COMBINED TECHNIQUES IN THE RECOVERY FOR INJURIES TO THE THORACIC AND PELVIC LIMBS OF A FELINE: A CASE REPORT
Por: Daniel Checchinato¹, Ana Carolina Brito de Oliveira², Anabela Bastos dos Santos², Leonardo Augusto Muzzi¹
RESUMO
O objetivo desse trabalho foi relatar o uso de técnicas combinadas de curativo em membros de um felino, além de desbridamento cirúrgico, após ser atropelado, contrariando a indicação primária de amputação de ambos os membros como resolução para as lesões apresentadas
e comparar as técnicas e abordagens em feridas aplicadas no caso relatado com a literatura consultada. No primeiro atendimento as lesões foram limpas, o animal medicado e liberado com prescrição medicamentosa e orientações para curativos. Após dois dias, o animal retornou com os membros edemaciados e sinais de sepse, procedeu-se então, a internação do felino, realização de exames de imagem e laboratoriais, sendo iniciado um protocolo medicamentoso e preparo para o desbridamento cirúrgico. Foram realizados curativos com soro fisiológico 0,9%, o uso dopolihexametileno biguanida e do alginato de cálcio com prata durante toda a fase aguda da lesão. Após a diminuição do exsudato, passou-se a utilizar a pomada sulfadiazina de prata 1% até a completa cicatrização das lesões. Após três meses, as lesões foram completamente cicatrizadas e não houve a necessidade de amputação e o animal manteve comportamento e hábitos muito próximos aos animais saudáveis. Dessa forma a técnica empregada com os curativos escolhidos mostrou-se efetiva.
Palavras-chave: Feridas; curativos; cicatrização.
ABSTRACT
The objective of this study is to report the use ofcombined dressing techniques in limbs of a feline, in addition to surgical debridement, after being run over, contrary to the primary indication of amputation of both limbs as a resolution for the injuries presented and to compare the techniques and approaches in wounds applied in the case reported, with the literature consulted. In the first consultation, the lesions were cleaned, the animal medicated and released with medication prescription and guidelines for dressings. After two days, the animal returned with swollen limbs and signs of sepsis, the feline was then hospitalized, imaging and laboratory tests were performed, and a drug protocol was initiated and preparation for surgical debridement was initiated. After the procedure, dressings were performed with the use of warm 0.9% saline solution, the use of polihexametileno biguanida and calcium alginate with silver throughout the acute phase of the lesion. After the exudate had decreased, 1% silver sulfadiazine ointment was used until the lesions had completely healed. After three months, the lesions were completely healed and there was no need for amputation and the animal-maintained behavior and habits very close to healthy animals. The technique used with the chosen dressings proved to be effective.
Keywords: Wounds; dressings; healing.
INTRODUÇÃO
As lesões de pele possuem uma alta casuística no atendimento da clínica em pequenos animais. Elas podem ser provocadas por atropelamentos, queimaduras, mordeduras e agressões. Quando o fechamento primário dessas feridas se torna inviável, o uso de curativos, retalhos ou enxertos podem ser utilizados para promover o processo de cicatrização (Scheffer et al., 2013).
As fases do processo de cicatrização nos animais domésticos são divididas em inflamatória, proliferativa ou reparação e de maturação, e ocorrem de maneira simultânea. É de extrema importância a consideração das particularidades entre espécies domésticas como felinos e caninos (Checchinato et al., 2020).
Em geral, as feridas nos gatos costumam demorar mais para cicatrizar, tal fato se deve as diferenças físicas e bioquímicas cutâneas, afetando a absorção, metabolização e produção de colágeno para o processo de cicatrização (Oliveira et al., 2022).
O uso adequado de terapias tópicas não somente para o tipo de lesão apresentada, como também para a fase na qual o processo de cicatrização se encontra, associado ao conhecimento das condições físicas, nutricionais, idade e patologias associadas são fundamentais para a evolução satisfatória do quadro apresentado (Lopes, 2016).
A manutenção da umidade do leito da ferida, a irrigação com solução fisiológica morna e o uso de materiais como alginato de cálcio e de polihexametileno biguanida (PHMB) apesar de há anos serem utilizados em humanos, inclusive com inúmeros estudos publicados, na medicina veterinária há publicações escassas sobre o assunto (Macphail, 2013).
