GESTÃO VETERINÁRIA: NA DOSE CERTA, CURA; NA ERRADA, PODE SER LETAL

QUEM SOUBER ALINHAR PROPÓSITO E PERFORMANCE CONSTRUIRÁ UM LEGADO DURADOURO E TRANSFORMADOR

Foto: AnnaStills/iStock

Por: Vinicius Molter

O setor de saúde animal é um território fascinante e desafiador, no qual a rotina nunca se repete. Movido por essa dinâmica vibrante, trilhei minha trajetória profissional, acumulando aprendizados, superando obstáculos e desenvolvendo uma visão empreendedora sólida.
Antes de compartilhar insights sobre essa jornada, permitam-me contar um pouco da minha história. Nascido em São Paulo, sou o filho do meio em uma família de três irmãos. Aos 17 anos, mudei-me para o Rio de Janeiro, acompanhando a transferência profissional do meu pai. Éramos uma típica família de classe média baixa, e, dois anos após nossa chegada, quando eu já estava matriculado na faculdade de Medicina Veterinária, nossa realidade mudou drasticamente. Meu pai passou por uma das muitas trágicas sociedades familiares que terminam em brigas e foi um golpe que nos atingiu em cheio. Esse episódio, embora doloroso, foi meu primeiro grande aprendizado no mundo dos negócios. Enfrentei de perto os desafios de uma sociedade mal estruturada e os erros de gestão que podem arruinar um empreendimento. Foi também nesse momento que adquiri a primeira camada da armadura que todo empreendedor inevitavelmente constrói ao longo da vida. Diante da necessidade de financiar meus estudos, iniciei minha trajetória empreendedora, que já dura 17 anos. Comecei organizando cursos dentro da faculdade, e, à medida que a demanda crescia, expandia capacidade, levando os cursos para o subúrbio do Rio de Janeiro.
Em seguida, dei um passo ousado rumo à Barrada Tijuca, bairro nobre da cidade, onde abrimos nosso primeiro hospital veterinário. O crescimento foi exponencial, impulsionado pela forçados cursos, e dois anos depois mudamos para uma estrutura ainda maior no mesmo bairro. A consolidação no Rio de Janeiro abriu portas para uma expansão nacional. Levamos nossas operações para diversas cidades do Brasil, chegando às cidades de Manaus-AM, Belém-PA, Recife-PE, Maceió-AL, Guarulhos-SP e Itu-SP. O projeto cresceu, amadureceu e, em 2021, concretizei a venda das empresas e da estratégia de expansão. Essa transação foi realizada pelo maior múltiplo já pago por um hospital veterinário até aquele momento – e, possivelmente, até hoje.
Após a venda do meu negócio, permaneci por um ano como executivo nacional do grupo que adquiriu a operação.
No entanto, a inquietude empreendedora logo voltou a me instigar. Assim, idealizei um novo projeto, mas desta vez em outro país, nos Estados Unidos, onde me encontro atualmente.
Já temos um hospital veterinário em funcionamento nos EUA e estamos construindo mais nove unidades. Até o final de 2025, teremos dez hospitais veterinários em operação, consolidando uma nova fase dessa trajetória que começou há tantos anos com uma necessidade e se transformou em uma missão.
Ser empreendedor no setor de saúde animal vai muito além da paixão pelos animais de estimação. Requer estratégia, gestão financeira e inovação.
Como Peter Drucker, um dos maiores especialistas em administração, afirmou: “Gestão é fazer certo as coisas; liderança é fazer as coisas certas.” E, no mundo dos negócios – no segmento dos hospitais veterinários -, a interseção entre gestão eficiente e liderança visionária define o sucesso.

