Por: Soares, L.V.¹; Tsuruta, S. A.; Cunha, M.E.R.O.; Andrade, Y. C. C.; Pereira, L.C.A; Crivellenti, L. Z. ¹ Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal de Uberlândia.
Resumo
As litíases representam uma grande parcela dos atendimentos envolvendo trato urinário em cães e gatos e segundo as recentes diretrizes de tratamento, as abordagens minimamente invasivas devem ser priorizadas sempre que possível. Assim, este artigo revisa a técnica de urohidropropulsão, destacando sua eficácia no manejo das urocistolitíases e explora como essa abordagem se alinha com a tendência atual em direção a práticas de tratamento menos invasivas.
Palavras-chave: urolitíases; práticas minimamente invasivas; tratamento.
Introdução
O termo urolitíase indica a presença de concreções minerais em qualquer parte do trato urinário¹.Animais com urocistólitos e uretrólitos, cálculos presentes em bexiga e uretra, respectivamente, podem apresentar sinais clínicos como hematúria, disúria, periúria, estrangúria e polaquiúria ou ainda manter-se assintomáticos². Assim, os tratamentos podem variar de acordo com a localização e tipo do cálculo, tamanho, presença ou não de sinais clínicos. As principais opções terapêuticas incluem terapias dissolutivas e intervenções cirúrgicas ou de menor invasividade3,4. Assim, uma abordagem individualizada e multidisciplinar se faz necessária para o manejo eficaz desses casos.
Segundo as diretrizes do consenso ACVIM5(American College of Veterinary Internal Medicine) urocistólitos com tamanho suficiente para passar através da uretra podem ser manejados através de procedimentos que não envolvam a intervenção cirúrgica. Esses procedimentos são denominados de minimamente invasivos, sendo a urohidropropulsão a opção mais simples. Outras possibilidades mais complexas incluem a litotripsia intracorpórea, cistoscopia com extração mecânica (pinça Basket), cistolitotomia percutânea e cistotomia por laparoscopia6,7.
Desta maneira, a cistotomia por laparotomia, técnica anteriormente empregada como padrão para remoção de urocistólitos, vem sendo substituída por técnicas menos invasivas. Além disso, algumas pesquisas sugerem que a cistotomia tradicional está associada à incompleta remoção dos cálculos, com maiores riscos de infecção e maior tempo de hospitalização8. Outro fator que tem contribuído para a gradativa substituição da técnica é a possível formação de cálculos associada à presença dos fios utilizados para suturar a bexiga9.
Dentre as práticas minimamente invasivas, destaca-se a urohidropropulsão, técnica não cirúrgica que permite a remoção de pequenos urocistólitos levando em consideração espécie e sexo confrontando com o tamanho do cálculo (Tabela 1).
Tabela 1. Factibilidade da utilização da técnica de urohidropropulsão em cães e gatos.
Espécie | Tamanho do urólito | |
Cães* | fêmea | <0,5-1 cm |
macho | <0,3 | |
Gatos* | fêmea | <0,25 |
macho | Não recomendado |
*Porte, peso e tamanho do lúmen uretral devem ser individualmente analisados e considerados.
Adaptada de CRIVELLENTI, L.Z e BORIN-CRIVELLENTI, S. Casos de rotina: em medicina veterinária de pequenos animais, 2023.
Descrição e indicação da técnica de urohidropropulsão
O principal objetivo é realizar o manejo de urocistólitos sem que haja a necessidade de intervenção cirúrgica10. Porém, antes do emprego desta técnica, é necessário que o paciente seja individualmente analisado quanto às suas características específicas como tamanho, espécie, porte, peso e anatomia do trato urinário, principalmente da uretra.
Além disso, o planejamento pré-procedimento deve incluir a mensuração dos urocistólitos através de radiografias, para garantir que o tamanho seja condizente com a passagem através da uretra, levando em consideração a espécie em questão11 (Figura 1). Ainda, se faz necessário a realização de exames laboratoriais (hemograma, perfil renal e hepático), urinálise uma vez que o animal será anestesiado para realização do procedimento.
A técnica
Após indução anestésica, o paciente é posicionado em decúbito lateral direito ou esquerdo para passagem de sonda uretral. Em seguida, deve-se realizar o esvaziamento completo da bexiga e posterior infusão de 5 a 10 mL/kg de solução fisiológica a 0,9% (NaCl 0,9%) para sua distensão. Esse volume dependerá da capacidade de armazenamento da bexiga, sendo que bexigas inflamadas terão menor capacidade quando comparadas as normais ou pouco alteradas.