O objetivo desse trabalho é relatar o uso de técnicas combinadas no fechamento de ferida de membro torácico direito (MTD) e membro pélvico esquerdo (MPE) de um felino, seguido de desbridamento cirúrgico, contrariando a indicação primária de amputação de ambos os membros como resolução para as lesões apresentadas e comparar as técnicas e abordagens em feridas aplicadas no caso relatado com a literatura consultada.
DESCRIÇÃO DO CASO
Foi atendido na Clínica Veterinária na cidade de Guarulhos, no Estado de São Paulo, um felino, macho, quatro meses, inteiro, sem raça definida, pesando 2,1kg (Dia 0, como o primeiro dia de atendimento do animal na clínica).
Durante a anamnese (Figura 1) tutor relatou que há dois dias havia encontrado o felino em uma estrada de terra, desacordado. Segundo o relato de testemunhas, o animal foi atropelado por um veículo. Animal encontrava-se desidratado (6%), com tempo de preenchimento capilar (TPC) maior que três segundos, mucosas levemente ressecadas, oligúria, descorado, eupneico em ar ambiente, febril (com temperatura retal de 40ºC), com lesão em MTD e MPE, ambos com sujidade, odor fétido e edema, e em membro pélvico com exposição parcial de metatarso e tarso.
Por não ter condições financeiras, tentou realizar a limpeza da ferida em sua residência com soro fisiológico e pomada de arnica e administrou uma gota de dipirona via oral no momento do resgate. Percebendo que a situação e as condições de saúde do animal estavam se deteriorando resolveu procurar ajuda profissional.
Durante atendimento, foi puncionado acesso venoso para fluidoterapia com soro ringer lactato e complexo B via endovenosa com reposição de 120 ml de fluido, aplicado 2mg/kg de cloridrato de tramadol, 25 mg/kg de dipirona, meloxicam 0,1mg/kg, 2,2 mg/kg de ceftiofur e 0,1 mg/kg de pentabiótico, todos aplicados por via subcutânea. Foram colhidos exames de hemograma (Hb 7,5g/dl, Ht 21%, Leucócitos 25.910/mm³, Segmentados 21.272/mm³, Eosinófilos 881/mm³, Plaquetas 211 mil/mm³, Uréia 42 mg/dL, Creatinina 0,5 mg/dL, Alanina Aminotransferase (ALT) 21U/L e Fosfatase Alcalina 12U/L), devido as condições financeiras, tutora não autorizou a coleta de PCR para o Vírus da Imunodeficiência Felina (FIV) e para o Vírus da Leucemia Felina (FELV) e exames de imagem como a radiografia.
O animal permaneceu em observação por doze horas e nesse período foi realizada a limpeza das lesões com soro fisiológico 0,9% morno, após o uso do PHMB, tópico por cinco minutos nos locais que estavam lacerados, uso de pomada sulfadiazina de prata 1% como curativo primário, gaze como curativo secundário e atadura como curativo terciário.
Após o período de estabilização na clínica, o animal já se encontrava mais ativo e aceitou alimentação em sachê de forma espontânea.
A tutora não quis realizar a internação do animal, então, foi liberado com prescrição de Cefa SID 110 mg um comprimido a cada doze horas por quatorze dias, meloxicam 0,2 mg uma vez ao dia por cinco dias, dipirona duas gotas uma vez ao dia e Cronidor 4 mg a cada doze horas por cinco dias, Ograx-3 500 mg um comprimido uma vez ao dia por noventa dias e Macrogard Small Size (suplemento vitaminco a base de Ômegas) um quarto do comprimido uma vez ao dia por trintas dias, Promun Cat (suplemento vitamínico) dois gramas uma vez ao dia por trinta dias, ofertar Recovery ou AD, água fresca e filtrada à vontade e ração seca para filhotes.
O curativo deveria seguir conforme foi realizado na clínica e foi agendado um retorno em três dias para reavaliação do quadro. Para ajudar na terapêutica foram entregues amostras dos medicamentos prescritos, que auxiliariam nos primeiros sete dias de tratamento e de ração seca para filhotes super premium.
Figura 2 – Dia 2 – A- MTD vista lateral B – MPE vista lateral C – MPE vista frontal. Membros com aspecto edematoso, pontos
de necrose e odor fétido, após o animal ter ficado dois dias sem medicação e limpeza das lesões.
