Dermatite Acral por lambedura

Por Mariana Lyra

Dermatite Acral por lambedura

Saiba mais sobre a dermatite psicogênica mais comum em cães no atendimento em clínica

Introdução

As dermatites psicogênicas correspondem ao grupo de doenças cutâneas causadas ou influenciadas por fatores psicológicos e emocionais.

Em cães e gatos, podem ser classificadas em: distúrbios psicofisiológicos, distúrbios comportamentais primários, distúrbios comportamentais secundários, e distúrbios sensoriais cutâneos (VIRGA, 2003).

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O distúrbio psicofisiológico ocorre quando o animal tem sua doença de caráter pruriginoso (ex. atopia) agravada por situações de estresse, que podem envolver estimulação mental e física inadequada, conflitos territoriais, adição ou perda de familiares ou animais de estimação, nova casa, dentre outros.

Os distúrbios comportamentais secundários ocorrem quando a doença de pele resulta em alterações no comportamento normal do cão. O que pode ser observado por exemplo, quando o animal passa por um quadro de dor importante (ex. otite) e se torna agressivo.

Os distúrbios sensoriais cutâneos ocorrem quando não há distúrbios dermatológicos ou qualquer outro distúrbio orgânico evidente, no entanto, o paciente apresenta sintomas como se respondesse a prurido, como pode acontecer nos casos de Hiperestesia Felina.

Já no caso dos distúrbios primários acredita-se que a maioria das lesões sejam o resultado de comportamento nocivo autodirigido.

Há boas evidências clínicas de que a causa de base sejam os distúrbios psicológicos, e os casos possam ser agravados por situações estressantes, mas estas não necessariamente precisam estar presentes (OVERALL; DUNHAM, 2002).

Em cães, a dermatite de caráter psicogênico mais comum na rotina clínica certamente é a Dermatite Acral por lambedura, por isso, este assunto será abordado em mais detalhes abaixo.

Dermatite Acral por lambedura

Etiopatogenia

A Dermatite Acral por lambedura (DAL), resulta da lambedura da porção distal cranial de membros, produzindo lesões características. Tem sido associada a uma variedade de distúrbios comportamentais e acredita-se que provavelmente representem uma espécie de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) em cães (RAPOPORT; RYLAND; KRIETE, 1992).

As raças predispostas incluem o Doberman Pinscher, Dogue Alemão, Labrador, Setter Irlandês, Golden Retriever, Boxer, Weimaraner e o Pastor Alemão (KL, 1992; RAPOPORT; RYLAND; KRIETE, 1992; ROSYCHUK, 2011). Pode ocorrer em qualquer idade, sendo a média de 4 anos (SHUMAKER; ANGUS; COYNER; LOEFFLER et al., 2008).

Pode se tratar de um quadro origem orgânica ou origem psicogênica, que pode se tornar crônico ou recorrente.

Estima-se que até 70% dos cães com DAL possam ter outras condições relacionadas à ansiedade (VIRGA, 2003). Em uma avaliação de 20 cães que apresentavam DAL com gatilhos psicogênicos, 70% estavam confinados a pequenas áreas, 64% não tinham permissão para ficar dentro de casa, nenhum dos proprietários brincava com seus cães rotineiramente, 70% nunca eram levados para caminhadas, todos os proprietários consideravam seus cães com disposição ansiosa e 65% tinham um componente desencadeante não-médico identificado (ex. morte de um companheiro canino) (PEREIRA; LARSSON; RAMOS, 2010).

A obsessão pode causar a lesão ou pode se desenvolver depois que o cão começa a lamber o membro por outro motivo.

As causas orgânicas como, as doenças parasitárias, bacterianas ou fúngicas, trauma prévio (ex. punção local ou fixação de cateter), alergias, doenças neurológicas e ósteo-articulares subjacentes devem ser descartadas antes do diagnóstico de um caso de origem puramente psicogênica.

O ato de lamber constante somado às infecções secundárias causa lesões de foliculite/furunculose que resultam em uma reação na derme de corpo estranho local à queratina livre e secreção glandular que podem estimular ainda mais a lambedura, criando um ciclo de autoperpetuação (SHUMAKER; ANGUS; COYNER; LOEFFLER et al., 2008).

Além disso, esse comportamento aumenta a liberação de endorfinas, fazendo com que o animal se sinta melhor, ao mesmo tempo, diminuindo sua percepção de dor. Esse processo essencialmente “vicia” o cachorro na lambedura compulsiva (MILLER; GRIFFIN; CAMPBELL, 2013).

A combinação de causa de base orgânica, junto ao quadro psicogênico, adicionado aos fatores perpetuantes é o que pode levar esses casos a se tornarem particularmente difíceis de diagnosticar e de tratar. Abordagens dermatológicas ou comportamentais isoladas serão insuficientes para a cura, apenas uma abordagem combinada alcançará um resultado bem-sucedido.

Quadro clínico

As lesões em estágio inicial se apresentam com eritema, hipotricose/alopecia, descamação/crostas ou erosão, porém conforme tornam-se crônicas tendem a se tornar mais espessas e firmes, formando placas ou nódulos tendendo a circulares com ulceração, muitas vezes entremeadas por tecido já em processo de cicatrização ou cicatrizados, com atrofia e hiperpigmentação (Fig. 1).

Em 74% dos casos a lesão é única e unilateral, envolvendo o carpo ou metacarpo, em 61% dos casos. Apenas 10% dos casos possuem os quatro membros envolvidos (MILLER; GRIFFIN; CAMPBELL, 2013).

