Intertrigo: revisão de literatura

Por Natasha Ohana

RESUMO

A ocorrência de dermatopatias é cada vez mais comum na casuística da clínica de pequenos animais, principalmente em cães. As piodermites são classificadas em três tipos de acordo com a profundidade da infecção: externas, superficiais e profundas. O intertrigo é caracterizado por uma piodermite externa, onde há colonização bacteriana somente na superfície epidérmica do tegumento e, ocorre devido a alterações anatômicas da pele em determinadas raças. O tratamento da mesma deve ser realizado por via tópica principalmente, porém os tutores devem estar cientes que estes servem para controlar a condição da pele, pois há casos em que é necessário intervenção cirúrgica para a cura.

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Palavras-chave: dermatite de dobra, intertrigo.

Introdução:

Intertrigo ou dermatite de dobra cutânea é uma condição inflamatória da cutis resultante do atrito da mesma com a pele adjacente1,2,3. Normalmente é associado a alterações anatômicas da pele em determinadas raças2, podendo esta ser de dobra labial, facial, vulvar, corporal e caudal1,4. Essas dobras criam um ambiente propício para o crescimento bacteriano e consequente infecção secundária, por facilitar o acúmulo de secreções por meio da umidade, aumento de temperatura, falta de ventilação e higiene adequada destes locais4,5,8. Para Da Silva (2009), a presença de exsudato também atua como nutriente para os microorganismos.

Características clínicas/predisposição racial:

A dermatite de dobra labial é decorrente da sobreposição de pele em excesso do lábio inferior¹, e acomete cães de lábios volumosos², como Cocker Spaniels, São Bernardos, Terra Nova, Golden Retriver, Labrador Retriver e Setter Irlandês8. É caracterizada por eritema, as vezes úlcera, e geralmente possui uma camada de exsudato por acúmulo de partículas de alimento e saliva1,2,4 (FIGURA 1), que promove um odor pútrido, fazendo com que este seja o motivo da consulta veterinária, de acordo com os tutores1,4,8.

Figura 1 – Dermatite de dobra labial, com área extensa de eritema e erosão da dobra labial de um Cocker Spaniel.
Fonte: A – Nuttall, T., Harvey, R. G., McKeever, P.J., 2011, p. 56

A dermatite de prega facial ocorre mais frequentemente em raças braquicefálicas1,2, como Pequinês, Bulldog Inglês, Bulldog Francês, Pugs e gatos Persas1,8. A ligação do crânio com o focinho e a região sob os olhos são as áreas mais acometidas (FIGURA 2), e é caracterizada por maceração e inflamação em reação ao acumulo de secreções sebáceas ou apócrinas, o que pode resultar em infecção bacteriana secundária4,5, além de ceratite, epífora, ulceração, dor e blefaroespasmo devido o atrito dos pelos na córnea8.

FIGURA 2 – Dermatite de prega facial em Pug com presença de blefaroespasmo, hiperemia conjuntival, epífora, mas sem presença de ulcera de córnea. Fonte: arquivo pessoal.

A dermatite de prega vulvar é ocasionada pelo acúmulo de urina e secreções vaginais em fêmeas obesas e/ou com vulva infantil ou retraída no interior de uma dobra perivulvar1,2,4,8.Esta resulta em dermatite perivulvar superficial, vaginite, infecção do trato urinário repetidos, incontinência urinaria, polaciúria e dor8.

A dermatite de dobra corporal ocorre em animais que possui pregas de pele em tronco ou membros, como Basset Hounds e Shar Pei1. Já a dermatite de dobra de cauda ocorre em raças com cauda em “saca-rolha”2,4, 6 (FIGURA 3) como Bulldog Inglês, Boston Terriers, Pugs¹ e gatos Manx8, e é resultante do atrito da cauda sobre a pele do períneo e sob a pele que se dobra sobre a cauda1,7. Ambas as dermatites têm o acúmulo de secreções superficiais que culmina em inflamação e infecção secundaria1.

FIGURA 3. Dermatite de dobra caudal com presença de discreta descamação de epiderme, alopecia com presença Malassezia pachydermatis em um Pug (A). Dermatite de prega caudal com presença de eritema, alopecia ao redor da base da cauda em um Bulldog Inglês (B). Fonte: A – arquivo pessoal. B – Nuttall, T., Harvey, R. G., McKeever, P.J., 2011, p. 56.

Diagnóstico:

Essa afecção pode ser diagnosticada por meio dos achados clínicos1, mas os esfregaços de impressão ou fitas adesivas e raspados de pele devem ser realizados para detectar presença de fungo (principalmente Malassezia pachydermatis e Candida spp) ou bactéria1,3,4,8, e descarte de Demodex canis, respectivamente. A dermatite atópica, reação alimentar adversa cutânea e o linfoma epiteliotrópico são outras injúrias que devem entrar no diagnostico diferencial do intertrigo1,5.

Tratamento:

O tratamento deve ser realizado por meio da tricotomia ampla da região afetada1,8, seguido de limpeza com shampoos antimicrobianos3,4,7 como: miconazol a 2% com clorexidina a 2%; clorexidina 2-4%; enxofre 2% com ácido salicílico a 2%; peróxido de benzoíla a 2,5%. Lesões úmidas podem ser tratadas de duas a três vezes ao dia com solução anti-séptica secante como o acetato de alumínio (solução de Burrow) durante 5 minutos1,7.