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Entrada para cães do All 4 Pets Emergency Hospital. As entradas de cães e gatos são separadas para maior conforto dos clientes

MERCADOS VETERINÁRIOS DOS EUA E BRASIL
Os desafios e oportunidades no setor veterinário variam significativamente entre o Brasil e os Estados Unidos. No Brasil, a burocracia, a alta carga tributária e as leis trabalhistas são entraves comuns para o crescimento sustentável dos hospitais veterinários – e de outros negócios em geral.
Nos Estados Unidos, o mercado é altamente profissionalizado, e as pessoas possuem um poder aquisitivo mais elevado, permitindo que hospitais veterinários operem com margens mais previsíveis. No entanto, os desafios incluem um mercado extremamente competitivo, altos custos operacionais e uma demanda crescente por excelência em atendimento e infraestrutura.
Enquanto no Brasil a gestão eficiente precisa superar desafios regulatórios e econômicos, nos EUA, a competitividade exige investimentos contínuos em tecnologia, atendimento ao cliente e retenção de talentos nas empresas. Essa diferença impacta diretamente as estratégias de precificação, contratação e expansão dos negócios em ambos os países.

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Sala de Tomografia com equipamento de última geração e sala de hospitalização e atendimento do All 4 Pets Emergency Hospital

4 PILARES DA GESTÃO VET
Independentemente das diferenças culturais e burocráticas entre Brasil e Estados Unidos, os quatro pilares fundamentais da gestão são universais:
1. Gestão de pessoas: o diferencial competitivo. Nenhuma estratégia prospera sem uma equipe qualificada e motivada. No setor veterinário, onde a confiança do cliente é essencial, a qualidade do atendimento define a fidelização. Jack Welch, ex-CEO da General Electric, destacou que “antes de ser um negócio, uma empresa é um grupo de pessoas”. Mais do que contratar bons profissionais, é fundamental investir em treinamento contínuo, cultura organizacional e avaliações estruturadas. Empresas que negligenciam esse aspecto enfrentam alta rotatividade e baixa produtividade, comprometendo os resultados financeiros. Métricas como o Net Promoter Score (NPS) e certificações como Great Place to Work (GPTW) auxiliam na mensuração da qualidade da gestão de pessoas.

2. Planejamento Estratégico: o pilar do sucesso empresarial. Empresas bem-sucedidas não contam com a sorte para prosperar, mas sim com um planejamento estratégico sólido e orientado por dados. No setor de hospitais veterinários, cada decisão precisa ser fundamentada em análises precisas para garantir eficiência e crescimento sustentável. Um planejamento eficaz começa com um objetivo bem definido. Ter clareza sobre o propósito do negócio permite direcionar esforços de forma estratégica, identificar o público-alvo e estruturar um posicionamento competitivo. Muitas empresas cometem o erro de desviar do seu core business, tentando explorar segmentos nos quais não possuem expertise. Um exemplo: companhias que construíram sua reputação na venda de produtos enfrentam dificuldades ao tentar ingressar no segmento de serviços veterinários. Apesar de investimentos robustos, poucas conseguiram se estabelecer como referência. Isso ocorre porque cada modelo de negócio exige uma estrutura operacional, cultura empresarial e abordagem de mercado próprias.
A especialização e a consistência são fundamentais para o sucesso. Empresas que tentam atuar em múltiplos segmentos sem um planejamento bem estruturado acabam diluindo seus diferenciais e, frequentemente, comprometem sua rentabilidade. No setor veterinário, manter o foco no que se faz de melhor é uma estratégia essencial para alcançar resultados sustentáveis.

