Otites em cães e gatos

Por Mv. Msc. Cibele Nahas Mazzei

Otites em cães e gatos

As otites em cães e gatos acompanham a maioria dos casos dermatológicos, o que torna a abordagem diagnóstica e o tratamento das mesmas uma competência extra do dermatologista. São queixa bastante frequente na clínica médica de pequenos animais, e afetam até 20% dos cães e 5% da população felina.

O que é otite?

É uma inflamação da orelha de cães e gatos, podendo ser, quanto à localização do processo inflamatório, classificada como otite externa, média ou interna. As otites externas são as mais frequentes, e envolvem o meato acústico externo, que vai desde o pavilhão auricular, passando pela porção vertical e horizontal do conduto auditivo, chegando até a membrana timpânica, que é a estrutura que separa a orelha externa da orelha média.

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Já as otites médias e internas, por sua vez, normalmente decorrem de otites externas crônicas em que o tímpano é afetado, levando à inflamação ou infecção da orelha média, onde se localizam as estruturas responsáveis pela audição e equilíbrio.

Em felinos as otites médias podem ser decorrentes de infecções respiratórias virais ou bacterianas, que por via ascendente (tuba faringo-timpânica) atingem a orelha média.

As otites normalmente acompanham outras dermatopatias primárias, mormente as de natureza alérgica, tais como atopia, alergia alimentar e alergia a picada de pulgas,  bem como as disqueratoses e problemas hormonais, sendo, nestes casos, classificadas como otites secundárias.  As otites primárias são raras.

As otites primárias podem ser de origem parasitárias, ditas “sarna de orelha”, causadas por ácaros como Otodectes sp, Demodex sp e Sarcoptes sp.

Podem também ser fúngicas, onde uma levedura, chamada Malassezia sp, que faz parte da própria microbiota da orelha se multiplica e ocasiona inflamação e coceira. Pode ser ainda de natureza bacteriana, onde haverá dor e um material purulento ou catarral no meato acústico. Este é o tipo que exige mais cuidados e atenção pois uma otite bacteriana mal curada pode levar a perda auditiva e até mesmo a sintomas neurológicos graves.

Em casos de otite média ou interna podem surgir sintomas como dor na articulação têmporo-mandibular, sensibilidade intensa à manipulação, cabeça pendente, diminuição do reflexo palpebral, Síndrome de Horner, Síndrome vestibular, paralisia facial. As otites internas podem culminar em abscesso cerebral e meningite.

De tanto balançar a cabeça, os cães e gatos otopatas podem desenvolver um hematoma do pavilhão, chamado otohematoma, que deve ser drenado ou corrigido cirurgicamente.

As otites são muito mais comuns em cães do que em gatos, e isto se deve, dentre outros fatores, à conformação anatômica da orelha dos cães.

Certas raças caninas apresentam pavilhões pendulares, como por exemplo o Cocker Spaniel, o Beagle, o Basset Hound, o que impede a ventilação adequada dos meatos e ajuda a mantê-los mais úmidos. Ainda, o estreitamento do conduto auditivo observado em raças como o Shar Pei, e o Pug , dentre outras, dificulta a limpeza e a proteção contra umidade excessiva no momento do banho. Certas raças caninas também apresentam a desvantagem de produzir cerume em excesso, o que contribui para que nesta raça a ocorrência de otites seja bem maior.

Neoplasias, pólipos, colesteatomas dentre outros são tidos como fatores perpetuantes de otites crônicas e devem ser corrigidos cirurgicamente.

O primeiro passo para o tratamento correto das otites, seria identificar se há agentes infecciosos ou parasitários envolvidos, tais como fungos, bactérias, ácaros, bem como células inflamatórias e/ou neoplásicas. Para isso, recorremos ao exame citológico do exsudato ótico, cuja amostra é colhida no consultório sem necessidade de contenção ou sedação do animal, através do uso de “swab”ou zaragatoa no canal vertical da orelha externa.