A aplicação de creme ou pomada de mupirocina duas vezes ao dia é eficaz no tratamento e no controle dos componentes bacterianos dessa condição. No entanto quando há presença de piodermite bacteriana profunda, o tratamento com antibióticos sistêmicos deve ser indicado1, 2,4.

A seleção do antibiótico sistêmico pode ser realizada de forma empírica ou por meio do resultado de exames de cultura e antibiograma. Empiricamente, o antibiótico escolhido deve apresentar espectro contra Staphylococcus intermedius e não deve ser inativado pela β-lactamase. Os antibióticos mais recomendados para o tratamento são: amoxicilina com ácido clavulânico, cefalexina, lincomicina, clindamicina, sulfonamidas potencializadas por trimetoprim e enrofloxacina3,4,7(TABELA 1).

TABELA 1. Principais antibióticos empregados no tratamento das piodermites caninas.
GE:gastrenterite, PU: poliúria, PD: polipdisa, CCS: cetaroconjuntivite seca, SID: uma vez ao dia, BID: duas vezes ao dia, TID: três vezes ao dia. Fonte: Modificado de DA SILVA, A. P, 2009, apud Ihrke, P. J., 2006.

Os quatro primeiros antibióticos são de primeira escolha, já que apresenta espectro amplo bem tolerado e possui atividade anti-estafilocócica. A sulfonamida pode ser útil para infecções por Staphylococcus aureus ou S. pseudointermedius3,6,7. Já a enrofloxacina é um antimicrobiano de segunda escolha, pois o desenvolvimento de resistência é uma preocupação maior para a saúde animal e humana, sendo necessário ouso, quando os medicamentos de primeira escolha não foram eficazes6.

Ainda sobre o tratamento, os tutores devem ser conscientizados de que o mesmo serve para controlar a condição da pele, mas que a intervenção cirurgica é necessária para a cura. A queiloplasia e episioplastia são técnicas cirurgias realizadas para a dermatite de dobra labial e vulva, respectivamente. Enquanto que a amputação de cauda com remoção de pele redundante é indicada para dermatite de dobra caudal. As dobras faciais e corporais também podem ser removidas cirurgicamente1,8

Conclusão:

Face ao exposto, o intertrigo é uma piodermite externa de grande importância na clínica de pequenos animais, principalmente nas raças predispostas, já que culmina em infecção secundária não apenas da pele, mas sim do sistema próximo da região acometida, por exemplo, infecção de trato urinário secundária a ascendência bacteriana por dermatite perivulvar. E que dependendo da gravidade da afecção, a mesma deve ser tratada não apenas de forma medicamentosa, mas também cirurgicamente para se estabelecer a cura.

REFERÊNCIAS:

01 – NUTTALL, T., HARVEY, R. G., MCKEEVER, P. J. Intertrigo. Manual Colorido de Dermatologia em Cães e Gatos. 2° ed – Rio de Janeiro: Revinter, 2011, cap. 1, p. 55-56.

02 – DE FIGUEIREDO, M. A. Piodermites em cães: uma revisão. 2020. 82 f. Monografia (Conclusão do Programa de Residência em Clínicas Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.  Disponível em: <<https://repositorio.usp.br/directbitstream/4572f395-0152-4f62-8149-831f5dd2e76a/Mariana_Alves_de_Figueiredo_Piodermites_em_caes.pdf>>.

03- Lloyd, D. (1996). Dealing with cutaneous staphylococcus infection in dogs. In Practice, 18(5), 223–231. doi:10.1136/inpract.18.5.223 

04- DA SILVA, A. P. Ocorrência causas de piodermite em cães no hospital veterinário universitário da Universidade Federal de Santa Maria (2004-2008). Monografia de especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul, 2009. Disponível em:<<https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/17456/TCCE_RMV_2009_SILVA_ANA.pdf?sequence=1&isAllowed=y>>.

05- BECO, L. et al. Suggested guidelines for using systemic antimicrobials in bacterial skin infections (1): Diagnosis based on clinical presentation, cytology and culture. Veterinary Record, v. 172, n. 3, p. 72, 2013.doi:10.1136/vr.101069. Disponível em: <<https://bvajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1136/vr.101069>>.

06- BECO, L. et al. Suggested guidelines for using systemic antimicrobial bacterial skin infections: part 2 –antimicrobial choice, treatment regimens and compliance. Veterinary Record, v. 176, n. 6, p. 156-160. doi:10.1136/vr.101070. Disponível em: <<https://bvajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1136/vr.101070>>.

07- LLOYD, D. H., LAMPORT, A. I., & FEENEY, C. (1996). Sensitivity to antibiotics amongst cutaneous and mucosalisolates of canine pathogenic staphylococci in the UK, 1980-96. Veterinary Dermatology, 7(3), 171–175. doi:10.1111/j.1365-3164.1996.tb00242.x 

08 – FOSSUM, T.W. Cirurgia do Sistema Tegumentar – parte 2. Cirurgia de Pequenos Animais. 4° ed – Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, cap. 16, p. 273- 278.

Natasha Ohana Fernandes da Silva

Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade Paulista – Swift. Realiza atendimento em Clínica Médica de Pequenos Animais (Hospital Veterinário Stevenson). [email protected]

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