Uso do ômega 3 na cardiologia veterinária

Por: Jéssica Cristina de Barros1, Paulo Ernesto Tofano Neto2, Daniel Paulino Junior3

Uso do ômega 3 na cardiologia veterinária

O aumento da expectativa de vida dos animais de companhia proporciona o diagnóstico de doenças crônicas. As cardiopatias, vasto grupo de doenças que acometem o sistema cardiovascular são rotineiramente tratadas pelos médicos-veterinários com o intuito de promover aumento na qualidade de vida desses pacientes.

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 Para tanto, a busca por medicações que reduzam reações pró-inflamatórias são de grande valia e a exemplo disso, o ômega 3 vem sendo amplamente estudado em humanos e na medicina veterinária. Tendo em vista que os mamíferos não produzem ácidos graxos de cadeia longa – ômega 3, torna-se um suplemento essencial na dieta de cães e gatos. São derivados de óleo de peixe marinho e possuem como principais efeitos benéficos a atividade antioxidante, antiarrítmica e redução da perda de massa muscular nos pacientes em estágios avançados da doença.

Palavras-chave: ácidos graxos, antiarrítmico, caquexia, cardiopatia.

Durante anos o uso indiscriminado de gorduras na alimentação foi associado a complicações como doença coronariana em humanos, obesidade, dislipidemia entre outras. Porém, quando distribuídos em concentrações ideias, os ácidos graxos possuem funções importantíssimas no organismo como função imunológica e resposta inflamatória.1

Os ácidos graxos nada mais são do que parte estrutural do triglicerídeos, e o que possui maior destaque por apresentar características benéficas é o ômega 3, ganhando destaque nas linhas de pesquisa em humanos e não contrariamente em animais. Ainda, existem vários ácidos graxos ômega-3, mas os mais comuns são o ácido α-linolênico (ALA), ácido eicosapentaenóico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA).2

Além da produção de menos eicosanóides inflamatórios, os ácidos graxos ômega-3 também reduzem a produção de mediadores inflamatórios que são conhecidos por estarem elevados na insuficiência cardíaca: as citocinas inflamatórias, fator de necrose tumoral-α (TNF), interleucina-1β (IL-1) e interleucina-6 (IL-6); fator de transcrição κB (NF-κB).3

Conhecidamente a insuficiência cardíaca possui uma elevada produção de citocinas pró-inflamatórias devido à alta produção secundária a ativação da cascata do ácido araquidônico. A diminuição sérica de EPA e DHA foram observadas em cães apresentando quadros congestivos graves.1

Baseando-se no mesmo conceito, a agregação plaquetária pode ser suprimida pela redução da produção de tromboxano. Felinos com cardiomiopatia hipertrófica e que se enquadram para fatores de risco podem ser candidatos a suplementação dietética. Porém, nenhum estudo conseguiu comprovar esse efeito, em um dos poucos trabalhos nessa linha de pesquisa os resultados foram pouco encorajadores tendo em vista o maior tempo de sangramento e menor pico de agregação plaquetária nos gatos suplementados com ácido graxo.2

A caquexia de origem cardíaca é outro ponto de interesse da classe médica, pode estar presente nos pacientes classificados em estágios avançados. Nota-se uma redução na perda de massa muscular em cães que foram suplementados com ômega 3, pacientes esses com diagnóstico de cardiomiopatia dilatada, principal enfermidade em que se observa o emagrecimento expressivo dos cães. A dose utilizada no estudo em questão foi de 25mg/kg de EPA e 18mg/kg de DHA, durante 8 semanas. A hipótese que firma o resultado é diminuição da concentração plasmática de interleucinas IL-1 e prostaglandina, reduzindo a atividade inflamatória da afecção.2,4 Ainda, foi comprovado em estudos anteriores que a caquexia cardíaca está associada a uma sobrevida mais curta, ressaltando a importância da prevenção deste efeito.5

O último consenso publicado para direcionar diagnóstico e tratamento da doença valvar mitral em cães sugere que pacientes com perda de peso, caquexia ou arritmia sejam beneficiados com a suplementação com ômega 3.6

O potencial antiarrítmico do ômega 3 é sem dúvida a principal linha de pesquisa em humanos e na veterinária. Em modelo experimental utilizando cães da raça boxer com cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito comprovou-se a eficácia do óleo de peixe na redução no número de complexo ventriculares prematuros (VPC). A dose diária utilizada para esses animais foi de 780mg/dia EPA e 497mg/dia DHA.7

Além dos benefícios já descritos, efeitos positivos adicionais foram descritos em humanos, reduzindo a incidência de insuficiência cardíaca e em cães, houve melhora na sobrevida dos animais em um estudo delineado com 108 cães com diagnóstico de doença valvar mitral.8,9 A ação antinflamatória, melhora no apetite, redução da caquexia e efeito antiarrítmico contribuem para este resultado. Outros fatores como redução no remodelamento cardíaco, redução da frequência cardíaca e por consequência da pressão arterial, melhora da função endotelial e aumento da variabilidade da frequência cardíaca corroboram para a comprovação dos efeitos.8