3. Gestão Financeira: nenhuma decisão gerencial deve ser feita sem um claro entendimento do Demonstrativo de Resultados do Exercício (DRE). Ele é a espinha dorsal de qualquer negócio, pois permite visualizar, em detalhe, receitas, custos e despesas. A sustentabilidade financeira de qualquer empresa depende de um planejamento meticuloso, e um erro comum entre empreendedores do setor veterinário, é focar apenas no faturamento sem monitorar o fluxo de caixa. Crescer sem liquidez é um risco fatal, e acompanhar semanalmente o DRE permite ajustes estratégicos rápidos. Um exemplo notável da importância dessa gestão cuidadosa é o caso da Aramis, uma das principais marcas de moda masculina do Brasil. Apesar de um crescimento de mais de 200% no faturamento, a empresa quase quebrou devido à falta de controle sobre custos, estoques e fluxo de caixa. O crescimento acelerado sem planejamento adequado levou a um acúmulo excessivo de despesas operacionais e falta de liquidez, comprometendo sua sustentabilidade financeira. A recuperação veio quando a empresa implementou uma gestão financeira mais rigorosa, revisando processos internos, reduzindo desperdícios e tomando decisões estratégicas baseadas em dados financeiros concretos. Esse ajuste permitiu que a marca recuperasse sua saúde financeira e voltasse a crescer de forma sustentável.
Eu, particularmente, gosto de adotar uma abordagem que chamo de “conta de trás para frente”. Antes de gastar, é preciso entender quanto se pode ou deve investir em cada linha do seu DRE para atingir a margem esperada. Qual é o teto para a folha de pagamento? Quanto um hospital pode despender em insumos sem comprometer sua viabilidade? Quais custos são inegociáveis e quais podem ser otimizados? Um hospital veterinário que opera com menos de 10% de margem líquida ainda faz sentido? Essas são perguntas essenciais para qualquer gestor do setor. Minha estratégia é iniciar o ano com um planejamento financeiro bem definido. O DRE é acompanhado semanalmente em tempo real por meio do sistema, garantindo clareza na estratégia e rapidez nas tomadas de decisões. Cada linha tem seu custo pré-determinado e, caso haja uma previsão de ultrapassagem, é necessária uma justificativa, sendo obrigatório penalizar outra linha que não seja a de lucro. Para mim, lucro não é negociável.
Como Warren Buffett aconselha:
“Regra número 1: nunca perca dinheiro. Regra número 2: nunca se esqueça da regra número 1.”Seguir essa filosofia, aliada a um monitoramento rigoroso do DRE e do fluxo de caixa, garante um crescimento sustentável e rentável para o seu negócio.

4. Crescimento: no empreendedorismo, estagnação é sinônimo de decadência. Empresas que não evoluem acabam sendo superadas pelo mercado. O setor veterinário está em expansão, e apenas aqueles que dominam a arte de equilibrar inovação e eficiência terão sucesso duradouro.

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Imagem do conceito amplo que terá o novo hospital do Grupo Greenlight

LUCRO: O OBJETIVO NÃO NEGOCIÁVEL
Empresas existem para gerar lucro – essa realidade precisa ser encarada pelos empresários da área veterinária sem romantização. Sem rentabilidade, não há crescimento, reinvestimento ou impacto duradouro.
Hospitais veterinários devem operar com margens saudáveis, e o empreendedor precisa entender que lucro não é um luxo, mas sim uma necessidade estratégica.

PROPÓSITO E PERFORMANCE CAMINHAM JUNTOS
Empreender na área de saúde animal exige visão, coragem e disciplina. Separar a paixão da gestão é essencial para transformar o seu hospital veterinário em um negócio próspero e sustentável.
Finalizo com um pensamento de Michel Telles que resume bem essa mentalidade: “O óbvio não existe. Corra atrás de tudo, fique em cima de tudo e esteja por dentro de tudo. O óbvio de que ‘planejei assim e vai acontecer’ é um prato cheio para dar errado.
As coisas dão errado – às vezes as coisas dão muito certo pelo momento do país, pelo crescimento do setor e você acha que sabe muito, que está tudo no controle. Saiba que negócios ótimos podem dar errado. Tudo em uma empresa precisa de dono – “alguém sempre precisa estar com o dele na reta”.
O mercado veterinário está em constante evolução. Quem souber alinhar propósito e performance construirá um legado duradouro e transformador.

Vinicius Molter
É sócio proprietário do All 4 Pets Emergency Hospital em Orlando, Flórida, e do grupo Greenlight Emergency Hospital, uma rede de hospitais veterinários de emergência nos Estados Unidos.
Foi fundador e CEO do Grupo CDMV – Centro de Desenvolvimento da Medicina Veterinária, por 14 anos e fundador e CEO por 7 anos do Dok – Hospital Veterinário 24 Horas, consolidando um modelo de atendimento diferenciado e elevando o nível do mercado veterinário nacional.
Ocupou o cargo de Executivo Nacional da Ser Educacional no setor de Medicina Veterinária, liderando estratégias de crescimento e inovação no ensino da profissão.
Atualmente, é fundador e CEO do Vet USA – projeto que leva veterinários para os EUA