Fonte: Arquivo Pessoal
Contudo, após dois dias (Dia 2), tutora retornou com animal com os membros edemaciados e com odor fétido (Figura 2), com hiporexia, hipodpsia, taquicárdico (190 bpm), febril (41ºC), desidratado em 6% e grande sensibilidade ao toque nos locais da lesão.
Foi alegado que não conseguiu administrar os medicamentos prescritos e nem realizar a limpeza e curativo das feridas, pois o animal ficava agitado e não tinha ajuda de familiares para realizar os cuidados. Diante da gravidade do quadro, com um indicativo de quadro de sepse, e após autorização da tutora, o animal ficou sob responsabilidade da Clínica Veterinária por tempo indeterminado, até que conseguisse sua reabilitação completa.
Foi realizado o exame de radiografia de ambos os membros lesionados, indicando MTD (Figura 3) com perda de relações articulares entre epífises distais de rádio e ulna com os carpos radial e ulnar indicando luxação antebraquiocárpica, perda parcial entre metacarpo de primeiro dígito e primeiro carpo indicando fragmentação/luxação, aparente fragmentação de falange distal de terceiro dígito e moderado aumento de volume de partes moles de toda a região palmar (edema/hematoma).
O MPE (Figura 4) apresentava perda de relação articular metatarsofalangeana de segundo dígito indicando subluxação/luxação, perda de relação articular metarsofalangeana de quinto dígito com indefinição de falange proximal sugerindo avulsão, aumento de volume de partes moles de toda a região plantar – (edema/hematoma).
Foi então introduzido fluidoterapia de manutenção endovenosa para reposição de 6% de desidratação, mais manutenção diária na constante de sessenta multiplicada pelo peso do paciente, como não havia episódios de êmese e diarreia essas constantes não foram acrescidas para o cálculo da fluidoterapia.
A alimentação hiperproteica e calórica com Recovery foi oferecida e o animal aceitou de forma espontânea, além de ração seca super premium, instituído protocolo de antibioticoterapia com Oralguard 50 mg um comprimido via oral uma vez ao dia por quatorze dias, prednisolona 3mg/ml na dose de 0,6 ml de doze em doze horas por cinco dias, dipirona 12,5 mg/kg a cada doze horas por cinco dias e cloridrato de tramadol 2 mg/kg a cada doze horas por cinco dias, ambos aplicados por via subcutânea e solicitado manipulação de gabapentina 20 mg um comprimido via oral de doze em doze horas por noventa dias com protocolo de desmame após esse período. Mantida a prescrição dos nutracêuticos Ograx 500 mg um comprimido uma vez ao dia e Macrogard Small Size um quarto do comprimido uma vez ao dia.
Para as feridas dos membros manteve-se o protocolo de limpeza e curativo com soro fisiológico 0,9% morno, PHMB e pomada sulfadiazina de prata 1% até compensação do paciente para ser encaminhado para limpeza cirúrgica das lesões.
O animal foi submetido à avaliação de dois profissionais, cirurgião geral e ortopedista que em primeiro momento indicaram a amputação de ambos os membros afetados, porém esse diagnóstico de amputação só seria confirmado durante procedimento cirúrgico.
Após dois dias de internação (Dia 4), os sinais vitais retornaram aos padrões de normalidade e dessa forma o animal pode ser submetido à
anestesia inalatória para limpeza cirúrgica (Figura 5). Como medicamento pré-anestésico utilizou-se metadona 0,2mg/kg e após 15 minutos, citrato de fentanila 3 mcg/kg, cloridrato de cetamina 2 mg/kg e propofol 6 mg/kg, todos em bolus por via intravenosa para anestesia procedendo-se a intubação orotraqueal e manutenção do procedimento anestésico com isoflurano. Para antibioticoterapia profilática, optou-se por cefalotina 30 mg/kg endovenosa, vinculada a terapia anti-inflamatória que se manteve com prednisolona nos horários que já estavam estipulados na internação e analgesia com cloridrato de tramadol 2mg/kg e dipirona 12,5 mg/kg a cada doze horas subcutânea.