Dentre os efeitos colaterais descritos em pacientes suplementados com ômega, os sinais gastrointestinais são relatados, mas sem relevância clínica sendo o vômito e a diarreia os achados comuns. No que diz respeito a contraindicação, tendo em vista a capacidade de reduzir a atividade de agregação plaquetária, pacientes trombocitopênicos devem ser suplementados com cautela e com acompanhamento próximo.9

Nos casos em que a suplementação é exclusivamente oriunda da dieta, é de suma importância ressaltar aos tutores que o alimento deve ser consumido em média de 4 – 6 semanas levando em consideração a possibilidade de oxidação. Ainda pouco lembrado, o sabor do óleo de peixe pode não ser bem aceito pelo paciente. Alguns animais não apresentam dificuldade de aceitação e adaptação, porém, alguns animais não toleram a administração diária da cápsula ou mesmo da suplementação diretamente no alimento e nesses casos, a suspensão da administração deve ser ponderada, evitando a possibilidade de causar aversão do paciente ao alimento. 10,12

Como a suplementação dietética não é de necessidade de regulamentação pela ANVISA em apresentações de até 2000mg, problemas relacionados a pureza dos óleos podem ser comumente relatados, ainda, o custo varia muito de empresa e farmácia de manipulação. Uma empresa canadense, criou um projeto denominado IFOS com o intuito de certificar a nível mundial o grau de pureza e segurança clínica do ômega 3. 13

A dose recomendada para cães e gatos cardiopatas é de 40mg/kg de EPA 25mg/Kg de DHA por dia. Tendo em vista que a apresentação mais frequente é de 180mg e EPA e 120 de DHA por cápsula de 1 g, recomenda-se uma cápsula para 4,5 Kg de peso corporal por dia.1

No entanto, deve-se considerar que a nutrição dos cães e gatos também está em constante evolução, havendo a introdução do ômega 3 nas principais formulações. O que deve ser considerado é a concentração mínima do ácido graxo par atender a dose de 40mg/kg de EPA e 25mg/Kg de DHA, para que este objetivo seja alcançado o alimento precisa conter 80 a 150mg/100 Kcal de EPA + DHA. Caso os níveis de ômega 3 na dieta estejam abaixo do descrito, sugere-se a suplementação.1

Os efeitos do ômega 3 podem ser observados após 7 dias do início da administração, no entanto o pico de concentração plasmática mormente é atingido de 4 a 6 semanas. Informações como essa devem ser repassadas aos tutores para maximizar a aceitação do protocolo terapêutico, tendo em vista que outras medicações se fazem necessárias dependendo do estágio da doença. 11

Diante do exposto, vários benefícios foram comprovados em estudos clínicos sobre a suplementação de pacientes cardiopatas tanto humanos quanto animais. Maiores estudos devem ser desenvolvidos para que outras indicações possam ser firmadas.

Referências bibliográficas

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1 Médica Veterinária responsável pelo serviço de cardiologia veterinária da UNIVET – Ribeirão Preto/SP. 2 Médico veterinário diretor clínico e sócio proprietário da UNIVET – Ribeirão Preto/SP.​

Me. Jéssica Cristina de Barros

Médica veterinária responsável pelo serviço de cardiologia veterinária da UNIVET – Ribeirão Preto/SP, realizando atendimento especializado, ecocardiograma e eletrocardiograma.
Médica veterinária pela Universidade Brasil – campus Descalvado/SP (2014)
Residência em clínica médica de pequenos animais pela Universidade de Franca – UNIFRAN – Franca/SP (2015-2017)
Mestre em ciência animal com ênfase em cardiologia veterinária pela Universidade de Franca – UNIFRAN – Franca/SP (201-2019)
Pós-graduada em cardiologia veterinária pela ANCLIVEPA/SP (2019)
Associada da Sociedade Brasileira de Cardiologia Veterinária – SBCV
MBA em gestão hospitalar pela Universidade Anhembi Morumbi/SP (2020)

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M.V. Paulo Ernesto Tofano Neto

Médico veterinário diretor clínico e sócio proprietário da UNIVET – Ribeirão Preto/SP.
Médico veterinário pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU

Dr. Daniel Paulino Junior

Médico veterinário pela Universidade de Marília – UNIMAR
Residência em clínica médica de pequenos animais pela Universidade de Marília – UNIMAR
Mestrado e doutorado em clínica médica de pequenos animais com ênfase em cardiologia veterinária pela UNESP – campus Jaboticabal
Professor do programa de pós-graduação em ciência animal Universidade de Franca – UNIFRAN
Professor de graduação em medicina veterinária na Fundação Educacional de Ituverava · FAFRAM

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