Hipertensão arterial em felinos

Por Vanice Correto Dutra Allemand

Hipertensão arterial em felinos

Como identificar essa condição na clínica, causas da hipertensão e condições para aferir a pressão arterial desse pet

Médico veterinário, verificação de pressão arterial de um gato – Foto: IstockPhoto/herraez

A hipertensão sistêmica é uma condição comum em gatos mais velhos e geralmente é secundária a outras doenças como o hipertireoidismo ou a doença renal crônica. Ela é verificada através da mensuração da pressão arterial em consultório, porém, como este procedimento não é realizado frequentemente, muitas vezes a hipertensão passa despercebida. O animal hipertenso pode não manifestar sintomas muito evidentes. Às vezes se observa apenas uma mudança de comportamento (como inquietação, sono agitado, letargia, etc.). Outras vezes a hipertensão só é descoberta quando atinge “órgãos alvo”, causando manifestações muito explícitas, como cegueira repentina e alterações neurológicas agudas (secundárias a acidentes vasculares cerebrais). Também pode causar alterações em coração e rins, que podem ser permanentes ou não.

Embora a maioria dos gatos diagnosticados com hipertensão tenha uma doença sistêmica que justifique seu aparecimento, cerca de 20 % dos gatos hipertensos não apresentam nenhuma causa de base aparente. Quando ela existe, ambas as condições devem ser tratadas concomitantemente.

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Método para a mensuração da pressão

Normalmente a pressão é mensurada através da auscultação indireta do pulso do felino com o auxílio de um aparelho Doppler, que vai amplificar o volume do som produzido pelo pulso em um dos membros ou na cauda do animal. Assim como nos humanos, coloca-se um manguito de tamanho adequado no membro escolhido para a mensuração e infla-se o mesmo, até haver a obstrução do fluxo sanguíneo. Depois relaxa-se o manguito, até que o fluxo sanguíneo volte, obtendo-se assim a mensuração da pressão com um esfignomanometro. É muito importante que essa mensuração seja realizada da forma mais calma possível, e repetidas vezes, pois o estresse do animal pode alterar momentaneamente a pressão.  Como o Doppler precisa ficar em contato direto com a pele para poder ajudar a identificar o pulso, normalmente é necessário molhar o pelame da região com álcool e gel de ultrassom para permitir que ele seja encontrado.

Como a pressão arterial pode se alterar muito facilmente com o estresse do indivíduo, ela deve ser realizada num local calmo, sem muitos ruídos e longe de outros animais. Idealmente o gato deve ser aclimatado na sala por 5 a 10 minutos antes de se realizar a medição da pressão e durante o procedimento ele deve sofrer o mínimo de manipulação e contenção possível, de preferência com apenas um auxiliar ajudando. Caso o animal fique agitado, deve-se parar o procedimento e esperar que ele se acalme para reiniciar a mensuração.

Considera-se hipertenso e com risco de desenvolvimento de alterações em órgãos-alvo o gato que apresenta pressão arterial mensurada acima de 160mmHg, sendo que o risco é muito alto em gatos severamente hipertensos, cuja pressão é acima de 180 mmHg.

Regulação da pressão arterial

A pressão arterial é um produto do Débito Cardíaco e da Resistência Periférica Total. O débito cardíaco, por usa vez, depende do volume sanguíneo sistólico e da frequência cardíaca.

Esses fatores (volume sistólico, frequência cardíaca, resistência vascular periférica total), são regidos por um conjunto complexo de mecanismos neurais e hormonais que envolvem cérebro, coração, vasos sanguíneos, rins e fatores teciduais locais, a fim de manter a pressão arterial sempre em um nível adequado para o bom funcionamento do organismo.

O fator predominante na resistência periférica total é o tamanho das arteríolas, que é afetado pela circulação sistêmica, tecido local e fatores derivados das paredes dos vasos sanguíneos (endotélio). O volume sanguíneo é controlado pelos rins, através da excreção de água juntamente com o sódio, em resposta a mudanças no volume sanguíneo (por alterações de perfusão dos rins) e do sistema renina-angiotensina-aldosterona. O sistema renina-angiotensina-aldosterona é um sistema hormonal que afeta diretamente a resistência vascular periférica via “produção” da angiotensina II, que é um potente vasoconstritor. Também afeta o volume sanguíneo através da absorção renal de sódio e agua, que são mediadas pela aldosterona.

Os rins conseguem, até certo ponto, regular sua pressão vascular internamente, porém quando eles estão deficientes ou quando há uma alteração muito grande da pressão sistêmica, pode haver alteração da pressão sanguínea dentro dos rins, causando lesões renais (glomerulosclerose).

Tipos de hipertensão

A hipertensão pode ser idiopática ou primária (quando não há nenhuma doença primária aparente) ou pode ser secundária, quando é possível identificar uma doença ou utilização de medicações que justifiquem o aparecimento da hipertensão.

Hipertensão idiopática ou primária

Considera-se que cerca de 13 a 20 % dos gatos com hipertensão tenham hipertensão primária.

Ainda não se sabe qual a importância dos fatores genéticos ou ambientais para o aparecimento da hipertensão primária.  Também são necessários mais estudos para determinar o quanto pacientes doentes renais crônicos, ainda sem alterações da ureia e creatinina sanguíneas, podem já apresentar hipertensão arterial.

Hipertensão Secundária

A hipertensão secundária é a forma mais comum de hipertensão em gatos. Pode ocorrer em muitas doenças, como:

Doença Renal Crônica: É a alteração mais comum associada a doença renal crônica em felinos.