Fonte: Arquivo pessoal
Após a sedação o membro foi tricotomizado e procedeu-se então a limpeza com soro fisiológico 0,9% morno (250ml), seringa de 20 ml e agulha 40×12. Iniciou-se a drenagem de grande quantidade de exsudato purulento de odor fétido e retirada de tecido desvitalizado de ambos os membros. Foi realizada sutura em MTD e no MPE realizou-se a remoção do metatarso e do quinto dígito mantendo-a com cicatrização por segunda intenção. Após quinze dias do pós-operatório os pontos do MTD foram retirados sem intercorrência e sem a formação do processo de pseudocicatrização.
Após o procedimento o animal foi submetido a uma nova terapia tópica para o fechamento da ferida, com a limpeza com soro fisiológico 0,9% morno com seringa de 20 ml e agulha 40×12, uso do PHMB na lesão por cinco minutos e após utilização do alginato de cálcio com prata como curativo primário, como curativo secundário o uso de gaze estéril e cobertura com faixa como curativo terciário.
No primeiro momento a troca foi realizada em vinte e quatro horas para observar possíveis reações inflamatórias com os materiais utilizados e como houve o aparecimento de sinais flogísticos com o uso do novo curativo de alginato de cálcio com prata, procedeu-se a troca do curativo primário a cada setenta e duas horas, realizando apenas a troca diária do curativo secundário e terciário.
Os exames foram repetidos dez dias após procedimento cirúrgico (Dia 14) e já não apresentavam mais alterações (Hb 12g/dl, Ht 35%, Leucócitos 12.410/mm³, Segmentados 8.720/mm³, Eosinófilos 950/mm³, Plaquetas 320 mil/mm³, Uréia 40mg/dL, Creatinina 0,8 mg/dL, Alanina Aminotransferase (ALT) 32U/L e Fosfatase Alcalina 32U/L).
Fonte: Arquivo pessoal
Após vinte cinco dias (Dia 29) no MTD e quarenta e cinco dias (Dia 49) no MPE passou a utilizar novamente a sulfadiazina de prata 1%, com troca diária do curativo até a completa cicatrização da lesão de ambos os membros, pois já não havia mais indicação do alginato de cálcio com prata, devido a pouca quantidade de exsudato que as lesões apresentavam.
Importante ressaltar que sempre antes da troca de curativos, precedia-se o uso de analgésico cloridrato de tramadol 2 mg/kg de quarenta minutos a uma hora antes do manuseio do animal e à medida que as lesões iam cicatrizando substituiu-se o cloridrato de tramadol pela dipirona 25mg/kg cerca de trinta minutos antes do curativo. O fechamento total da lesão do membro torácico direito demorou trinta e cinco dias (Dia 35 – Figura 6) e do membro pélvico esquerdo dois meses (Dia 60 – Figura 7).
O animal teve alta pesando 4,2 kg, foi submetido a orquiectomia, desparasitado contra pulgas e carrapatos com Advocate gatos (0,4 ml) com validade por trinta dias e vermifugado com Antec para gatos, meio comprimido 15 dias antes da alta e meio comprimido no dia da alta. Tutora foi orientada a retornar em vinte dias para iniciar o protocolo vacinal.
Fonte: Arquivo pessoal
DISCUSSÃO
Em clínicas veterinárias acaba sendo rotineiro o atendimento de cães e gatos que sofrem lesões traumáticas seja por atropelamento, queimaduras, mordeduras, maus-tratos, entre outras lesões (Tillman et al., 2015). O paciente descrito foi resgatado em uma estrada de terra
após ter sido atropelado e não ter sido socorrido pelo agressor que pode ter cometido esse atropelamento de forma intencional ou não.
Felizmente, foi salvo por uma senhora que apesar de querer ajudá-lo não dispunha de condições financeiras para o cuidado necessário.
O tecido cutâneo representa o maior órgão da pele e desempenha importante função na proteção, controle térmico, recepção sensorial e barreira contra a entrada de toxinas. O surgimento de uma ferida provoca o desequilíbrio dessas funções e pode favorecer o aparecimento de infecções que se não tratadas de forma correta podem evoluir para um quadro de sepse e morte do paciente (Szwed e Santos, 2017).
As fases de cicatrização de animais domésticos envolvem três diferentes momentos: inflamatória, proliferativa ou reparação e de maturação e ocorrem de forma simultânea, no entanto, são diferentes entre cães e gatos, uma vez que os felinos possuem um processo cicatricial mais lento, com menor produção de colágeno em fases iniciais no desenvolvimento de reparação tecidual por primeira intenção (Hengel et al., 2013).
