Esporotricose em Cães e Gatos

Por Dra. Camila Domingues

Esporotricose em Cães e Gatos

A esporotricose é uma micose subcutânea causada por fungos do gênero Sporothrix sp. Enquanto em todo o mundo, o Sporotrhix schenckii é uma das espécies mais associadas à esporotricose, no Brasil, o principal agente etiológico é o Spotothrix braziliensis, uma variedade considerada mais virulenta, ou seja, com maior capacidade de desencadear doença grave.

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É uma micose que afeta o homem e várias espécies de animais silvestres e domésticos, dentre elas o cão e principalmente os gatos. O  Sporothrix é um fungo considerado saprófita, ou seja, está presente em ambiente naturais ricos em matéria orgânica como solo, madeira, vegetação, espinhos, que podem ser fontes de infecção para animais e para o homem. Por este motivo é reconhecida como doença dos jardineiros e agricultores, visto que estes pela sua ocupação profissional são considerados como mais predispostos a doença.

Felino com esporotricose apresentando aumento de volume importante em plano nasal com lesão úlcerada e necrótica central (lesão gomosa). Ao lado, felino quando recebeu alta – Fotos: Arquivo de Camila Domingues

A esporotricose é uma doença de caráter contagioso, além da infecção pela contaminação ambiental, ela pode ser adquirida pelo contato de secreções cutâneas e/ou respiratórias, arranhaduras e mordeduras de animais infectados para outros animais e inclusive para o homem. A transmissão de felinos para outros felinos, cães e homem é mais  comum, não havendo relatos de infecção de homem para homem e raros relatos de cães para homem. Atualmente, a esporotricose é considerada uma importante zoonose, principalmente em algumas regiões do Brasil como o Rio de Janeiro, mas já foi relatada em  diversas cidades como São Paulo, Curitiba.

Dentre as espécies de animais domésticos, os gatos são considerados como mais susceptíveis, apresentando lesões mais graves e com maior quantidade de fungo que os cães. Em felinos, a infecção pelo vírus da imunodeficiência felina (FIV) e da leucemia viral felina (Felv) não foram associados até o momento como fator de susceptibilidade, entretanto, a presença de gatos errantes, o acesso de felinos domiciliados à rua, as brigas entre eles e o comportamento destes de se esfregar e lamber uns ao outros colaboram para a disseminação da esporotricose nesta espécie.

Felino com esporotricose apresentando aumento de volume ele ponte nasal com ulceração e crostas – Foto: cedida pela Dra. Zilda Mayer

A manifestação clínica mais comum da esporotricose são as  lesões cutâneas que compreendem erosões, ulcerações, feridas que nunca cicatrizam, com presença de exsudato purulento, nódulos cutâneos com ou sem ponto de ulceração e necrose focal (goma). São reconhecidas três formas de apresentação da esporotricose:

Forma cutâneo-localizada ou fixa (esporotricoma): caracteriza-se por um nódulo único, de coloração avermelhada a arroxeado, de consistência firme, superfície irregular ou ulcerada, presente frequentemente em membros, face e cauda.

Forma Cutâneo-linfática ou linfocutânea: caracteriza-se pela presença de um nódulo ulcerado, seguido pelo acometimento ascendente de gânglios linfáticos, com formação de outros nódulos ao longo deste percurso, o que é reconhecido como rosário esporotricótico.

Forma multifocal disseminada: lesões generalizadas distribuídas ao longo do corpo.

Forma extracutânea: quando além da pele há o acometimento de outros órgãos internos como rins, sistema nervoso central, baço, fígado…

Lesão nodular em extremidade de membro posterior com presença de falha de pelo, eritema e pequenos nódulos de forma ascendente no trajeto dos vasos linfáticos – Foto: Arquivo de Camila Domingues

Além das manifestações  cutâneas, o trato respiratório é o segundo órgão mais acometido, cerca de 40% dos animais infectados podem apresentar sintomas respiratórios como  espirros, secreção nasal, dificuldade para respirar e aumento de volume na região nasal. A presença de sinais respiratórios em geral é um fator complicador da doença. Nos casos mais graves da doença, alguns  animais podem apresentar apatia, disorexia, febre, perda de peso importante.

O diagnóstico de esporotricose pode ser realizado através do exame de citologia cutânea ou nasal , cultura fúngica das secreções cutâneas ou nasais e pelo exame histopatológico com colorações específicas para fungo. Às vezes é necessário associar mais de um tipo de exame para conseguir estabelecer o diagnóstico, principalmente em cães que possuem menor carga fúngica nas lesões.

Felino com esporotricose apresentando lesão gomosa em ponte nasal e lesões erodoulcerativas em face e orelha – Foto: cedida pela Dra. Zilda Mayer

Como diagnóstico diferencial a esporotricose deve ser diferenciada de outras doenças infecciosas como a: criptococose, histoplasmose, micobacteriose, leishmaniose, e por último, das neoplasias.

No tratamento da esporotricose são utilizadas antifúngicos da classe dos azólicos, como cetoconazol e itraconazol. O tratamento é prolongado durando meses até um ano, sendo  recomendado que a terapia seja interrompida somente dois meses após a melhora clínica perceptível a fim de evitar recidivas.  A maior parte dos animais responde positivamente a este tratamento, entretanto, existem casos refratários com alguns animais sendo submetidos a eutanásia ou evoluindo a óbito. Além dos antifúngicos azólicos, outras terapias podem ser instituídas na tentativa de se obter resposta terapêutica como a associação com o iodeto de potássio. Em lesões únicas pode ser utilizado anfotericina intralesional, laserterapia e criocirurgia. Apesar de grave a esporotricose tem cura e os animais não devem ser abandonados.

O diagnóstico precoce da esporotricose além de  contribuir para a melhor resposta terapêutica também infere na menor possibilidade de contágio deste fungo para outros animais e para o homem, por isso o conhecimento desta doença por parte dos veterinários e tutores é de suma importância no controle da doença. A posse responsável dos animais evitando acesso à rua desacompanhados, principalmente os felinos, a castração dos animais (a fim de evitar animais errantes), o diagnóstico e tratamento precoce, o não abandono de animais doentes, são medidas preventivas de controle para impedir a propagação do fungo no ambiente e futuras contaminações de animais e pessoas.

Dra. Camila Domingues

Especialização em Dermatologia Veterinária FMVZ/ USP. Mestre em Ciência Animal FMVZ/USP. Doutora em Ciência Animal FMVZ/Unesp Botucatu. Sócia-Fundadora da UniCare Vet Especialidades Veterinárias. Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária.

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