Lesão crônica em face medial de membro torácico esquerdo com áreas de alopecia, placas eritematosas, com ulceração central e tecido de granulação adjacente –  Foto de arquivo pessoal cedida pela M.V. MSc. Andrea Pratti – Foto de arquivo pessoal cedida pela M.V. MSc. Andrea Pratti

Diagnóstico

O diagnóstico é essencialmente clínico e por exclusão seriada.

Uma pista de que pode haver um componente psicogênico para a condição é desenvolvimento de uma nova área afetada quando a lesão original foi coberta por uma bandagem. Lesões nas articulações podem estar associadas a artrite/artrose subjacente.

Indica-se biópsia caso a primeira abordagem não seja efetiva, para descartar casos de leishmaniose, esporotricose e neoplasias cutâneas.

Porém, nos casos de dermatites psicogênicas o histopatológico não deve ser utilizado para fechar diagnóstico, pois não são patognomônicas (SHUMAKER; ANGUS; COYNER; LOEFFLER et al., 2008).

Tratamento

O tratamento inicial deve consistir no manejo da ferida, impedindo fisicamente o acesso do animal ao local com bandagens e colar elizabethano, por exemplo. As infecções secundárias devem ser controladas, preferencialmente com antibiótico por via oral, para garantir boa penetração no tecido, que já se encontra muito alterado e espesso.

A investigação a respeito de causas orgânicas deve ser iniciada de forma concomitante, e, se encontrada, deve ser propriamente tratada. Caso o animal ainda persista com o comportamento compulsivo de lambedura, a abordagem dos componentes psicogênicos do processo deve ser feita, de preferência com auxílio de especialista na área.

Muitas vezes uma simples mudança na rotina do cão, como o aumento da frequência dos passeios e brincadeiras pode ser o suficiente, porém, outras vezes, o problema pode ser intrínseco ao cão e não envolver diretamente o ambiente ou sua rotina. Desta forma, o tratamento será mais complexo e poderá necessitar de uma aproximação mais detalhada e multidisciplinar.

As drogas psicoativas podem ser necessárias apenas por um período de tempo até que o comportamento possa ser modificado através da eliminação do agente causal ou de terapia comportamental. Em outros casos, pode ser necessário tratamento a longo prazo.

Os antidepressivos são os mais eficazes, dentre eles de destacam a Fluoxetina e a Clomipramina (HEWSON; LUESCHER; PARENT; CONLON et al., 1998; OVERALL; DUNHAM, 2002; SEKSEL; LINDEMAN, 2001). Podem ser também utilizados outros medicamentos, como os ansiolíticos.

Vale mencionar que recursos como acupuntura, laser, crioterapia ou mesmo cirurgia, podem também ser utilizadas de forma alternativa às terapias convencionais.

Referências bibliográficas:

HEWSON, C. J.; LUESCHER, U. A.; PARENT, J. M.; CONLON, P. D. et al. Efficacy of clomipramine in the treatment of canine compulsive disorder. J Am Vet Med Assoc, 213, n. 12, p. 1760-1766, Dec 1998.

KL, O. Recognition, diagnosis, and management of obsessive-compulsive disorders   Canine Practice. 17: 39-43 p. 1992.

MILLER, W. J.; GRIFFIN, C.; CAMPBELL, K. Muller and Kirk’s Small Animal Dermatology. Elsevier 2013.

OVERALL, K. L.; DUNHAM, A. E. Clinical features and outcome in dogs and cats with obsessive-compulsive disorder: 126 cases (1989-2000). J Am Vet Med Assoc, 221, n. 10, p. 1445-1452, Nov 2002.

PEREIRA, J.; LARSSON, C.; RAMOS, D. Environmental, individual and triggering aspects of dogs presenting with psychogenic acral lick dermatitis. Journal of Veterinary Behavior   5 (3): 165 p. 2010.

RAPOPORT, J. L.; RYLAND, D. H.; KRIETE, M. Drug treatment of canine acral lick. An animal model of obsessive-compulsive disorder. Arch Gen Psychiatry, 49, n. 7, p. 517-521, Jul 1992.

ROSYCHUK, R. Canine lick granuloma. In WSAVA, Korea 2011.

SEKSEL, K.; LINDEMAN, M. J. Use of clomipramine in treatment of obsessive-compulsive disorder, separation anxiety and noise phobia in dogs: a preliminary, clinical study. Aust Vet J, 79, n. 4, p. 252-256, Apr 2001.

SHUMAKER, A. K.; ANGUS, J. C.; COYNER, K. S.; LOEFFLER, D. G. et al. Microbiological and histopathological features of canine acral lick dermatitis. Vet Dermatol, 19, n. 5, p. 288-298, Oct 2008.

VIRGA, V. Behavioral dermatology. Vet Clin North Am Small Anim Pract, 33, n. 2, p. 231-251, v-vi, Mar 2003.

Mariana Lyra

Graduação em Medicina Veterinária e Zootecnia pela Universidade de São Paulo (FMVZ-USP) de 2006 a 2010. Residência em Clínica Médica Veterinária pela FMVZ-USP de 2011 a 2012. Residência em Dermatologia Veterinária pela FMVZ-USP de 2012 a 2013. Curso de especialização (e monitoria) em Dermatologia Veterinária pela FMV-USP de 2013 a 2014. Atendimento na especialidade de dermatologia veterinária pelo Petcare- Pacaembu (atualmente).

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