No fechamento por segunda intenção, os gatos apresentam uma formação mais demorada de tecido de granulação, além de uma coloração mais pálida no leito da ferida. Além disso, o tecido de granulação tem sua formação inicial nas bordas da ferida com crescimento centrípeto, o que provoca um maior tempo no processo de cicatrização e uma maior possibilidade de intercorrências durante o fechamento da ferida. Já os cães realizam a reparação de uma forma igual em todo o tecido subcutâneo e a produção de colágeno é mais acelerada. (Hengel et al., 2013). Esse processo foi percebido durante a internação do felino que possuía uma lesão mais pálida e a cicatrização ocorria das bordas para o centro como evidenciado nas figuras apresentadas.
Os felinos são mais propensos ao processo de pseudocicatrização ou úlceras indolentes. A pseudocicatrização se caracteriza na deiscência completa de uma ferida suturada e aparentemente bem cicatrizada, após a remoção dos pontos e por força física e mecânica ocasionada pelo movimento. Já as bolsas indolentes ou úlceras indolentes são formadas pelo acúmulo de transudato circunscrito por colágeno, provocando dor e inflamação no local. Ambos os processos prejudicam a cicatrização correta da lesão, podendo ocasionar danos permanentes (Borella et al., 2020). Após a retirada dos pontos do MTD não ocorreu o processo de pseudocicatrização, uma vez que a lesão foi preparada para a cirurgia com o uso de sulfadiazina de prata e desbridamento cirúrgico dos pontos de necrose e do reavivamento das bordas.
Em estudo realizado por Castro et al. (2017), a formação do tecido de granulação em cães demora cerca de 7,5 dias, enquanto no felino essa formação de tecido viável pode ocorrer em até 19 dias após o início da lesão.
Em feridas contaminadas, como no caso de um atropelamento em que resíduos de asfalto e terra podem aderir ao leito da ferida, se faz necessário uma lavagem com soro fisiológico morno, com a utilização de uma seringa de 20 ml e agulha 40×12 para a remoção adequada da sujidade, sem lesão de tecido viável, além de tricotomia extensa da área afetada, com o intuito de diminuição da carga bacteriana local. O aquecimento do soro em temperatura próxima aos 37ºC, além de favorecer o conforto do paciente, não impede a continuidade do processo mitótico que proporciona a granulação da ferida (Huppes et al., 2013).
O uso da pomada sulfadiazina de prata 1% no início do tratamento tinha como prerrogativa ter ação antimicrobiana de amplo espectro, baixo risco de toxicidade. Outra vantagem com o uso da pomada é sua ação contra bactérias gram-negativas e gram-positivas e ação contra fungos (Filho et al., 2014). A prescrição inicial da pomada para o curativo das lesões, além das vantagens descritas, considerou-se também o seu baixo valor econômico, possibilitando que a tutora seguisse com as trocas de curativo, mas infelizmente o manuseio do animal não foi possível e após o desbridamento cirúrgico a conduta terapêutica foi modificada.
O desbridamento cirúrgico é considerado a técnica de excelência para a remoção de tecidos desvitalizados, necrosados ou infectados, preservando nervos, vasos e tecidos viáveis (Hengel, 2013). O desbridamento em camadas foi a técnica utilizada, iniciando pelo tecido superficial desvitalizado e se dirigindo para tecidos mais profundos, ocasionando a drenagem e posterior sutura do MTD e retirada do metatarso e do quinto dígito do MPE que já havia sofrido avulsão.
Após o desbridamento, iniciou-se o curativo com soro fisiológico 0,9% morno e após o uso do PHMB que permanecia em contato com a lesão por cinco minutos, antes da colocação do alginato de cálcio com prata.O PHMB possui ação bactericida, sem evidência de resistência e compatível com tecidos. Tem sua ação na camada fosfolipídica da parede celular bacteriana interagindo com as cargas negativas e positivas e promovendo o desequilíbrio biológico (Pedro e Saraiva, 2013).
O PHMB não tem sua ação afetada por sangue, fluidos ou exsudatos, tem sua aplicação de forma indolor, elimina odores e favorece o processo de cicatrização, tendo ação máxima em PH entre 5 e 6. Outra ação importante do PHMB é a proteção contra formação do biofilme e sua destruição quando já foi produzido na lesão. O biofilme caracteriza-se pela formação de colônias de bactérias, caracterizadas visualmente por um filme brilhante e viscoso em feridas agudas e crônicas, impedindo a passagem de terapias tópicas para o interior da ferida e permitindo o processo de granulação (Pedro e Saraiva, 2013).
