvolver exaustão respiratória, acarretando em óbito, mesmo que esses animais apresentem valores dos gases sanguíneos adequados. Nesses casos subentende-se que há uma dificuldade respiratória correlacionada a uma doença pulmonar de base, apresentando aumento da frequência respiratória, e esforço, com hipoxemia e hipocapnia. A presença de pCO2 normal ou elevada em um paciente com desconforto respiratório pode ser um sinal de fadiga muscular, reforçando a indicação para o uso de ventilação mecânica.

Casos correlacionados com intoxicações, geralmente se iniciam com uma insuficiência respiratória tipo 2, observando-se a retenção do CO2  devido à hipoventilação causada por alterações neurológias decorrentes da substância ingerida, contudo são casos que podem desencadear sintomas e alterações também correlacionados a hipoxemia, como no edema pulmonar não cardiogênico, por esforço respiratório, pneumonias aspirativas, podendo ser classificados tanto como insuficiência respiratória tipo2, quanto tipo 1. 

Em muitas situações correlacionadas a angústia respiratória pode haver necessidade de uma intervenção como a intubação previamente ao diagnóstico. A avaliação hemogasométrica se faz importante, tanto para confirmar a indicação da ventilação mecânica quanto para definir a extubação desse paciente.

O sucesso do desfecho desses pacientes está intimamente correlacionado a estabilização rápida das vias aéreas e, posteriormente, diagnóstico e tratamentos efetivos da causa da insuficiência respiratória.

Referências:

Basics for mechanical ventilation for dogs and cats. Veterinary Clinics Small Animal Practice, 2013; 43: 955-969

Use of positive-pressure ventilation in dogs and cats 41 cases (1990-1992). J Am Vet Med Assc. 1994; 204: 10045-1052

Indications and options for mechanical ventilation. Marini J.J. Wheeler A.P. Critical Care Medicine 2010: 129-147

Ventilation Managemant for Neuromuscular DiseaseSemin Respir Crit Care Med 2016; 23(3): 293-306

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Hemogasometric evaluation during the Inflow Occlusion thecnique in the heart applied by different periods of time in health dogs. Braz.J.Vet.Res.Anim.Sci; 37, 234-248 – 2000 Braz. j. vet. res. anim. sci ; 37(3): 234-248, 2000

Maria Clara Magagnin de Aguiar

•Graduada em medicina veterinária pela Anhembi Morumbi •Pós-graduação em clínica médica pelo Instituto Qualitas •Pós-graduação em terapia intensiva, UNIP •Médica Veterinária Intensivista – UFAPE SP •Responsável pelo setor de terapia intensiva e internação da UniVET – Ribeirão Preto

Alessandro Rodrigues de Carvalho Martins

•Doutor em Anestesiologia FM-USP •Residência em Anestesiologia UNESP- Jaboticabal •Especialização em Anestesiologia Veterinária FMVZ-USP •Especialização em Ventilação Mecânica no Adulto HNSL •Presidente da APAV •Sócio Proprietário da UFAPE

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