Após, o animal é posicionado verticalmente e é realizada uma gentil compressão vesical (Figura 2 A e B), de maneira que, pelo jato de urina, sejam recuperados os cálculos.
Este procedimento pode ser repetido até que haja total expulsão dos cálculos observados através dos exames radiográficos (Figura 3A e B).
Além disso, é possível associar a técnica de cistoscopia, que otimiza e complementa a urohidropropulsão, pois permite completa visualização do trato urinário inferior, possibilidade de coleta de material para biópsia e visualização dos cálculos, diminuindo a possibilidade de urocistólitos remanescentes após o procedimento de urohidropropulsão (Figura 4A e B). Esta técnica é factível apenas para pacientes em que o diâmetro da uretra é compatível para passagem do endoscópio12, 13. Importante salientar que, complicações como estrangúria, hematúria e polaciúria podem ser observados após a realização tanto da urohidropropulsão como da cistoscopia, e podem persistir por até 5 dias após os procedimentos14.
É válido destacar que a técnica de urohidropropulsão pode ser aplicada após a dissolução parcial de cálculos de estruvita ou mistos. No contexto dos atendimentos realizados pelo grupo NefroUroVet-UFU, priorizamos a remoção de cálculos de tamanho adequado por meio da urohidropropulsão sempre que possível. Essa abordagem, além de ser menos invasiva, permite o envio do cálculo para análise e contribui para a redução dos sítios de deposição de minerais na bexiga, tanto em animais com histórico de recidivas quanto em casos de formação recente.
Conclusão
A técnica de urohidropropulsãoé uma abordagem simples e eficaz no manejo das urocistolitíases em cães e gatos, alinhando-se com a tendência atual de práticas terapêuticas menos invasivas. A partir de uma cuidadosa análise das características individuais de cada paciente, como tamanho, espécie, sexo e anatomia do trato urinário, esta técnica oferece uma alternativa à intervenção cirúrgica tradicional e assim, diminui o tempo de hospitalização do paciente e riscos de infecção associadas à técnica de laparotomia padrão. Assim, sua utilização representa um avanço significativo no tratamento das urolitíases, oferecendo aos pacientes uma opção terapêutica mais segura e efetiva.
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Lara Vilela Soares
Médica-veterinária graduada pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Pós-graduanda pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal de Uberlândia (PPGCVET UFU) com ênfase em Nefrologia e Urologia Veterinárias. Membro associado ao Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias (CBNUV). Atendimento clínico especializado em Nefrologia e Urologia do Hospital Veterinário coordenado pelo Prof. Dr. Leandro Z. Crivellenti.
Yury Carantino Costa Andrade
Médico-veterinário formado pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG/Patos-PB)- Pós Graduado em Clínica Médica e Cirúrgica (Equalis). Aperfeiçoamento no Programa de Aprimoramento em Nefrologia de Pequenos Animais (PANPA-CBNUV). Pós-graduado em Nefrologia Veterinária (UFAPE-Intercursos). Mestrando em Ciências Veterinária com ênfase em Nefrologia Veterinária (PPGCV-UFU). Membro sócio do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias (CBNUV). Atualização em Internação e terapia intensiva (em andamento (UFAPE-Intercursos). Atua no atendimento do serviço de Nefrologia do Hospital Veterinário da UFU.
Maria Eduarda Raffaini de Oliveira Cunha
Médica-veterinária formada pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Residência em Clínica Médica de Animais de Companhia na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestranda em Ciências Veterinárias com ênfase em Nefrologia Veterinária (PPGCV-UFU). Membro sócio do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias (CBNUV). Atua no atendimento do serviço de Nefrologia do Hospital Veterinário da UFU.
Laura Caroline Andrade Pereira
Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atualmente é Residente em Clínica Médica de Animais de Companhia, também pela Universidade Federal de Uberlândia (2024-2026).
Prof. Dr. Leandro Z. Crivellenti
Professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Autor dos livros, Tratado de Nefrologia e Urologia em Cães e Gatos, Caso de Rotina em Medicina Veterinária de Pequenos Animais, Bulário Médico-Veterinário Cães e Gatos, Caso de Rotina Cirúrgica em Medicina Veterinária Pequenos Animais, BoolaVet livro e do software BoolaVet. Vice-presidente do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinárias (CBNUV). Fundador do Colégio Latinoamericano de Nefrologia e Urologia (CLANUV). Coordenador do grupo de pesquisa em Nefrologia e Urologia Veterinária credenciado pelo CNPq.