Após o uso do PHMB procedia-se a utilização do alginato de cálcio com prata com troca nas primeiras vinte e quatro horas após a primeira utilização, para observar se ocorreu processo alérgico com o uso do material e então a troca a cada setenta e duas horas, permitindo um melhor conforto na manipulação do paciente e promovendo a ação do produto no local lesionado.
Os alginatos são curativos não aderentes encontrados em forma de placa de diversos tamanhos, gel e fitas, compostos de sais de cálcio de ácido algínico, um polissacarídeo natural presente em algas marinhas marrons.
Quando em contato com a ferida ocorre a formação de um gel que recobre a lesão mantendo o local úmido. Esse processo ocorre através de troca iônica onde os íons de alginato de cálcio são trocados pelos íons de alginato de sódio da lesão (Fossum, 2014; Filho et al., 2014).
O uso de alginato de cálcio auxilia na transição da fase inflamatória para a fase de reparo e em feridas com sangramento intenso, ativam a protrombina na cascata de coagulação diminuindo processos hemorrágicos. Em feridas crônicas, reativa a fase pró-inflamatória que favorece a formação do tecido de granulação.
Tem capacidade absortiva cerca de 20 a 30 vezes o seu peso, por isso é utilizado em lesões altamente exsudativas. Quando associado à prata, tem um aumento em seu potencial bacteriostático (Cor nell, 2012).
Devido à alta capacidade absortiva, o uso do alginato de cálcio pode proporcionar desidratação do leito favorecendo o surgimento de uma nova lesão. O material requer um curativo secundário como gaze para promover uma barreira com o meio externo e colaborar para o processo absortivo e um curativo terciário com a intenção de fixação do material utilizado. A troca não precisa ser diária e quando o alginato de cálcio satura, forma um gel de coverde e odor fétido, o que pode ser confundido com sinais de infeção (Cornell, 2012; Fossum, 2014; Filho et al.,2014).
Durante as trocas de curativo, o animal manteve-se tranquilo e colaborativo. Na fase aguda da lesão a analgesia era realizada com cloridrato de tramadol 2mg/kg e à medida que ocorria o processo de cicatrização o cloridrato de tramadol foi substituído pela dipirona 25 mg/kg. Durante a internação foi administrado um comprimido de 20 mg ao dia de gabapentina, com sua ação neurológica nas vias da dor, proporcionando uma melhor estabilização do animal. O desmame da medicação ocorreu após a liberação de todo o processo de internação.
O uso do ômega 3 e do Macrogard, uma betaglucana, foi utilizado na intenção de auxiliar o organismo no combate de possíveis processos
infecciosos e anti-inflamatórios, uma vez que ambos auxiliam e estimulam o sistema imunológico e são considerados nutracêuticos com propriedades auxiliares e coadjuvantes na terapia alopática prescrita (Panahi et al., 2016).
CONCLUSÃO
As técnicas combinadas na realização do curativo para o processo de cicatrização das lesões, aliada a terapia medicamentosa demonstrou-se efetiva. A amputação dos membros foi descartada e o animal manteve hábitos característicos da espécie, como andar, correr e pular de pequenas alturas. Manteve claudicação do MPE o que nada atrapalha em sua convivência com os tutores e demais animais que moram na residência.
CONFLITOS DE INTERESSE
A autora declara não existir conflitos de interesse.
REFERÊNCIAS
Borella, M.H. et al. Flap bipedicular no tratamento de lesão cutânea traumática em membro torácico de gato: relato de caso Rev. bras. Ci. Vet., 27(1): 7-13, 2020.
Castro, J.L.C. et al. Axial pattern fl ap from the caudal superficial epigastric artery for the correction of surgical defects created by the resection of tumors or traumas in cats and dogs: 16 cases (2012-2015). Journal of AgriculturalScience, 9(5): 170-174, 2017.
Checchinato, D. et al. Avaliação de um sistema de monitorização portátil do retorno anestésico baseado em análise de movimento em caninos e felinos. Braz. J. of Develop, Curitiba, v.6, n.8,p.56064-56076. aug.2020.