É feito um esfregaço em lâmina de microscopia, que é submetido à coloração panótica e analisado ao microscópio. Para pesquisa de ácaros, não há necessidade de corantes, apenas o exame direto do cerume sobre o qual se pinga uma gota de óleo mineral ou hidróxido de potássio a 10%, que ajuda a clarificar o meio.

Uma vez identificados os agentes envolvidos na otite, pode se optar por exames de cultivo bacteriológico e antibiograma, reservado para casos em que predominam bacilos na lâmina ou em otites recorrentes e crônicas.

Podemos, também, solicitar exames de imagem, como tomografia de crânio, ultrassonografia do meato acústico e radiografia simples ou contrastada, quando há suspeita de otites médias ou internas.

A tomografia, dentre os exames de imagem, é o mais sensível e traz informações precisas sobre possíveis massas tumorais ou colesteatomas, bem como a presença de conteúdo líquido na bula timpânica.

Quando estamos diante de otites externas, não optamos por tratamentos sistêmicos, somente tópicos, pois a concentração de antibióticos e anti fúngicos sistêmicos na orelha média é muito baixa, o que torna esta via de tratamento ineficaz. As otites externas, portanto, devem sempre ser tratadas de forma tópica.

A escolha do medicamento depende do que foi observado na citologia.

Diante da presença de bactérias, nas otites externas, nem sempre devemos recorrer a cultivos microbiológicos para poder escolher o antibiótico tópico, pois o tratamento tópico nos permite utilizar antibióticos cuja concentração excede em muito a concentração inibitória mínima testada pelos laboratórios nos exames de antibiograma, o que faz com que mesmo diante de uma eventual resistência microbiológica, haja eficácia do tratamento. Contudo, em otites recorrentes e crônicas, em que na citologia predominam bactérias do tipo bastonetes ou bacilos, a cultura bacteriana é fundamental, bem como diante de otites médias e internas, que necessitam obrigatoriamente de antibiótico oral ou injetável por 3 a 8 semanas.

A segunda etapa do tratamento consiste em limpar adequadamente o meato acústico, utilizando para isto ceruminolíticos, mucolíticos ou lavagem ótica, realizada em animais com abundante exsudato ou cerume ou, ainda, naqueles que não permitem uma adequada limpeza por parte do proprietário.

A lavagem ótica deve ser realizada com auxílio de fibrotoscópios, mediante anestesia geral com animal entubado.

Caso se opte pela limpeza em casa, isto deverá ser feito 2 vezes ao dia por 3 a 5 dias.

Um erro muito comum dos colegas veterinários é associar no mesmo momento a limpeza com ceruminolíticos ou mucolíticos, com antibiótico tópico. Isto aumenta muito a chance de ineficácia do tratamento, uma vez que os produtos para limpeza ótica, na sua maioria, contêm pH ácido, o que inativa grande parte dos antibióticos tópicos. E, ainda, o biofilme produzido pelas bactérias, também inativa certos antibióticos e anti fúngicos.

Portanto, a limpeza deve ser feita antes de se iniciar o tratamento medicamentoso local.

O terceiro passo, seria identificar e tratar a causa primária, que na maioria das vezes são alergopatias, tais como hipersensibilidade alimentar e dermatite atópica. Lembrando que quando as otites secundam as dermatopatias alérgicas, é muito provável que haja recorrências ao longo da vida, e para evitar isto devemos fazer tratamentos de manutenção, como limpeza semanal ou mesmo aplicação semanal de algum medicamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1-Tratado de Medicina Externa (medicina veterinária); Larsson &Lucas.

2-Small Animal Dermatology; Miller Griffin Campbell.

Mv. Msc. Cibele Nahas Mazzei

Graduada pela USP e mestre em dermatologia pela mesma instituição. Foi professora das universidades Anhembi Morumbi e Uni ABC. Sócia fundadora da SBDV. Proprietária da Dermatopet: clínica veterinária especializada em dermatologia em São Paulo capital.

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