Cerca de 75% dos animais com hipertensão têm alteração da ureia e creatinina. Entretanto, entre 16 e 65% dos doentes renais crônicos são hipertensos.

Nos casos de doença renal em humanos, a redução do fluxo sanguíneo renal leva à ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, o que resulta em vasoconstrição e aumento da resistência sanguínea periférica, levando a um subsequente aumento na pressão. Também ocorre a retenção de sódio e líquidos, aumentando o volume sanguíneo, o que também pode aumentar a pressão. Além disso, a ativação do sistema nervoso simpático, mudanças estruturais nas arteríolas, disfunção endotelial e estresse oxidativo também estão implicados na hipertensão arterial presente na doença renal.

Em gatos não se sabe exatamente como ocorre a hipertensão secundária à doença renal, mas acredita-se que o aumento do tônus vascular seja o principal fator.

Hipertireoidismo: A hipertensão afeta cerca de 10 a 23% dos gatos com hipertireoidismo no momento do diagnóstico, embora alguns destes gatos tenham doença renal crônica concomitantemente. Além disso, cerca de 25% dos gatos com o hipertireoidismo controlado desenvolverão hipertensão sistêmica.

Hiperaldosteronismo Primário: O Hiperaldosteronismo é um excesso da presença de aldosterona, apesar da presença do hormônio que o controla, que é o angiotensinogênio II.

Cerca de 40 a 60 % dos gatos com hiperaldosteronismo apresentam hipertensão sistêmica, porém a causa não é somente devido ao aumento de retenção de sódio e expansão do volume sanguíneo, mas também devido a efeitos no tônus vascular, remodelamento vascular e estimulação simpática.

Diabetes mellitus: Em gatos diabéticos observa-se uma pressão arterial discretamente maior do que em gatos saudáveis, mas ainda não há relação descrita entre Diabetes mellitus em gatos e hipertensão, ao contrário do que ocorre com humanos.

Feocromocitoma: É um tumor raro em gatos, associado a um aumento de substâncias químicas no sangue que são responsáveis por aumentar a pressão arterial (catecolaminas). O mesmo pode ocorrer em gatos com Hiperadrenocorticismo, embora esta doença também seja rara em gatos.

Consequências da hipertensão

A hipertensão pode causar danos especialmente em órgãos que são muito ricamente vascularizados e os sintomas que o felino vai apresentar dependerá do órgão afetado.

Nos olhos é comum observar-se cegueira repentina devido a descolamento de retina ou hemorragia intra-ocular. A cegueira pode ser permanente, mesmo após o controle da pressão arterial.

O felino pode apresentar convulsões, desorientação, andar irregular, depressão, letargia e desequilíbrio em casos de hipertensão importante atingindo o cérebro.

O aumento constante da pressão arterial pode causar hipertrofia do músculo cardíaco, e ocasionalmente pode haver falência cardíaca.

Por fim, a hipertensão pode ser causa ou consequência da doença renal, mas sabe-se que ela aumenta a perda de proteínas pelos rins, o que está relacionado à piora da doença renal.

Grupos de risco

A hipertensão é mais comum em gatos mais velhos (acima de 10 anos de idade), embora já tenha sido observada em animais jovens (com cerca de 5 a 7 anos). Além disso, como a hipertensão geralmente é secundária a uma doença de base, animais diagnosticados com Doença Renal Crônica ou Hipertireoidismo devem ter sua pressão arterial controlada frequentemente. Os animais com sintomas compatíveis com hipertensão (por exemplo, cegueira súbita) devem ter sua pressão mensurada e depois deve-se procurar uma doença de base.

Tratamento

Deve-se considerar o tratamento da hipertensão em todos os felinos que apresentem sintomas de hipertensão (como sintomas neurológicos ou oculares) e pressão mensurável acima de 150mmHg, ou em todos os casos em que a pressão for acima de 170mmHg, medida em pelo menos duas ocasiões diferentes e tendo-se descartado a possibilidade de estresse momentâneo na hora da mensuração.

O tratamento é realizado com medicação anti-hipertensiva e geralmente por longos períodos ou até por toda a vida do paciente felino. Inicialmente os controles de mensuração da pressão devem ser realizados no mínimo a cada 7 dias e a medicação deve ser ajustada, se necessário. Caso a pressão inicialmente mensurada for maior do que 200mmHg pode ser necessário o controle da pressão após 24 horas, com reajustes de doses se for o caso, a fim de se evitar danos em órgãos alvo. Quando a pressão se estabilizar por algumas semanas abaixo de 160 mmHg (mas acima de 110mmHg), o controle pode passar a ser realizado a cada 3 meses. Caso não se consiga controle adequado com uma única medicação, deve-se considerar a associação de medicações com diferentes mecanismos de ação.

De toda forma, o paciente hipertenso deve ser monitorado de perto desde o diagnóstico da doença tanto para o controle da pressão arterial como para o controle de doenças de base. Além disso, a mensuração da pressão arterial deve fazer parte dos exames de rotina de saúde dos pacientes felinos, principalmente daqueles acima dos 8 anos de idade, a fim de se prevenir o aparecimento de complicações provenientes da hipertensão.

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Vanice Correto Dutra Allemand

Trabalha como Veterinária no Hospital veterinário Pet Care, unidade Morumbi, há 10 anos.Veterinária formada na FMVZ-USP com residência em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais na mesma instituição. Especialização em Medicina de Felinos pela Anclivepa.

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