Cornell, K. Wound healing. In: Tobias K.M, Johnston S. Veterinary surgery small animal. St. Louis, Elsevier Health Sciences; 2012. p.125-134.
Filho N.P.R. et al. Uso de cobertura no manejo de feridas de cães e gatos. Rev. Científica de Medicina Veterinária – Pequenos Animais e Animais de Estimação; 12(42): 424-435, 2014.
Fossum T.W. Cirurgia de pequenos animais. 4ª ed. Elsevier, Rio de Janeiro, 2014. 1314p.
Hengel, T. V. et al. Wound management: a new protocol for dogs and cats. In J. Kirpensteijn, J. Haar, G. T. Reconstructive surgery and wound management of the dog and cat. London, Manson Publishing: 2013. p. 21-48.
Huppes, R. R. et al. Flape bipediculado no tratamento de lesão cutânea em membro torácico de cão-relato de caso. Journal Brasilian Cirurgy Veterinary, 2(2): 98-101, 2013.
Lopes, M.A.I. Abordagem e maneio médico-cirúrgico de feridas abertas em cães e gatos: caracterização etiológica e estudos de padrões traumáticos. Dissertação (Mestrado) em Medicina Veterinária. Universidade de Lisboa, Lisboa, 120f, 2016.
Macphail CM. Wound management. In: Fossum T.W. Small animal surgery . 4th ed. Philadelphia, Elsevier; 2013. p. 190-288.
Panahi, Y. et al. Therapeutic Effects of Omega-3 Fatty Acids on Chronic Kidney Disease-Associated Pruritus: a Literature Review. Advanced Pharmaceutical Bulletin. 6(4), 509-514, 2016.
Pedro, I.; Saraiva, S. Intervenções de enfermagem na gestão de biofilmes em feridas complexas. Journal of aging and innovation. 1(6), não p., 2013.
Oliveira, A.C.B et al. Técnicas combinadas no fechamento de lesões em membros pélvicos em felino. Brazilian Journal of Development,
v.8, n.11, p. 72278-72293, 2020.
Scheffer, J. P. et al. Cirurgia reconstrutiva no tratamento de feridas traumáticas em pequenos animais. Brazilian Journal of Veterinary Medicine, 35(Supl. 1), 70-78, 2013.
Tillmann, M.T. et al. Tratamento e manejo de feridas cutâneas em cães e gatos: revisão de literatura. Nosso Clínico., 6(103): 12-19, 2015.
Szwed, D. N.; Santos, V. L. P. D. Fatores de crescimento envolvidos na cicatrização de pele. Cadernos da Escola de Saúde, 1(15): 34-
39, 2017.
¹Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Lavras; ²ClínicaVeterinária SocialVet…
Dr. Daniel Checchinato
Graduado na primeira turma de Medicina Veterinária pela Unifian (Leme);
Pós-Graduado em Ortopedia Veterinária pelo Instituto Qualittas e Neurologia em Pequenos Animais pela Universidade Unyleya;
Mestrado em Medicina Veterinária e Bem-estar Animal pela Universidade Santo Amaro (Unisa) e doutorando em Ciências Veterinárias pela
Universidade Federal de Lavras (UFLA).
Dra. Ana Carolina Brito de Oliveira
Graduada Bacharel e Licenciatura pela Faculdade de Enfermagem da USP,
Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade de Guarulhos, especializada em Medicina Felina pelo IEP Ranvier,
Mestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de enfermagem da USP.
Dra. Anabela Bastos dos Santos
Graduada em Medicina Veterinária pela Universidade de Guarulhos (UNG);
Pós-graduada em Cirurgias de tecidos Moles pela Anclivepa/SP;
Coordenadora Técnica da Zoonose de Guarulhos entre 2009 e 2019.
Dr. Leonardo Augusto Lopes Muzzi
Graduação em Medicina Veterinária pela Escola de Veterinária da UFMG (1994),
Mestrado em Medicina e Cirurgia pela Escola de Veterinária da UFMG (1998),
Especialização em Cirurgia de Pequenos Animais pela University of Minnesota – USA (2000),
Doutorado em Ciência Animal pela Universida de Federal de Minas Gerais (2003) e Pós-doutorado em Ortopedia de Pequenos Animais pela University of London – UK (2011).